Sem recursos para bancar os altos custos de uma viagem internacional, o socorrista Erymar Costa, 45 anos, vendeu o seu único carro para ir à Austrália acompanhar a Seleção Brasileira na Copa do Mundo Feminina. O paulista se hospeda em albergues e até em casas de desconhecidos. Mas tamanho esforço tem um motivo especial. Erymar, que é conhecido como Lekão na sua cidade natal, Votorantim, é pai da zagueira Lauren, 20 anos, a mais jovem atleta do grupo de Pia Sundhage e que, inclusive, foi titular na estreia do Brasil contra o Panamá.
Mas viajar para o outro lado do mundo sem recursos não é o maior sacrifício já feito por Lekão para apoiar a filha no futebol feminino. Em uma entrevista de 25 minutos concedida nesta quinta (27) à GZH em um restaurante de comida típica brasileira, no centro de Brisbane, o pai da zagueira contou que, para tornar viável o sonho da filha de ser jogadora de futebol, percorreu com ela, de moto, ao longo de cinco anos, um trajeto diário de 200km entre Votorantim e São Paulo, para levar a defensora aos treinos no Centro Olímpico, o primeiro clube da atleta.
— Não existia time feminino em Votorantim. Por isso, quando a Lauren fez 11 anos, a inscrevi em uma peneira do Centro Olímpico, que era uma referência no futebol feminino em São Paulo. Quando ela passou na peneira, o treinador me perguntou: "Como você vai trazê-la?". Eu falei. "Ainda não sei. Este é agora o próximo passo". Então, decidi levá-la na garupa da minha moto aos treinos. Era uma distância de 100km. Levávamos 2h para ir e mais 2h para voltar. Era um perigo? Sim. Era uma loucura? Sim. Mas, no momento, era o que eu podia fazer pelo sonho dela. Fiz o que o meu coração dizia que eu deveria fazer — relembra.
Um desafio era conciliar a logística dos treinos da filha com o próprio trabalho, como socorrista de uma concessionária de rodovias do interior de São Paulo.
— Naquela época, eu trabalhava de madrugada. Então, eu buscava a Lauren na escola às 11h e a levava para São Paulo. Enquanto ela treinava, eu ficava na arquibancada do Centro Olímpico dormindo, porque era o meu único momento de descanso. Depois do treino, eu a levava de volta, de moto, para Votorantim. Essa era a minha rotina diária — explica.
Esforço reconhecido
O investimento em tempo, gasolina, disposição e quilômetros rodados deu mais do que certo. Após cerca de cinco anos treinando no Centro Olímpico, Lauren atraiu o interesse do São Paulo, e o bom futebol no Tricolor Paulista a levou para o Madrid CFF, onde a zagueira atuava até a última temporada, quando acertou a transferência para o Kansas City, dos Estados Unidos. Neste meio tempo, a defensora conquistou ainda a medalha de bronze com a seleção brasileira sub-20 no Mundial da categoria em 2022, na Costa Rica.
De Votorantim para a Austrália
Depois de tanto esforço para tornar o sonho de Lauren realidade, Lekão não poderia ficar de fora do momento mais especial da filha: a primeira Copa do Mundo. O problema era a falta de dinheiro para a viagem.
— O custo foi o que mais me pegou. Eu tinha falado antes que venderia o que fosse necessário para ir à Austrália. Então, com muita dor no coração, coloquei à venda o meu carro do coração, que era um Fiat 147. Um amigo se sensibilizou e comprou o carro para me ajudar a ir para a Austrália. No dia da venda, fiz, chorando, um vídeo com o meu carrinho indo embora. Mas eu falei que um dia eu compraria outro. Afinal, a oportunidade de ver a minha filha em uma Copa do Mundo era única — conta.
Mas, ainda assim, o valor da venda do Fiat era insuficiente para bancar a cara estadia na Oceania ao longo de um mês. A filha Lauren ainda lhe ajudou a pagar boa parte dos custos da viagem. Porém, para se manter em um país caro como a Austrália, foi preciso utilizar a criatividade.
— Comprei a passagem 15 minutos depois da convocação e paguei um preço absurdo. Mas eu acabo ficando em albergues, e divido quartos coletivos com turistas estrangeiros. Quando o pessoal do albergue aqui de Brisbane descobriu que eu tinha vindo acompanhar a minha filha na Copa do Mundo, eles me cederam um quarto individual sem nenhum custo extra. Mas eu não ligo para isso. Esse é um detalhe que eu não coloco como dificuldade. Mas a coisa tomou uma dimensão tão grande e inesperada para mim que eu comecei a receber convites de pessoas que conseguiram meu número e que me convidaram para me hospedar na casa delas. Falaram que seria um prazer, uma honra receber o pai da Lauren. Ontem (quarta) mesmo, um gaúcho, por sinal um torcedor colorado, foi me buscar no aeroporto de Brisbane e já me conseguiu uma hospedagem em Melbourne. E, para Adelaide (nas oitavas de final) eu vou aceitar todo o convite que receber — afirma.
Todo o esforço valeu a pena já na estreia contra o Panamá, quando Lauren foi a grande surpresa no time titular, devido a uma lesão sofrida por Kathellen.
— Foi uma emoção muito grande. Ela me contou já na véspera. Se ela não tivesse contado, eu até teria dormido tranquilo. Mas não dormi. Na hora, vendo ela perfilada para a execução do hino, me emocionei. Lembrei de tudo que fizemos para que esse sonho fosse possível — conta.
Após a entrevista, o pai de Lauren revelou que gostaria de assistir ao treino da filha nesta quinta (27) à tarde, mas que não sabia como chegar ao distante Moreton Bay Sports Complex, base de treinos da Seleção e que fica a 53 quilômetros do centro de Brisbane. Então, com o maior prazer, convidamos Lekão para ir com a gente.
Na chegada ao centro de treinamentos, ainda que o trabalho comandado pela técnica Pia Sundhage fosse com portões fechados, imediatamente a entrada de Lekão foi autorizada pela CBF. Após a atividade, ele conversou com a filha, foi recebido pelo presidente da entidade, Ednaldo Rodrigues, foi presenteado com uma camisa oficial da Seleção Brasileira e com um ingresso VIP para o jogo entre Austrália e Nigéria, realizado na noite desta quinta (manhã no Brasil), em Brisbane. Recompensas mais do que justas para um pai que deu tudo de si para tornar possível o sonho da filha.
— Eu cumpri uma missão de um pai que acreditou no sonho da filha de ser jogadora de futebol. Ela era uma criança de 11 anos que tinha um sonho. E de certa forma a sociedade diz o contrário, que uma menina não pode jogar futebol. Mas eu enxerguei sempre o futebol como um esporte. O futebol para mim não é masculino e nem feminino. É futebol. Ela queria jogar futebol, e eu apenas a apoiei. Muitas pessoas me perguntavam: "Por que você faz isso?" E eu respondia: por que eu sou pai. E se ela quer jogar futebol, ela vai jogar futebol — finalizou