A Seleção Brasileira pode não estar em campo neste domingo (15), mas vai ter comemoração em Porto Alegre quando a taça de campeão da Copa do Mundo for erguida. A mais de 10 mil quilômetros de seus países, croatas e franceses já preparam a torcida.
Desde quinta-feira (12), um dia depois da classificação histórica da Croácia, uma bandeira com um escudo quadriculado foi parar no Mercado Público. Já a Avenida Goethe pode ser o destino dos adversários, caso a França vença o jogo.
Independentemente do resultado, vai ter churrasco e 100 litros de chope na casa de Desa Kolesar, na Vila Ipiranga, zona norte da Capital. Nascida na Ex-Iugoslávia, a dona da banca 45 do Mercado Público desembarcou em dezembro de 1960 em solo brasileiro, dois anos depois de seu marido. Embora lhe doa recordar, foi a guerra que lhe trouxe para cá.
— Meu marido foi um oficial da elite do exército croata durante a Segunda Guerra Mundial. Quando terminou e eles perderam para os comunistas, ele teve que fugir — resume a croata, hoje com 80 anos.
A história começa quando Marjan — mais tarde naturalizado como Mariano —, aos 17 anos, estava estudando quando o exército croata invadiu a sala de aula e colocou uma arma em sua mão. Treze anos mais nova, à Desa restou fugir:
— Eu era criança na época. Me lembro dos bombardeios, de gente fugindo se escondendo. Foi coisa feia. Minha bisavó, que não tinha condições de fugir, ficou dentro de casa sentada enquanto todo mundo escapava. Entraram lá, deram tiros e mataram a velhinha sentada. Imagina? Não tem como esquecer — conta Desa em um português que, mesmo quase quatro décadas depois, ainda tropeça nos “erres”.
Mariano foi preso político por seis anos e, depois de receber a anistia, foi que conheceu Desa, casou e teve com ela a primeira filha. A guerra havia acabado na teoria, mas ele continuou a ser perseguido. Assim, junto com um amigo, deixou a família para trás e fugiu a pé da Croácia para a Itália, percorrendo mais de 40 quilômetros até um campo de refugiados no país vizinho.
Depois de um tempo, ainda ameaçado, recebeu a opção de deixar a Europa rumo às Américas. Como o pai, fugido da guerra quando Mariano ainda era criança, morava no Brasil, escolheu as terras tupiniquins como nova morada. Desa veio assim que o passaporte e o visto ficaram prontos. Aqui, tiveram mais duas filhas e herdaram a banca do Mercado Público do sogro dela, trocando as sementes antes vendidas por ele por artigos religiosos.
A Copa do Mundo é uma boa desculpa para reunir a família e chamar os amigos que simpatizam com a grande história de um pais tão pequeno, com 4 milhões de habitantes.
— Não é mais a igual. Aquela coisa ruim da Iugoslávia não existe mais. Agora é Croácia — afirma, repetidas vezes, a torcedora, referindo-se ao fim dos seguidos conflitos enfrentados por seus conterrâneos, das Guerras Mundiais à independência, em 1991.
Também foi uma história de amor que trouxe Veronique Buisson Masi ao Brasil. Em meados da década de 1980, a francesa nascida nos arredores de Paris conheceu o futuro marido, o gaúcho Flavio Mais, na faculdade de Agronomia. Quando o intercâmbio dele na França acabou, Veronique atravessou com ele o Oceano Atlântico.
— Aproveitei que tinha de fazer um estágio para conhecer o Brasil. Decidimos ficar juntos e a opção foi ficar em Porto Alegre — conta ela, atualmente com 52 anos.
As ciências agrárias foram substituídas, logo depois, por uma agencia de turismo focada em viagens para a França.
— As pessoas acabam deixando seus país e têm muita dificuldade de manter o vínculo com suas origens, porque não conseguem voltar. Com a agência, consigo manter minhas raízes e viajar várias vezes por ano para lá — afirma Veronique.
Para domingo, no final da Copa, a empresária está tentando reunir, com a Aliança Francesa e o consulado da França em Porto Alegre, torcedores dos Bleus em uma cervejaria com pub no bairro São Geraldo. Para isso, conta com os clientes:
— São 25 anos de Biarritz Turismo e muita gente viajou auxiliado por nós. Eles acabam se tornando amigos e, consequentemente, torcedores da França.
Victor, primogênito de Veronique e Flavio, nascido na capital gaúcha com dupla-cidadania, está ajudando a mãe na missão. Estudante de Engenheira de Produção na UFRGS, o jovem de 23 anos está chamando intercambistas da universidade para se juntarem à torcida.
Além da feijoada e de cerveja que a 4Beer vai oferecer aos torcedores, o colorado está oferecendo aos amigos a chance de executar uma tradição da Dupla Gre-Nal em Porto Alegre:
— Estou pilhando todo mundo para, se a França for campeã, irmos comemorar na Goethe.