A vida nos envia sinais. É só ficar atento para percebê-los. O caso de Rodrygo, 21 anos, é exemplo claro disso. Nesta sexta-feira (2), ele pisará como titular da Seleção Brasileira no suntuoso Lusail Stadium, diante de 80 mil pessoas, para confirmar que, aos 15 anos, havia entendido a mensagem que o destino lhe enviara. Em 2016, ele veio com o Santos até Doha, para jogar o Tri-Series, um torneio que reuniu garotos do sub-15 ao sub-17 de vários clubes do mundo. Naquele Santos, havia além dele o atacante Yuri Alberto e o zagueiro Kaíque Rocha, hoje no Inter. Quando chegou à academia Aspire, já na época um laboratório de futebol funcionando a pleno e com alto investimento catare, o guri e perguntou:
— O que estou fazendo aqui, tão longe?
Em seguida, ouviu falar que todas as energias do país estavam centradas em organizar a Copa de 2022, garantida havia seis anos. Veio a resposta:
— Agora entendi o que estou fazendo aqui (no Catar). Em 2022, estarei de volta para jogar a Copa.
Pois o tempo andou rápido para o guri. Em seis anos, ele brilhou pelo Santos, foi camisa 10 da Seleção sub-20, migrou para o Real Madrid, foi decisivo na conquista da 14ª Liga dos Campeões e voltou a Doha. Para jogar a Copa, como suspirou lá atrás, com seus adolescentes 15 anos. Mais do que jogar a Copa, Rodrygo faz aqui no Catar a sua Copa, dourada e com participação de gente grande. Depois de ajudar a levar o Real à final da Liga com dois gols em dois minutos (o time venceria o Manchester City na prorrogação depois), o guri ganhou lugar na prateleira mais alta do futebol mundial com pouco mais de uma hora em campo aqui em Doha. Jogando como um camisa 10 e ocupando a vaga deixada por Neymar. Tudo isso ao 21 anos. Você se lembra do que fazia aos 21 anos?
A vaga de titular contra Camarões é, na verdade, uma rodagem para ganhar ainda mais casca e seguir nas oitavas. A condição clínica de Neymar segue complicada. Mais uma vez, ele ficou no hotel, em tratamento. Há perspectiva no ambiente da Seleção de que o nosso principal jogador volte nas quartas, daqui uma semana. O que está longe de ser garantido. Por isso, Tite trabalha para afiar Rodrygo. Não que precise muito. O próprio técnico se mostra, nas entrevistas aqui no Catar, encantado com a desenvoltura do guri atuando numa faixa mais central.
— O campo fala, a bola fala. Algum de vocês tinha ideia de que o Rodrygo pudesse fazer tudo isso atuando pelo meio? — indagou o técnico na entrevista coletiva concedida antes do jogo contra Camarões.
Não é a primeira vez aqui que Tite menciona Rodrygo de forma espontânea. Antes do jogo contra os suíços, ele foi instado a falar da nova geração de atacantes. Começou a listar os jogadores do meio para a frente e parou no guri do Real:
— A bola parece que cola no pé dele. Ele vai correndo e reprogramando a jogada no meio do caminho. É impressionante.
Os elogios vêm do rendimento nos treinos, mas, mais ainda, da personalidade nos jogos. Contra a Sérvia, ele jogou 25 minutos. Entrou quando estava 2 a 0 e tomou iniciativa como se estivesse em sua casa. Contra a Suíça, o desafio foi mais casca grossa. Tite o chamou no intervalo, para resolver a falta de criatividade para desmontar o paredão montado diante da área. No gol anulado de Vini Jr., ele deu o penúltimo toque. No gol que valeu, de Casemiro, ele deu a assistência, com toque de calcanhar e uma simplicidade tamanha que pareceu até esnobe.
Não foi esnobe. Nem combina com ele. Rodrygo é um guri vivendo um sonho. O sorriso branco está sempre à mostra. Brilha só menos do que o brinco de diamantes da orelha esquerda. Depois do jogo contra a Suíça, apareceu na zona mista aprumado, com o topete pontuado por luzes moldado no gel. Atendeu a todos com paciência, falou de tudo. Do Trovão, um dos seus técnicos na infância, a Modric, seu companheiro no Real a quem apelidou de pai. Aliás, a versão meia na Seleção tem muita ajuda do croata eleito o melhor do mundo em 2018.
— Converso muito com ele, ouço muito os conselhos dele sobre como jogar no meio. Embora ele atue numa faixa mais atrás, como um volante, é um cara no qual me inspiro muito — contou Rodrygo a GZH na zona mista do 974 Stadium.
Os elogios e os dias de estrela ascendente aqui na Copa fizeram o guri até mesmo a digerir melhor as comparações com Neymar. Essa é uma sombra que o persegue desde que surgiu no Santos, em 2016, numa velocidade tamanha que rendeu-lhe o apelido Rayo. Aqui em Doha, em vez de recusar o paralelo com o ídolo, ele dribla o tema.
— Rodrygo, eu sei que você não gosta da comparação com o Neymar. Sempre diz "Eu sou o Rodrygo, ele é o Neymar". Mas chegoua hora de emular a função do Neymar e o que ele representa à Seleção? — perguntou um repórter.
— Se eu eu puder fazer a metade do que ele faz, estará de bom tamanho. É o nosso melhor jogador, todos estão cientes disso. Não quero me comparar, mas, se me tocar fazer a função dele, vou tentar da melhor forma — disse.
Será assim, Rodrygo. Terá de ser com você nesta sexta mais curta no Brasil e, quem sabe, sem fim para você. Aliás, não só a sexta. Para quem, em 2016, previu aqui em Doha de que estaria na Copa seis anos depois, podemos dizer que esses são dias intermináveis.
— Eu me preparei para esse sonho e, agora, estou realizando — resumiu, antes de sair como se estivesse caminhando nas nuvens, o jovem "camisa 10" do Brasil por esses dias.