O tempo. Nesta Copa do Mundo, foi algo completamente antagônico e incoerente. Assim como voou, se arrastou. Quando corria devagar, nos fazia pensar em casa, na família, na distância, na quantidade de dias que ficaríamos no Catar. Quando passou rápido, foi pela intensidade de uma cobertura desse tamanho.
Parece que foi ontem que chegamos e mergulhamos nessa loucura que é o Mundial. Acompanhamos as 32 seleções. Os 64 jogos. O dia a dia da Seleção Brasileira, enquanto o sonho do hexa parecia mais uma certeza dentro de cada brasileiro. Como equipe, nos dividimos. E somamos. E multiplicamos. Sobretudo, histórias.
Sobre o Brasil, queríamos ter contado mais. Ainda sentimos o gosto amargo da precoce eliminação nas quartas de final. Chegar ao domingo, 18 de dezembro de 2023, sem falar da nossa Seleção, dá um aperto no coração, um nó na garganta. Era uma geração que poderia ter ido além e não foi. É preciso que muitos fiquem pelo caminho para que só um seja coroado.
A primeira Copa em um país do Oriente Médio nos deixou mais atentos e abertos ao que é tão diferente no nosso mundinho ocidental. Saímos do nosso quadrado para ouvir o outro. Lembro de quando encontrei uma menina marroquina, em plena festa da classificação do Marrocos para uma semifinal inédita na história d país. O Souq Waqif estava lotado de torcedores quando ela se aproximou de mim. Falou uma frase em árabe. Eu não compreendi. Perguntei se ela falava inglês e ela não entendeu. Apontei para mim mesma e falei meu nome, ela apontou para ela mesma e disse o dela. Maria, pequena Maria. Tinha no máximo 5 anos. E fez tanta coisa ter sentido a partir dali.
O encontro de nações, culturas e povos num evento como este, é pura troca. Só assim para compreendermos a paixão da torcida africana que mais longe chegou num Mundial e o significado dessa conquista no grito e no canto do torcedor. Na dedicação do jogador que dá tudo de si. Na convicção do técnico.
Num país em que uma mesma família está no poder há quase 200 anos, em que se questiona os direitos das mulheres e os direitos humanos, uma princesa que mais parece ser gente como a gente. Asma Al Thani, a sheikha montanhista. A primeira mulher catari a subir o Everest, tenta entrar em uma escalada desafiadora: a que luta pelo protagonismo feminino. Diretora de Marketing e Comunicação do Comitê Olímpico do Catar, já vislumbra mais um importante evento esportivo por aqui. As Olimpíadas!
No lugar onde a religião faz parar tudo no horário da oração, em que as pessoas se curvam até na rua diante da sua fé, em que os camelos são atração andando nos estádios ou nas corridas que são o esporte número um no país, o futebol trouxe o inusitado. Reuniu uma multidão nos palcos dos jogos ou no chão da Fifa Fan Festival, com mulheres de pessoas sentadas no chão olhando para um telão e vibrando pela sua seleção ou aquela que escolheu torcer.
Não à toa, a camisa metade Arábia Saudita, metade Brasil deixava escancarada uma abertura que talvez nunca antes tenha acontecido por aqui. O efeito Copa do Mundo trouxe flexibilizações que devem marcar o país emirado para sempre. Assim como as memórias de uma experiência tão enriquecedora para uma estreante em Copas como eu.
Uma generosidade sem tamanho
Diante do desafio da minha primeira Copa do Mundo, tive a sorte de contar com 15 pessoas incríveis, numa equipe que inspira. Cada um do seu jeito de ser e fazer, com sua habilidade, sua experiência. Deu tanto frio na barriga essa estreia. A mais nova da delegação tinha muito a absorver neste um mês de trabalho ao lado de tantos craques. E foi isso que fiz. Um pouquinho de cada colega fica em mim. Mas alguns deles deixaram um pouco mais de si aqui dentro.
A minha parceira Alice Bastos Neves foi minha companheira de quarto, de jornada nesses mais de 30 dias. Alguém que passa texto, discute sobre uma ideia, propõe, ensina e ainda tem tempo para ser brilhante. Uma comunicadora absolutamente completa. Onde quer que seja. TV, rádio, jornal, internet. É aquela jogadora moderna que vai de área a área. E ainda passa a bola para que tu faça a tua parte também. Ela é time, raça e coração. E ainda é minha amiga. Que presente o jornalismo me deu, que sorte te ter na vida.
O André Gonçalves não é alguém que vocês veem ou escutam no ar, em algum dos veículos do Grupo RBS. Mas ele é um dos responsáveis por fazer com que a tecnologia funcione para o que produzimos aqui chegue até vocês. Um Engenheiro Elétrico que sabe tudo sobre tudo aquilo não sabemos nada. Tive a oportunidade de trabalhar diariamente com ele. E com a calmaria de alguém que parece ter sempre tudo sob controle. O André não se desespera, não sobe a voz, não se aperta com nada. Ele procura soluções. Resolve. Vai lá e faz. E ainda tem tempo para te ouvir, dar bons conselhos e até pagar uma compra quando tu te esquece do cartão no hotel.
Luciano Périco é gigante no tamanho, lá do alto dos seus 2,06m de altura. E gigante de coração. Imaginem vocês que todas as noites ele deixava na porta do meu quarto e da Alice chocolatinhos para adoçar o dia e bilhetinhos com mensagens motivacionais. “Força gurias”, “amanhã tem mais guerreiras” e por aí vai. Sair ou chegar e ter aquele mimo, aquecia o coração. Nos fazia imediatamente abrir um sorriso e pensar: vamos deixar um para ele também. Tinha dias que nem nos encontrávamos, mas aquela era uma forma de mostrar que estávamos juntos.
Pedro Ernesto Denardin, o homem das 12 Copas. A voz potente, o narrador perspicaz, que emociona com sua forma de descrever cada detalhe de um jogo. Não há como não se comover diante de um senhor, de 72 anos, que é um guri cheio de vontade quando abre o microfone. Meu olho brilha vendo o Pedro. Penso que quero ter a mesma entrega ao que escolhi como profissão como ele tem. E mesmo sendo esse fenômeno, essa figura tão consolidada, teve diversas vezes a sensibilidade de me olhar e dedicar a mim palavras de incentivo, motivação, admiração e encorajamento. Hoje, no dia da final entre Argentina e França, mais uma vez fez parou algo que estava fazendo para me dizer mais algumas coisas. Me fez chorar numa fração de segundos e sorrir logo na sequência com qualquer outra palhaçada que ele fez. Mais do que incrível, ele é demóóóis!
Passou um filme na minha cabeça. Pensei no quanto eu esperei por este momento e no quão maravilhoso foi vier tudo isso. E cheguei a uma conclusão: que sorte ter vindo para a Copa do Mundo do Catar com pessoas tão generosas. 2022 será inesquecível e inigualável.