Uma das surpresas da convocação do Brasil para a Copa do Mundo, Gabriel Martinelli, 21 anos, é protagonista de uma trajetória, no mínimo, fora da curva — para não dizer meteórica. Cria da base do Ituano, o atual camisa 11 do Arsenal corria por fora do grupo dos tidos como "certos" na lista de Tite, mas desbancou nomes como Firmino e Matheus Cunha, garantindo vaga no plantel de 26 atletas que vão ao Catar. É também o caçula do elenco brasileiro ao lado de Rodrygo, do Real Madrid, que também era presença incerta na lista de convocados.
Apesar da pouca idade, Martinelli é um dos principais jogadores do time inglês, que lidera a Premier League com participação importante dele. Em 102 jogos com a camisa vermelha, o brasileiro marcou 23 gols, sendo cinco deles nos 13 jogos disputados pelo clube nesta temporada do campeonato internacional. Ou seja, há motivos para Martinelli ter conquistado a confiança do técnico Mikel Arteta. O que chama atenção, entretanto, é como ele foi parar no futebol europeu.
Natural de Guarulhos, em São Paulo, o jogador começou a carreira na equipe de futsal do Corinthians, aos seis anos de idade. Aos 10, migrou para a base do futebol de campo. Marcou 73 gols em 139 jogos pelo alvinegro da capital paulista. A despedida veio aos 13 anos, quando a família decidiu mudar-se para Itu, no Interior. Martinelli não gostou, como já contou em algumas entrevistas, lembrando que precisou se separar dos amigos e deixar o clube onde acreditava que despontaria para o futebol profissional.
Estava enganado. Afinal, foi em Itu, vestindo a camisa do Ituano, que ele acabou sendo revelado. Chegou em 2015, aos 14 anos, já com a moral alta. É o que lembra o preparador físico da equipe profissional do Ituano, Gabriel Farinha, que à época trabalhava com a base do clube e acompanhou de perto a evolução de Martinelli até a profissionalização.
— Ele encheu os nossos olhos. Nos avisaram que viria um menino do Corinthians, e a gente sabe que, quando o atleta vem da base de time grande, é porque algo de diferente tem. Mas, assim que ele chegou, vimos que tinha algo muito além disso. O impacto foi outro, bem superior ao que imaginávamos — recorda Farinha. — No Ituano, a nossa metodologia é de sempre buscar o gol. O Martinelli já tinha esse instinto, então sempre buscava a bola e procurava o gol. Ele é muito agressivo, muito objetivo, do tipo que pega a bola e vai para o gol. Até quando errava, ele não se intimidava, tentava de novo e seguia em busca do gol.
Ele nunca se acomodou, nunca achou que estava garantido. Pelo contrário: melhorou, ia ainda mais em busca do gol.
GABRIEL FARINHA
Ex-preparador físico de Martinelli no Ituano, deSão Paulo
Com ofensividade e bom desempenho tanto pelo meio quanto pelas pontas, o adolescente não demorou a conquistar espaço. Começou bem nas categorias de base e foi artilheiro do rubro-negro de Itu na Copa São Paulo de 2019, com seis gols em quatro jogos. Passou da Copinha direto ao Paulistão daquele ano, onde também foi artilheiro. O saldo de Martinelli no profissional do Ituano foi de 10 gols e seis assistências em 31 jogos. Encantou.
Assim, como era esperado, o atacante começou a chamar atenção de outros clubes. O Ituano, que detinha 100% dos direitos de Martinelli, sabia que não conseguiria segurar seu bilhete premiado por muito tempo. E ele também tinha consciência de que seus dias no interior paulista estavam contados, mas, conforme o preparador físico, nunca subiu no salto:
— A gente não sabia exatamente os nomes das equipes, mas sabíamos que times europeus estavam atrás dele, que vinham olheiros e empresários de clubes internacionais para observá-lo. Eu acho que ele sabia (que iria para a Europa), mas o jogo dele não mudou. Ele nunca se acomodou, nunca achou que estava garantido. Pelo contrário: melhorou, ia ainda mais em busca do gol.
Nas graças da imprensa inglesa
Um mês depois de completar 18 anos, em julho de 2019, Martinelli deixou de vez Itu. Foi anunciado como reforço do Arsenal e partiu para Londres, na Inglaterra. A expectativa era de que ele fosse emprestado para ganhar experiência, mas, dada a rápida adaptação e o bom desempenho nos treinamentos iniciais, foi mantido nos gunners.
Na imprensa inglesa, falava-se que cada treino era como uma Premier League para o jovem atacante brasileiro, o que acabou impressionando a equipe técnica. Por isso, sua estreia no Arsenal ocorreu já em agosto de 2019, apenas dois meses após a contratação. A rapidez com que Martinelli conquistou espaço na elite do futebol inglês surpreendeu até mesmo quem o acompanhou no time formador.
— Sabíamos que ele ia despontar, mas não imaginamos que fosse tão rápido e em tão alto nível como foi. Achávamos que ele seria emprestado a um time menor, mas foi direto para o principal. Conquistou sua vaga com merecimento — avalia o ex-preparador físico do atleta.
De fato, o brasileiro chegou chegando. No primeiro ano de Arsenal, fardou em 26 partidas e marcou 10 gols. O bom desempenho rendeu convocação para a Seleção Olímpica montada pelo então técnico André Jardine. Martinelli não era titular incontestável em Tóquio, mas bateu um dos pênaltis que colocou o Brasil na semifinal, no jogo contra o México, e foi decisivo para a conquista da medalha de ouro.
Pausa por lesão e contrato até 2024
A sequência de boas atuações do atacante foi quebrada em junho de 2020, quando ele lesionou o joelho esquerdo durante um treino e acabou passando o resto do ano longe dos gramados. Foram seis meses afastado dos jogos do Arsenal, o que poderia significar uma perda de importância junto à equipe. Não aconteceu. Mesmo lesionado, Martinelli teve o contrato com o time inglês renovado para mais quatro temporadas. Fica até 2024, embora a intenção do clube seja de renová-lo para mais dois anos.
O Arsenal não esconde o desejo de manter o brasileiro entre seus atletas, e ele também já falou algumas vezes que "se encontrou" no clube inglês. Foi anunciado em maio deste ano como o titular da camisa 11 dos gunners — antes, fardava a 35 —, em mais um sinal de que não deve deixar Londres tão cedo.
Com a convocação para a Copa do Mundo, o atleta de 21 anos tem chance de mostrar serviço, construir repertório de Seleção — antes, só havia jogado Eliminatórias e amistosos — e marcar seu lugar entre a elite de brasileiros na Europa. Ao voltar à Inglaterra, talvez possa até igualar importância com o companheiro de equipe Gabriel Jesus, que também tem cinco gols marcados na Premier League, mas traz a experiência como um diferencial que o camisa 11 ainda está construindo.
Sabíamos que ele ia despontar, mas não imaginamos que fosse tão rápido e em tão alto nível como foi
GABRIEL FARINHA
Ex-preparador físico de Martinelli no Ituano, deSão Paulo
A aposta de Gabriel Farinha, preparador físico do Ituano que acompanhou a formação de Martinelli, é de que o atacante vai "dar o nome" na Copa do Catar e retornar para o Arsenal com ainda mais confiança por parte do técnico Arteta. Ele adianta, porém, que o Martinelli que o mundo verá dentro de campo é bem diferente de quem o jogador é fora das linhas de cal:
— Ele é muito competitivo em jogo, mas também muito amigo, não é aquele cara que só pensa em si. É um menino muito introvertido, quietinho. Na hora em que o árbitro apita, ele se transforma, vai para cima, pede a bola, mas fora de campo é outra pessoa.