Se alguém precisar de um exemplo da evolução patrimonial que o futebol pode gerar, recorra a Marinho, alternativa de banco do técnico Renato Portaluppi na partida deste domingo, contra o Vasco, no Rio. Em um intervalo de pouco mais de quatro anos, por conta de seu talento, e também de um mercado que remunera cada vez melhor suas estrelas, o jogador multiplicou os ganhos algumas dezenas de vezes e mostrou que, no país, nada supera o futebol em possibilidade de ascensão social.
Não há quem deixe de constatar o crescimento técnico e o amadurecimento do jogador nascido em Penedo, interior alagoano, e trazido em junho pelo Grêmio do Changchun Yatai, da China. As passagens sem êxito por Caxias, Paraná, Goiás e Ituano, entre 2011 e 2014 pareciam indicar o final precoce de uma trajetória que se anunciava exitosa. Assim como cada uma das lesões sofridas na carreira, que o faziam recomeçar do zero. Aos 28 anos, ele chega à Arena em seu melhor momento.
No início de 2014, Marinho encontrava-se "encostado" no Inter. Estava sem jogar havia um ano e sete meses depois de ter passado pelo Ituano, no interior paulista, um dos tantos clubes em que tentara reencontrar o futebol que o havia transformado, com apenas 18 anos, em uma luminosa promessa do Fluminense. Contratado pelo Náutico, o técnico Lisca recebeu nos Aflitos um elenco com apenas quatro jogadores. A quinta contratação nasceu quando recebeu um telefonema de Jorge Machado, empresário de Marinho, que pedia uma chance ao atacante.
— Ele chegou muito fora de ritmo. Mas, quando entro em forma, explodiu no campeonato pernambucano. Fomos vice-campeões. Houve um jogo em que batemos o Sport na Ilha do Retiro, o que não acontecia há 10 anos — recorda Lisca.
É aí que entra a faceta da evolução patrimonial. Fora dos planos do Inter, Marinho aceitou um salário que faria a felicidade de milhões de brasileiros, mas pequeno se inserido na realidade dos grandes clubes brasileiros.
— Ele foi para o Náutico ganhando R$ 7 mil. Quando foi para a China, ficou milionário. Dou risadas quando converso com ele sobre isso — completa Lisca.
Já naquela época, embora a carreira não se desenvolvesse conforme o sonhado, Marinho exibia uma característica que até hoje perdura: é difícil que alguém o encontre de mau humor. No Náutico, o atacante variava no vestuário, mas tinha preferência por bermudas e tênis de cano alto.
— Ele dizia que era um americano. Era uma figura. Tenho muito prazer em falar de Marinho. Sei que o ajudei, mas ele me ajudou muito mais em um momento difícil — reconhece Lisca, que espera trocar algumas palavras com o jogador nesta segunda-feira, quando, na condição de técnico do Ceará, virá à Capital para enfrentar o Inter.
De volta da Seleção Brasileira, Pedro Geromel surpreendeu-se ao entrar no vestiário do Grêmio e ver Marinho provocando gargalhadas com suas histórias.
— Ele se integrou rapidamente. Parecia que estava aqui há uns 10 anos. Isso ajuda muito na adaptação — sorri o zagueiro.
Depois do Náutico, Marinho foi contratado pelo Ceará, de onde saltou para o Cruzeiro, por indicação de Vanderlei Luxemburgo. O passo seguinte, decisivo em sua carreira, foi a passagem pelo Vitória-BA, sob o comando de Argel. Foi a parte de sua carreira em que mais esteve próximo do brilhante desempenho de 2008, no Fluminense, quando foi lançado por Renato Portaluppi. Seus gols e dribles foram decisivos para que o clube baiano se mantivesse na Série A, empurrando o Inter para o abismo.
— Quando cheguei ao Vitória, ele havia sido vaiado pela torcida após uma derrota para o Flamengo. Dei um voto de confiança, carinho e proteção. Comigo, em 15 rodadas, fez 12 gols. E olha que perdeu quatro jogos, quatro derrotas seguidas. Era mais do que meio time — elogia Argel.
Pela televisão, Argel assistiu à estreia de Marinho pelo Grêmio. Foram poucos minutos em campo contra o Atlético-MG, suficientes para que o treinador recordasse de sua trajetória pelo Barradão. Período em que lançar a bola ao atacante para que ele abrisse uma brecha na defesa adversária era uma estratégia infalível:
— Ele vai para cima, velocidade e ataca mesmo. É uma seta apontada para o gol. Não é um cara que dribla paro o lado. Sempre quer o gol.
Ainda que a técnica fosse o aspecto mais marcante do jovem Marinho em seus primeiros tempos com a camisa do Fluminense, sua irreverência não passava indiferente. Quem conta é o ex-centroavante Washington, astro da equipe vice-campeã da Libertadores de 2008, treinada por Renato. Muito jovem, Marinho havia ficado fora da lista da competição continental. Era nos jogos do campeonato carioca e do Brasileirão que ele barbarizava. Sem nunca esquecer de ser um garoto.
— A gente comentava que ele teria chance se tivesse cabeça no lugar. Esse jeito dele, não é? Era louquinho, muito brincalhão. Era a nossa dúvida, mas a experiência dele fez a diferença. O potencial sempre existiu — atesta Washington, que treinou a Itabaiana, de Sergipe, na Série D.
A partir de agora, o jogador que alia a molecagem do drible com a objetividade da busca do gol está pronto para fazer a alegria da torcida do Grêmio