Saudade do Nelinho e dos chutes de efeito com o lado de fora do pé. Saudade do Rivellino e das patadas de canhota. Saudade do Éder e das batidas envenenadas de esquerda. Maior saudade ainda do Zico e as colocadinhas no ângulo. Saudade do Ronaldinho, do Marcelinho Carioca, do Roberto Carlos e do Rogério Ceni. Especialistas como estes não existem mais. Basta conferir os números do Brasileirão 2016: depois de 29 rodadas, míseros 13 gols de bola parada foram marcados. No ano passado, os cobradores superaram os goleiros em 29 vezes neste tipo de jogada. Dez times dos 20 participantes do campeonato ainda não estufaram as redes desta forma.
Concentre-se e tente lembrar de um gol de falta. Difícil, né? Marinho, do Vitória, foi o último a marcar, colocando a bola certeira de perna esquerda por cima da barreira fora do alcance do goleiro Denis, do São Paulo, em Salvador. Gustavo Scarpa, o talentoso meia do Fluminense, é o único que conseguiu marcar dois gols de tiro direto na competição até agora.
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Inter e Grêmio ainda não balançaram as redes neste tipo de jogada no Brasileirão. Pelo lado vermelho, após a saída de D'Alessandro, as tentativas partem dos pés de Valdívia, Vitinho e Alex. Sem sucesso. Pelo lado azul, Edílson, Luan e Douglas se apresentam para as cobranças, mas até o momento não converteram. O lateral chegou perto ao mandar na trave contra o Palmeiras, na Arena.
Mas quais as razões da ineficiência? Craque na arte de bater faltas, Tadeu Ricci, meia que brilhou no Grêmio e Flamengo nos anos 1970, suspira do outro lado do telefone desde Ribeirão Preto, em São Paulo, a cidade onde vive:
– Estou em casa, aposentado. E aí o que faço? Assisto a futebol, séries A, B, C, e D, todas essas. Os times brasileiros parecem ter esquecido que uma falta bem caprichada pode significar uma vitória, um desafogo quando a situação está difícil – analisa Ricci, hoje com 69 anos. – O real problema é a falta de treino, de repetição. E de humildade. Se você não sabe bater na bola, vai lá, cobra cem vezes ao final do treino, até o pé ficar gasto – completa.
Foi assim, treinando feito louco que Ricci aperfeiçoou o talento de bater na bola. Suas inspirações eram de primeira linha: Didi, o folha seca, Pepe e Pelé. Lembra também de Carlos César, um meia do Comercial de Ribeirão Preto, um exímio batedor nos anos 1960. Aprendeu direitinho. E inspirou os mais jovens. Como Zico. O Galinho ainda tinha cabelos compridos e corpo mirrado quando observou Ricci cobrando tiros diretos, em 1975, quando o meia chegou ao time carioca. Encantou-se com o que viu.
– Contam que eu ensinei o Zico, mas não é bem a assim. Ele, o Júnior, e toda aquela turminha talentosa, que estava subindo da base para os profissionais, queria aprender. O Zico era esperto. Além disso, tinha um dom natural. O Júnior, não. Não batia tão bem na bola, mas era persistente. Depois, até escanteio de perna canhota ele cobrava com excelência – recorda Ricci.
Valdomiro, com persistência, tornou-se um especialista
Valdomiro também demorou a ter intimidade com a bola. Um dos maiores nomes da história do Inter, o ponteiro sofreu, suou e viu muitas vezes a noite chegar ao Beira-Rio gelado treinando cruzamentos e cobranças de faltas. Trabalhava sozinho movimentando as barreiras de ferro de um lado para o outro. Hoje, mostra desconfiança quando vê um jogador se dirigir para a bola colocada próxima à área.
– O jogador não se torna um bom cobrador de um dia para o outro. Precisa trabalhar duro, suar até conseguir. Acabou o treino, pega a bola e fica lá chutando a gol – ensina Valdomiro, autor do gol de falta na final do Brasileirão de 1976, superando Tobias.
O meia Paulo Baier, mestre em batidas de faltas, que recentemente largou o futebol e agora vive em Ijuí, interior gaúcho, entende que a sequência de jogos, quarta e domingo, dificulta a formação de bons cobradores.
– Com partidas seguidas, os clubes procuram não desgastar tanto os atletas. Treinar faltas à exaustão exige a musculatura. E isso pode significar lesões, perda de jogadores – argumenta Baier, 41 anos.
Vale a pena ir à internet ver alguns golaços marcados de falta por Valdomiro, Tadeu Ricci, Nelinho, Éder, Marcelinho Carioca e Paulo Baier, entre outros. Eles podem servir de inspiração para futuros cobradores.
Quem sabe para 2017?
*ZHESPORTES