Das escolinhas do Avaí, de São Leopoldo, até a casamata do Caxias se passaram cerca de 20 anos. Incentivado pelo pai, Seu Paulo, Rafael dos Santos Lacerda saiu da base, se profissionalizou, vestiu a camisa de mais de 10 times do Rio Grande do Sul e de fora do Estado, pendurou as chuteiras, virou auxiliar e técnico. Sentiu o duro golpe da morte inesperada do pai, vítima de infarto, em 2012. Era véspera de um jogo do Caxias e o zagueiro estava concentrado em um hotel quando recebeu a notícia.
— Meu pai foi meu maior incentivador. Foi muito difícil seguir sem ele. Mas faz parte — resignou-se.
Lacerda precisou buscar forças de onde não tinha e seguiu em frente para homenagear a memória de Seu Paulo, que viu seu filho realizar o próprio sonho. No comando do time da Serra, o jovem treinador, que completará 36 anos no Dia dos Namorados (12 de junho), espera conquistar a primeira taça na casamata dois anos depois de deixar os gramados.
— Parei cedo (com 34 anos, no Aimoré) porque sempre tive a noção de que deveria encerrar a carreira quando fisicamente não desse conta dos desafios. Sempre sonhei em ser treinador, mesmo atuando, e hoje me sinto muito realizado — garantiu Lacerda.
Como jogador, boas lembranças diante do Grêmio
A esposa, Flávia, com quem Lacerda está casado há 8 anos, entende a paixão do marido pelo futebol. Juntos, tiveram dois filhos: Maria Paula, de 3 anos, e Martín, de 7 meses.
— Eu gosto do clube. Minha filha é apaixonada pelo Caxias. Eu tenho essa identificação que se traduz num sentimento muito bom — revelou o técnico.
A relação entre Lacerda e o Caxias começou em novembro de 2006. Com apenas 22 anos, ele deixava o Sapucaiense para tentar a sorte fora da região metropolitana. Foi a primeira passagem de quatro que se sucederam em 2011/2012, 2015 e 2016. Em 26 de fevereiro de 2012, o zagueiro estava em campo na vitória nos pênaltis sobre o Grêmio de Luxemburgo no Estádio Centenário, na semifinal da Taça Piratini, o primeiro turno daquele Gauchão.
— O futebol de hoje ficou mais rápido, mais intenso. O Grêmio mudou o jeito de jogar de lá para cá. Com o Renato, o time joga de uma maneira totalmente diferente do Luxemburgo de 2012 — relembra Lacerda.
Naquele domingo a tarde, 26 de fevereiro, o Tricolor chegava empolgado por ter eliminado o Inter, em pleno Beira-Rio, dias antes. Vanderlei Luxemburgo estreava como técnico e quando Kleber fez 1 a 0 aos 17 minutos do segundo tempo, a vaga à final parecia garantida. Só que o Caxias tinha Marcos Paulo e, aos 39, ele empatou.
Pouco depois, o goleiro Victor evitou a virada fazendo um milagre em cabeceio de Lacerda. O empate levou a disputa para os pênaltis e aí os donos da casa acertaram todas as cobranças. Marco Antônio desperdiçou para os tricolores e eliminou os visitantes.
O zagueiro Lacerda
Mas a passagem mais marcante no time da Serra do agora técnico começou em 2015. Depois de passar por Goiás, Portuguesa e Aimoré, Lacerda voltava a equipe que mais se identificou durante a carreira. O ano não acabou da melhor forma, o Caxias foi rebaixado na Série C e no Gauchão e ficou em má situação financeira. Mas não foi por isso que o ex-zagueiro deixou o clube. Ele permaneceu para levar o time da Serra de volta à primeira divisão do Gauchão.
— Lacerda já está há anos ali, passou por momentos complicados no clube. Conseguiu ser campeão de um dos turnos em 2012. Sentiu muito o ano do rebaixamento. Ele abraçou nossa causa para subirmos no mesmo ano. Sempre foi líder dentro de campo, com conhecimento de causa e unindo os jogadores e os outros departamentos do clube. É um cara muito sério e centrado nos objetivos — conta Mauricio Grezzana, presidente do time na época.
Em um ano de extrema dificuldade, Lacerda se tornou o principal elo entre o técnico Beto Campos, falecido em 2018, e o vestiário grená. Rafael Dias, preparador físico daquele elenco, garante que sempre alertou o ex-zagueiro de sua capacidade para ser treinador de futebol.
— Sempre falava que ele tinha uma visão dentro do campo do que acontecia taticamente, que ele tinha perfil de treinador. Ele se preparou para fazer essa transição. Sempre foi um atleta de alta confiança e respeitamos muito a liderança dele dentro do grupo — afirma o preparador físico.
Quem conviveu dentro de campo com Rafael Lacerda ressalta, além da motivação e da vontade de ser técnico, a competitividade do ex-zagueiro. Ex-colega e amigo pessoal do técnico, Nicolas Johann, atacante do Paysandu, diz que Lacerda não gostava de perder os rachões entre os atletas do Caxias.
— Ele é extremamente positivo e competitivo. Nos rachões, ele ficava incomodado quando perdia. Todo jogo em que a gente tinha resultado adverso, ele ficava incomodado, deixava transparecer isso. Tentava ver o que tinha acontecido e o que deveria ser feito. Nós nos falamos quase todas as semanas. É um líder nato dentro e fora de campo também.
FICHA TÉCNICA
- Nome: Rafael dos Santos Lacerda
- Nascimento: 12 de junho de 1984
- Local: São Leopoldo (RS)
- Posição: Zagueiro
- Carreira como jogador: 2006 a 2018
- Clubes onde jogou: Sapucaiense, Joinville, Caxias, RB Brasil, Portuguesa, São Paulo-RG, Goiás, Paysandu, Aimoré, entre outros.
- Carreira como técnico: a partir de julho de 2019
- Clubes que treinou: Caxias (único até aqui)