Caxias e Grêmio protagonizaram, em junho de 2000, as finais do Gauchão que poderia ser só mais um vencido pelo grande da Capital sobre o do Interior. Porém, um grupo maduro, focado e comandado pelo técnico Tite escreveu a história da conquista do primeiro título grená, desbancando o milionário elenco tricolor de Ronaldinho, Zinho e cia, financiado pela ISL. A vitória no Centenário por 3 a 0 na ida e empate heroico em 0 a 0 no Olímpico decretaram o Caxias campeão gaúcho daquele ano.
— O Gauchão ser vencido pelo Caxias era como Grêmio ou Inter campeões mundiais, tamanha era a importância daquele título estadual para nós e para a cidade — dimensiona o zagueiro e capitão da equipe, Paulo Turra.
Aos 26 anos, desde os 16 no clube, Turra era uma das lideranças do elenco que estava junto há três anos. Ele conta que o time enfrentava dificuldades financeiras. Jogadores chegaram a passar três meses seguidos sem receber salários. O então zagueiro relembra que viam a final contra o Grêmio não só como uma chance de entrar na história do Caxias, mas também como uma oportunidade de se mostrarem para outros mercados.
— Era nosso "salve-se quem puder". Chegar à final já era uma vitrine. Sabíamos que dependendo de como fosse, clubes maiores viriam e nos contratariam. Foi o que aconteceu — revela.
O próprio Paulo foi para o Palmeiras após a conquista daquele Gauchão. O volante Titi era outro que via a final como uma chance de sair do time da melhor maneira possível. Ele havia sido campeão da série C pelo Avaí em 1998 — ano em que Tite, o técnico, conhecera seu futebol comentando jogos pela Rádio Caxias.
— Tinha ganhado um Brasileirão Série C e isso não tinha tido muito impacto na minha vida. Aquele Gauchão com o Caxias era uma chance de mudança de patamar na carreira de todos os atletas daquela conquista. A gente apostou muito nela. Foi um marco na vida dos profissionais que estavam envolvidos — comenta Titi, hoje empresário de jogadores.
Adversário poderoso
O título significaria a primeira grande conquista do Caxias e uma superação em campo contra a equipe mais cara do estado. O Grêmio da ISL havia recebido milhões em investimentos, e escalava jogadores como Roger, Paulo Nunes, Astrada, Zinho e a estrela maior que surgia para o futebol: Ronaldinho. Titi chega a comparar o Tricolor com o atual Flamengo pelo aporte financeiro.
— Eu dizia que o Ronaldo era 50% do Grêmio. Se pararmos ele, ficamos equilibrados no confronto. Mas, se tu desse o bote sozinho nele, ele dava o tapa e ia embora, era muito rápido. Tivemos que marcar por setor. Quando ele caía no meu lado eu encurtava o espaço e fazia ele baixar a velocidade. Só assim o outro volante, Ivair, chegava para dar o bote — explica o volante.
O zagueiro xerife, Turra, também tinha um plano para deter Ronaldinho, então com 20 anos. Ele revela que o técnico Tite havia preparado o setor defensivo para a habilidade e velocidade superiores do camisa 10 tricolor, mas que o diferencial aconteceria em campo.
— Em certo momento da partida, interceptei uma bola que ele adiantou. Dei um bico nela e ele veio na minha direção com a perna levantada. Fui pra cima dele e intimei gritando, ele se apavorou. Tinha sido convocado para a Seleção pelo Luxemburgo, não ia querer se arriscar num enfrentamento comigo — relembra o capitão Paulo Turra, que recentemente foi campeão brasileiro como auxiliar de Felipão, no Palmeiras.
Foco na preparação antes, festa inesquecível depois
A motivação exercida por Tite é uma constante no relato dos jogadores daquele Caxias campeão. Cartas escritas por parentes dos atletas e entregues a eles no começo dos dias de decisões faziam o café da manhã na concentração ser interrompido por lágrimas.
— Nos pilhava tanto que queríamos começar o jogo de manhã mesmo. Tirava coelho da cartola na preleção. Parte técnica a gente treinava, jogadas ensaiadas e tudo mais, mas na parte emocional ele era acima da média — conta Titi.
Márcio Hahn, hoje auxiliar técnico de Lisca no América-MG, era meio-campista do Caxias. Ele lembra que uma companhia aérea que patrocinava o clube oferecera um voo para a delegação vir da Serra até Porto Alegre na segunda final. Tite vetou.
— Ele não queria que a gente fizesse nada de diferente que pudesse tirar o nosso foco. Fomos de ônibus enfrentar o Grêmio. Na volta, vitoriosos, aí sim voltamos de avião. Sobrevoamos a cidade e estava cheia de gente na rua. Madrugada, frio e o estádio mesmo assim cheio — lembra o gaúcho Hahn, que aos 22 anos vivia a emoção de levantar taça em sua terra:
— Vendo a torcida animada nas arquibancadas deu até vontade de jogar de novo, adrenalina lá em cima, ninguém conseguiu dormir.