Na semana passada, ao anunciar a lista de convocados do Brasil à Copa do Mundo, Luiz Felipe Scolari comentou torcer para não ter que passar uma vez mais pelo drama de um corte na lista original de jogadores.
Ainda que tenha definido os sete suplentes - o goleiro Diego Cavalieri (Fluminense), o lateral-direito Rafinha (Bayern, de Munique), o zagueiro Miranda e o lateral-esquerdo Filipe Luis (ambos do Atlético de Madrid), o volante Lucas Leiva (Liverpool), o meia Lucas (PSG) e o atacante Alan Kardec (São Paulo) - da Seleção, em caso de uma emergência, Felipão não pretende perder ninguém de seu grupo principal.
Na coletiva de divulgação do elenco para o Mundial, o técnico referiu o corte de Emerson em 2002, na véspera da estreia contra a Turquia. Emerson era o capitão da Seleção e sofreu luxação no ombro direito, em meio ao rachão, quando atuava de goleiro. Foi cortado.
Ricardinho, meia que estava trocando o Corinthians pelo São Paulo, foi chamado para a sua vaga. Ao recordar, Felipão comentou que aquele foi um dos dias mais difíceis de sua vida. A revelação causou revolta em Emerson.
— Eu era o capitão do Felipão, mas ele me tratou como um qualquer. Não me informou sobre o corte nem fez força para me manter na delegação. Nunca mais falei com ele depois daquilo — disse Emerson a Zero Hora, antes de participar de um painel do 8º Fórum Instituto Unimed, na sexta-feira, em Porto Alegre.
A seguir, os principais trechos da entrevista e o racha com Felipão:
Na Copa de 1998, você não havia sido convocado por Zagallo para a Copa, mas, com o corte de Romário (lesão muscular), já na França, você foi chamado às pressas. Em 2002, ocorreu o contrário: você era o capitão da Seleção e acabou cortado na véspera. Você viveu os dois lados dessa "lista de espera".
Em 1998, não existia pré-lista. Fui pego de surpresa. Estava de férias do Bayer Leverkusen (Emerson atuou ainda pela Roma, Juventus, Real Madrid, Milan e Santos) e preparando as malas para passar uns dias com a família em Fortaleza. Quando ligaram da CBF, pensei que era brincadeira. Eu tinha 20, 21 anos, e imaginei que alguém estava de sacanagem comigo. Era verdade. Comprei meu primeiro terno e entrei no avião. Em 2002, era o capitão. Um dia antes da estreia, fui cortado. Ou seja: fui surpreendido duas vezes.
Você ainda pensa que poderia ter sido o capitão do Penta, em vez de Cafu?
(Segundos de silêncio) Foi um baque muito grande. Claro que penso que poderia ter erguido a taça e ter entrado para a história da Seleção. Quantos terão essa possibilidade? Daqui a 50 anos, quantos conseguirão o feito de erguer a taça? Mas as coisas não acontecem por acaso... As primeiras semanas foram muito difíceis. Depois, aceitei. Sempre tentei tirar coisas positivas das situações.
Havia a necessidade do corte?
Tive uma decepção muito grande com o Felipão. Nunca mais falei com ele depois daquilo. Ele diz que foi o dia mais difícil da vida dele, quando me cortou em 1998. Sempre fala isso, mas não me tratou com esta importância. Fui cortado pelo David Coimbra.
Como assim, cortado pelo David Coimbra?
O David ligou para o meu quarto e disse que eu estava cortado. Eu não sabia de nada. Fiquei chocado. Pensei até que o David estava querendo se promover em cima de mim. Como assim cortado? Nem sequer havia ocorrido a reunião com a comissão técnica. Eu era o capitão do time. Não podia ser verdade.
Mas era...
Era. E isso me frustrou. Felipão dizia que eu era da confiança dele. Me ligava de madrugada, dizendo que, no Rio, a torcida queria virar o carro dele porque não convocou o Romário. Ele desabafava comigo, eu era o confidente dele. Sinceramente, não sei se teria tempo de me recuperar em meio à Copa, mas a Inglaterra manteve o Beckham (cortado da Copa de 2010, por lesão, o meia foi convidado a permanecer com a seleção durante a campanha na África do Sul), por respeito. Felipão não precisava ter me cortado. Sempre estive presente quando ele precisou de mim. Quando eu precisei, ele me faltou.
Mas quando foi que você recebeu a notícia oficial do corte, da boca do Felipão?
Nunca. Runco (o médico da Seleção José Luiz Runco) foi quem me informou do corte. Disse que era uma lesão que demoraria para curar, por ser a minha primeira de ombro.
Você e Felipão nunca mais conversaram sobre o corte de 2002?
Nunca mais. Nem sobre isso, nem sobre nada. E nem tenho interesse em voltar a falar com ele. Só não quero mais ouvir Felipão dizendo que foi difícil para ele. Se foi tão difícil assim, por que não tratou como tal? E tudo o que passei depois daquilo? O meu drama pessoal? Subi com ele no Grêmio, em 1994. Não posso escutar isso e ficar quieto. Mas, para mim, isso já está resolvido. Ele poderia ao menos ter dito: "Olha, não tive escolha". Mas nem isso houve. Nunca aconteceu esse olho no olho. Logo, eu não poderia mais ser a pessoa de confiança dele. Não assim, desta maneira...