Um gol no finalzinho. Dois pênaltis defendidos. E duas protagonistas do título do Inter no Brasileirão Feminino sub-17. Foi aos 45 minutos do segundo tempo que Milenna subiu mais alto do que qualquer adversária, cabeceou às redes e acabou com qualquer vantagem gremista.
A partir de então, era tudo decisão de pênaltis. E a responsabilidade estava nas mãos de Camilly. A goleira tinha de parar as rivais para garantir o bicampeonato colorado. E conseguiu. Defendeu as cobranças de Ana Vidal e Yasmin, e permitiu que o Inter voltasse a soltar o grito de campeão.
Quis o destino que tudo passasse por duas meninas que têm uma ligação muito maior que o futebol. Aos 18 anos, as gêmeas e dividem o mesmo sonho: viver do futebol e dar um futuro melhor à família, especialmente ao avô Márcio e à avó Selma.
— Saímos de casa para realizar nosso sonho, e sempre pensando neles. O meu avô é muito durão, muito mesmo. E a primeira vez que eu vi ele chorando foi quando passamos no teste (do Inter). Ele falava "amo muito vocês, minhas netinhas. Espero que dê tudo certo. E o vô vai estar sempre apoiando vocês" — conta a zagueira Milenna.
Há mais de um ano, as duas não veem os avôs. A última vez foi em 12 de abril de 2023, quando eles foram até Nova Iguaçu assisti-las pela primeira vez. A partida era válida pela terceira rodada da Liga de Desenvolvimento sub-16, e terminou com vitória do Santos por 1 a 0.
Tivemos 10 minutos para matar a saudade, mas não foi o suficiente
CAMILLY
goleira do Inter, sobre as saudades dos avôs
— Ficamos muito felizes, mas por ser um tempo curto foi muito doloroso. Saímos do jogo e fomos correndo em direção a eles, pulamos a cerca. A gente deu um abraço muito apertado na nossa avó e no nosso avô. Choramos. E tivemos que voltar para o vestiário para fechar. Tivemos 10 minutos para matar a saudade, mas não foi o suficiente — relembra Camilly.
— Só de pensar que íamos ficar todo esse tempo sem vê-los, teríamos abraçado ainda mais forte. Porque cada minuto é valioso — complementa Milenna.
A família delas segue morando em Rio Bonito, município com mais de 60 mil habitantes, na região metropolitana do Rio de Janeiro. A distância é a maior dificuldade que precisam driblar para seguir lutando pelo sonho. E o que corrobora para que a saudade seja menor é justamente terem uma à outra.
— Temos as nossas briguinhas, mas é coisa de irmã (risos). Toda atleta sente saudade da família. Ainda mais a gente que está há bastante tempo aqui. Acho que cada dia é um, e a gente sempre tenta ficar animada. A Gabi (Inácio, atacante) e a Sarinha (zagueira) também são como irmãs para nós. Essa nossa união faz com que fiquemos mais fortes — ressalta Camilly.
Essa nossa união faz com que fiquemos mais fortes
CAMILLY
sobre o fato de terem uma à outra
A história com o Inter e as ligações criadas em Porto Alegre se iniciaram em 2022. Milenna e Camilly vieram de Rio Bonito para fazer um teste. Em três dias, foram aprovadas e começaram a viver a rotina de um clube profissional.
— Eu lembro que a gente fez uma gritaria na hora aprovação, que a mulher da recepção do Sesc ficou até braba comigo (risos) — lembra Milenna.
O início de tudo
Até chegar ao Inter, muitas mudanças. Os primeiros passos foram na quadra, em Rio do Ouro. Para poder treinar na escolinha do professor Elói, no entanto, elas tinham de cumprir uma determinação da avó Selma.
— Nós começamos jogando com os meninos na quadra, e começamos a gostar. Era sempre segunda, quarta e sexta. Daí minha avó já falava: "Se não for para a escola, não vai treinar com o Elói (risos)". Então, a gente dava um pouquinho de trabalho, né?! Às vezes a gente saía da aula para jogar bola com os guris no recreio. Minha avó ficava louca — relembra Camilly.
No futsal, elas também desempenhavam em funções diferentes. A goleira era Milenna. Até que uma micro lesão mudou a história delas com o esporte.
— Eu jogava ali na frente, só que atuava no gol também. Gostava. Daí teve um jogo na quadra que eu joguei no gol e achava que estava super agarrando bem, mas passando bola pra caramba (risos). Daí machuquei a mão e a Camilly acabou indo para o gol. Ela foi e ficou, gostou a posição. Minha avó, acho que foi dois dias depois, comprou uma luva pra ela, ela ficou toda boba e gostou — relembra Milenna.
As mudanças de posição não pararam por aí. Já no campo, a zagueira Milenna ainda atuou no ataque e no meio de campo.
— Comecei de ponta, depois jogava de meia, daí voltei para a ponta. Quando eu cheguei aqui no Inter, foi uma loucura. Mas pra mim, onde me colocar, eu sempre vou dar meu máximo. Sempre falo isso. Hoje eu me identifico muito na zaga. Só que já joguei de ponta, meia, volante, em todas as posições possíveis eu já joguei. Até de goleira (risos) — conta.
Em todas as posições possíveis, eu já joguei. Até de goleira (risos)
MILENNA
zagueira do Inter sobre ter se encontrado na posição
Camilly também precisou passar por outras posições defensivas antes de encontrar-se no gol. Agora, já teve até a oportunidade de treinar com as profissionais do Inter.
— O meu primeiro treino com o profissional foi em março, depois da Supercopa. Quando a Mari (Ribeiro) foi para a seleção (sub-20). Fiquei muito nervosa, acho que é normal quando é a primeira vez. Mas vi que meu trabalho estava dando resultado. Quando tu sobe para o profissional, é um ritmo diferente. Te dá uma vontade ainda maior, é inexplicável — ressalta.
Inspirações no futebol
Foi em um desses trabalhos com o principal que Camilly teve a oportunidade de trabalhar com uma de suas grandes inspirações. Em julho deste ano, o Inter anunciou Bárbara como nova goleira do clube. Com experiência na Seleção, a experiente jogadora influenciou várias gerações.
— Eu assistia a Bárbara quando eu era pequena e ela estava na Seleção. Meu avô colocava o jogo e eu via ela. E hoje estou treinando no profissional com a Bárbara. Não caiu a ficha ainda. Eu liguei para o meu avô esses dias e falei: "Vô, eu estou treinando com a Bárbara, tem noção disso? A mulher que eu me inspirei, e agora estou treinando junto com ela" — conta Camilly.
Eu liguei para o meu avô esses dias e falei: "Vô, eu estou treinando com a Bárbara, tem noção disso?
CAMILLY
sobre a inspiração em Bárbara
Um dos grandes exemplos de Milenna também veste a camisa do Inter. E, assim como Bárbara, fez carreira pela Seleção Brasileira.
— Acho que toda menina sempre teve uma referência muito grande na Marta. Ela foi a mãe do futebol, é até hoje, na verdade. E vou te falar que tenho uma inspiração muito grande na Bruna Benites. Me vejo um pouco em todas que estão em campo, todas do elenco profissional. O Inter tem atletas maravilhosas, incríveis — ressalta Milenna.
A recompensa pelas abdicações
Poder conviver com atletas renomadas no mundo do futebol é uma das recompensas que encontram em meio à rotina. Mas, maior do que isso, são os títulos que podem conquistar com a camisa do Inter. O mais especial ainda está fresco na memória: o Brasileirão sub-17.
— Eu fiquei tão feliz, e a ficha só caiu quando fui dando as entrevistas. O grupo trabalhou muito pra isso, estava mais unido. E todas estavam por todas, acreditando uma na outra, e acho que foi essa a diferença — relembra Camilly, que defendeu dois pênaltis na final.
O título diante do Grêmio teve todos os elementos para ser memorável. As Gurias Coloradas saíram perdendo por 2 a 0, buscaram dois gols após os 30 minutos do segundo tempo, e venceram nos pênaltis.
— Passou pela minha cabeça diversas vezes, que a gente foi muito bem no campeonato, gente treinou muito pra isso, e merecíamos. Gre-Nal é uma loucura, é um jogo que não tem comparação com nenhum outro — conta Milenna.
Próximos passos
Para o futuro, as duas nutrem os mesmos sonhos. Títulos pelo profissional. Promoção ao profissional. E, claro, chances na seleção.
— Acho que toda atleta quer vestir a blusa amarelinha, né. E subir pro profissional também é um sonho. Além de ser bem-sucedida, conseguir dar o melhor para a minha família, ser destaque, virar uma grande jogadora e uma grande pessoa também — resume Milenna.
Os próximos passos delas serão na disputa pelo título do Brasileirão Feminino sub-20. O Inter está classificado às semifinais, e buscará a vaga à decisão em dois jogos contra o Flamengo. Será em novembro que elas terão mais uma oportunidade de brilhar com a camisa colorada.