A ansiedade fermenta o coração de Raphinha. Não é para menos. Contra a Coreia do Sul, ele comeu a bola, como se diz lá no campo atrás do Kan, na Restinga, onde ele cresceu. Foi o que mais finalizou, três vezes no gol e duas para fora, foi o que deu mais assistências para finalização, duas, foi o jogador da frente que mais desarmou, duas vezes, e foi quem mais driblou na Seleção, cinco, sendo três com sucesso.
Uma baita atuação. Só que faltou o gol. E o gol é oxigênio para quem, desde os três anos, está acostumado a colocar a bola na rede.
— Confesso que estou um pouco ansioso para fazer o meu gol, cara. Tem de sair — disse Raphinha, um tanto ressabiado depois do jogo contra a Coreia do Sul.
Há, inclusive, uma mobilização interna do grupo para tranquilizar o coração de Raphinha. Falta apenas ele, do quinteto ofensivo, marcar gol. Neymar fez de pênalti, Richarlison fez três, Vinicius Jr. fez, Paquetá fez. Só falta o caçula da turma em tempo de Seleção. Vini, na entrevista coletiva concedida neste começo de noite aqui no Grand Hamad Stadium, tentou tranquilizar o companheiro.
— É normal (essa ansiedade), atacante sempre quer fazer gol. No momento importante, o Raphinha vai fazer gol. O gol dele pode sair agora, nas quartas — apostou.
Vini e Andrius Pereira, o Farinha, não se conhecem. Tem em comum a amizade de Raphinha, mas nunca se cruzaram ou se falaram. Mas compartilham da mesma opinião. Farinha tem certeza de que o gol do amigo de infância virá na hora mais decisiva. Ele nunca foi de fazer o terceiro ou o quarto da goleada. Sua perninha esquerda magrinha funcionava sempre no 1 a 0 ou naquele 2 a 1 sofrido.
— Ele era o cara dos gols decisivos, que ganhavam as partidas — conta Farinha, em chamada por vídeo no intervalo do almoço no trabalho, aí em Porto Alegre.
Ele fala com conhecimento de causa. Aos três anos, já dividia time com Raphinha e Yan Sasse, ex-jogador do Coritiba e do Vasco, atualmente no Wellington Phoenix, da Austrália. Quando o jogo encrespava, a bola caía no pé do mais franzino do time e pimba, era gol. Nestes momentos de Copa, Farinha e os demais amigos de infância mantêm conversas diárias com o jogador do Brasil.
— Claro que ele está ansioso pelo gol. O gol dele não saiu ainda, de fato, está sentindo um pouco o nervosismo da Copa. É guri que chegou há pouco na Seleção. Esse último jogo serviu para dar confiança. Estou sentindo que o gol dele sairá na hora certa. Sempre foi o do gol decisivo — garantiu Farinha.
A família também está nessa frente para tranquilizar Raphinha. O pai, Raphael, evitou alongar as conversas aqui em Doha. Agradeceu o contato e preferiu deixar "tudo para o campo", onde tudo se resolve. A mãe, Lisiane Belloli, concedeu entrevista ao Timeline, na Rádio Gaúcha, e revelou que, nas conversas com seu filho, até evita falar de temas relacionados ao campo. Como toda a mãe. Percebeu de longe a ansiedade do filho. Só que nem adianta tentar aplacar a angústia dele. O guri sempre se cobrou muito. Se nos tempos de futebol de várzea em Porto Alegre já era assim, imagina agora que está diante dos olhos do mundo inteiro, vestindo duas das camisas mais pesadas do mundo, a do Barcelona e a da Seleção.
— A gente nem gosta de falar sobre isso quando encontramos com ele. Mas o pessoal quer isso (gol). E ele, muito mais. Mas tentamos deixá-lo tranquilo para que aconteça naturalmente. Só que ele se cobra tanto que isso pesa — observou Lisiane.
Gol no treino, não conta
Nesta quarta-feira (7), Raphinha fechou mais um dia de trabalho aqui em Doha. Teve gol no treino, claro. Mas treino é treino, não conta. Nem ninguém vê, ainda mais quando o trabalho é lacrado, como foi esse comandado por Tite no Grand Hamad. Mesmo que esteja aflito, garante que isso em nada alterará seu comportamento em campo.
— Apesar de estar ansioso, não vou mudar em nada minha forma de atuar. Vou seguir me entregando, ajudando na marcação. Se eu não fizer gol e a Seleção ganhar, está tudo bem. Temos objetivos maiores — disse Raphinha.
Claro que há objetivos maiores, para quem sempre foi decisivo, marcar um gol em Copa é como um troféu. Ainda mais que tem dancinha já ensaiada para comemorar. Que esse gol saia contra a Croácia, Raphinha. Assim, todos mundo fica mais feliz. E tu, menos ansioso.