Uma profunda reestruturação administrativa fez do Lanús um clube modelo de gestão na Argentina. O adversário do Grêmio na final da Libertadores colhe os frutos de um projeto de longo prazo iniciado há quase 40 anos, quando o clube foi rebaixado à Série C e estava à beira da falência.
Em 1978, no ano em que a Argentina estava em plena ditadura militar e a seleção nacional conquistava sua primeira Copa do Mundo jogando em casa, o Lanús vivia seu pior momento na história. O clube tinha suas correntes políticas completamente em permanente conflito, além de uma dívida em ações judiciais que ameaçava o futuro da instituição.
Mas foi aí que o clube foi amparado por sua maior força: a comunidade de Lanús. No início da década 1980, um grupo de sócios assumiu a direção e teve sucesso na iniciativa de pacificação. Paralelamente, o aumento da participação dos moradores na vida da instituição, que passou a sustentar outras modalidades esportivas, especialmente o basquete, fez o quadro social crescer de 2 mil para 10 mil pessoas.
O que, junto a acordos de parcelamento das dívidas que estrangulavam as finanças do clube, permitiu que o Lanús pudesse voltar a crescer. O primeiro passo foi o retorno à Série B, o que ocorreu em 1981. E, nove anos depois, sob o comando do técnico Miguel Ángel Russo, ocorreu a apoteótica volta à elite da Argentina, que marcou uma nova era nas finanças do clube que, àquela época, já contava com 25 mil sócios.
Um dos símbolos da organização administrativa do Lanús é o La Fortaleza. Até 1992, o estádio tinha pavilhões de madeira, com capacidade para 7 mil pessoas. A partir de uma intensa campanha junto a empresários da cidade realizada por uma comissão de ex-presidentes do clube, o projeto de reforma do estádio decolou. Erguido em um terreno de 27 hectares, o La Fortaleza tem hoje capacidade para 47 mil torcedores.
— A participação dos dirigentes no projeto deu vida a um estádio velho e antigo. O La Fortaleza que temos hoje foi construído sem participação de empresa privada e nem empréstimos bancários. Foi a puro pulmão que criamos um clube com instalações modernas. Com o esforço dos sócios, fizemos o clube assim — explica Ezequiel Naruk, tesoureiro do Lanús.
Além do La Fortaleza, o clube conta com uma sede social a oito quadras do estádio. Lá, foi montada uma estrutura completa para receber as mais de 30 modalidades esportivas que o Lanús sustenta, com ginásio poliesportivo, tatames para artes marciais e piscina olímpica, entre outros atrativos aos atuais 40 mil associados do clube.
— Somos um clube social com futebol. Nossa forma de trabalhar é típica de um clube de bairro, até por isso nos denominamos como o maior clube de bairro do mundo — sorri Naruk.
Embora tenha na função social um dos seus principais papéis, o Lanús tem na venda de jogadores o seu principal aporte financeiro. O tesoureiro do clube argentino explica que o orçamento anual é de 450 milhões de pesos argentinos, cerca de R$ 85 milhões. O Grêmio, em comparação, faturou quase quatro vezes mais nesta temporada: R$ 319 milhões.
— A estrutura do Lanús é sustentada a partir da venda de jogadores. Temos uma categoria de base importante, que revela bons nomes e gera ótimas possibilidades de venda — completa o dirigente.
— São jogadores que fazem um esforço extra em campo e se importam com a instituição — comenta o presidente Nicolás Russo.
Um personagem fundamental na consolidação do atual projeto de futebol do Lanús foi Ramón Cabrero. O espanhol, que chegou ainda criança a Buenos Aires, iniciou sua carreira de volante no clube na década de 1960. Depois de rápida passagem como técnico entre 1987 e 1988, Cabrero voltou para La Fortaleza em 2005 e formou o time que conquistaria o inédito título argentino em 2007. Aquela equipe, inclusive, contava com a atual dupla de ataque formada pelos goleadores Lautaro Acosta e Pepe Sand.
— O título de 2007 foi o grande salto de qualidade do Lanús. A partir da identidade que Ramón Cabrero deu ao time, o Lanús passou a ter mais espaço nos jornais e começou a ter mais jogos transmitidos na TV — comenta o repórter Lautaro Salucho, do canal TyC Sports.
Se o Lanús conquistar a Libertadores o Grêmio, será o terceiro título internacional dos argentinos. O clube já foi campeão da Copa Conmebol, em 1996, sobre o Independiente Santa Fe, da Colômbia, e também a Copa Sul-Americana em 2013 sobre a Ponte Preta, esta sob o comando de Guillermo Barros Schelotto, atual treinador do Boca Juniors.
Agora, o grande desafio do time argentino é levantar pela primeira vez o troféu mais cobiçado da América, feito que elevaria o patamar do Lanús, de força doméstico a protagonista também no cenário sul-americano.
— Esta final é importante para todos nós. O clube vem buscando este título há muito tempo. Agora chegou a hora, temos uma grande responsabilidade de dar alegrias à nossa torcida — destaca o zagueiro e capitão Velázquez, que poderá erguer a taça mais importante dos 102 anos de história do Lanús.
Lanús do amanhã
Um dos projetos mais importantes do clube na cidade de Lanús é sua escola. Fundada em 2006, tinha, inicialmente, só jardim de infância. Três anos depois foi implementado o ensino primário e, em 2012, ocorreu outra expansão: a abertura do nível secundário. A ideia da instituição é reforçar a identificação do clube junto às crianças da cidade oferecendo um serviço de qualidade no aprendizado.
— Parte da função social que o clube cumpre na comunidade está na educação. Encaramos esta responsabilidade e criamos o projeto, que é ambicioso. As crianças entram aos dois anos, no jardim, e já saem em nível terciário — observa o tesoureiro Ezequiel Naruk.
A escola de nível primário funciona em um prédio que fica a poucas quadras do La Fortaleza. E o colégio secundário fica localizado dentro do próprio estádio. Outros clubes como o próprio River Plate também mantém escolas próprias na Argentina. No caso do Lanús, o objetivo não é formar novos jogadores, mas sim cidadãos.
— A educação vai por um lado e o futebol para o outro. Existe um caso ou outro de aluno que entra na categoria de base, mas não é este o foco — diz Naruk.