Em duas semanas, Matheus Leist inscreverá definitivamente seu nome na história da velocidade do Rio Grande do Sul. No dia 11 de março, ao alinhar seu carro da A.J. Foyt no grid do GP de St. Petersburg, o garoto de 19 anos vai se tornar o primeiro gaúcho a correr em uma das categorias mais importantes do automobilismo mundial.
Depois de despontar nas pistas com o título da tradicional Fórmula-3 inglesa, em 2016, e vencer três provas da Indy Lights na última temporada, o piloto de Novo Hamburgo enfim estreará na Fórmula-Indy nas ruas da cidade da Flórida, a primeira das 17 etapas do campeonato.
Já adaptado à rotina de treinos e competições nos Estados Unidos – desde o ano passado mora em Aventura, distante 20 minutos de Miami –, Leist será o mais jovem piloto da categoria.
Mas a falta de experiência não inibiu o gaúcho, que chamou a atenção nos testes de pré-temporada realizados no final de janeiro e início de fevereiro. Com um primeiro lugar e outros dois top-5 nos treinos nos circuitos mistos de Sebring e Sonoma e no oval de Phoenix, arrancou elogios do dono da equipe e recordista de vitórias nas 500 Milhas de Indianópolis.
– Estou orgulhoso de você, Matt – disse A.J. Foyt, que ganhou a mítica corrida no circuito oval em quatro oportunidades.
Para decolar nas pistas da América, Leist contará com o apoio de um mentor e tanto: Tony Kanaan. Campeão da categoria em 2004 e vencedor das 500 milhas em 2013, o baiano de 43 anos disputará sua 21ª temporada na Indy. A dupla brasileira foi contratada com a missão de levar a A.J. Foyt outra vez às primeiras posições – a equipe não vence uma corrida desde 2013 e não vê um piloto no pódio desde 2015.
Após quase três meses de convivência desde que seu nome foi anunciado pela equipe texana, Leist exalta a parceria com Kanaan:
– Meu começo na Indy deverá ser difícil, mas a sorte que tenho o Tony como meu companheiro de equipe. Ele vem me passando muitas dicas, me ajudando bastante tanto fora quanto dentro da pista. Não poderia ter alguém melhor ao meu lado nesse momento.
O experiente piloto devolveu os elogios:
– Estou muito feliz em ter o Matheus como meu companheiro de equipe na Foyt. Ele é um piloto extremamente talentoso e com um futuro brilhante pela frente.
Após a temporada de testes na Indy, Leist voltou ao Brasil para renovar seu visto de trabalho nos EUA. Por 10 dias, pôde abrandar a saudade da família e dos amigos. Na tarde da última quinta-feira, recebeu a reportagem para uma entrevista no apartamentos dos pais, em Novo Hamburgo. A família teve de fazer uma reforma no imóvel para conseguir acomodar os troféus que Matheus e o irmão de 16 anos, Arthur, vêm acumulando nas pistas (o caçula compete no kart).
– Como não tínhamos mais espaço, ficaram os principais, tivemos de guardar na casa da vó Jacira cinco caixas e, mesmo assim, hoje já não há mais espaço. Talvez tenhamos que abdicar de mais um cômodo para os próximos. E se precisar um especial para o da Indy 500, sem problemas – disse o empresário Tobias Leista, o orgulhoso pai da dupla de pilotos.
A seguir, leia a entrevista de Matheus a GaúchaZH.
Como você avaliou os testes de pré-temporada? Os resultados nos treinos indicam um bom campeonato para a equipe, ou a realidade dos corridas é bem diferente?
Os testes foram melhores do que a expectativa. A nossa equipe não foi muito bem na última temporada. Teve uma mudança na Indy. Até o ano passado, a categoria usava diferentes kits aerodinâmicos, conforme o motor. Então a Honda tinha um kit, a Chevrolet tinha o dela. A equipe usava Honda até 2016, e para 2017 decidiu usar Chevrolet. É normal no meio automobístico a dificuldade de se adaptar a esse tipo de mudança, e a equipe terminou a temporada com os pilotos em 14º e 16º no campeonato. Mas para esse ano o kit é o mesmo para todas as equipes. Os carros novos da Indy têm bem menos downforce, o que deixa as corridas mais legais e as equipes mais parelhas. Então, avaliando os últimos treinos, ficamos bem acima das expectativas. Todos os dias andamos entre os 10 mais rápidos, tanto eu quanto o Tony. Os testes deram, sim, um boa direção para nós no campeonato.
Na Indy Lights, você também chamou a atenção no ano passado desde os treinos de pré-temporada. Isso o deixa mais otimista?
Acredito que sim... As corridas são muitos diferentes. A Indy tem corridas de duas horas, no mínimo, em todos os lugares. São corridas completamente diferentes daquelas a que estou acostumado. As provas que eu corria na Fórmula-3 tinham meia hora de duração, uma hora na Indy Lights. É muita coisa nova, tem a necessidade de economizar combustível e pneus. Com certeza, vou conseguir ser rápido. O trabalho que fiz nos últimos anos, principalmente na Indy Lights em 2017, me preparou bem para a Indy. Mas nessas categorias, é muito além de ser só rápido (para conseguir bons resultados). É um conjunto de fatores: um carro que dure a corrida inteira, um piloto que saiba poupar combustível, saber fazer bem os pitstops. Então, é muita coisa que tenho de aprender. Mas acho que de Indianápolis (500 milhas no tradicional oval), a partir de 5ª etapa, as coisas devem começar a fluir melhor. Dali para frente, poderemos ter uma expectativa um pouco melhor sobre os resultados nesta temporada.
A A.J. Foyt é uma equipe tradicional, que já conquistou títulos, mas não vence uma prova desde 2013. O que você espera da equipe nesta temporada?
É um processo. Assim como eu vou precisar de tempo para me adaptar à nova categoria, a equipe vai precisar de um tempo para se adaptar ao nosso estilo e jeito de trabalhar. Tenho certeza de que, desde o momento em que o Tony entrou na equipe, ele vem sendo um diferencial enorme. Uma equipe que já venceu campeonato, que já venceu as 500 milhas de Indianápolis, eles certamente sabem a receita para ganhar corridas. O início vai ser mais difícil ter a expectativa de andar na frente. Com esse conjunto de mudanças, com a aerodinâmica nova, com eletrônica nova, as equipes grandes tiveram muito mais testes do que nós. Eles já conseguiram resolver os problemas muito antes. Os problemas que eles resolveram em dezembro, nós vamos estar resolvendo agora na primeira corrida. Mas tenho certeza de que os resultados vão ser muito melhores do que os dos últimos anos, principalmente com o Tony na equipe, um piloto que já venceu as 500 milhas de Indianápolis, que ganhou várias corridas, que já conquistou o título da categoria. Se Deus quiser, vamos conseguir algumas vitórias e pódios.
A propósito, como tem sido a relação com Tony Kanaan. Ele já enxerga você como um adversário em potencial?
Somos de gerações muito diferentes. O Tony tem 43 anos, está indo para o 21º ano de carreira, recém estou indo para a minha primeira temporada. Ele vem me passando muitas dicas, me ajudando bastante tanto fora quanto dentro da pista. Não poderia ter alguém melhor ao meu lado nesse momento. Um cara que já ganhou praticamente tudo e agora está nessa missão de ajudar a melhorar a equipe. Até o momento não me viu ainda como adversário, o que é bom para nós dois. Nesse momento, o nosso principal objetivo é ajudar no crescimento da equipe.
Você já sentiu muita diferença na potência do carro da Indy em relação à Lights nesses testes?
Já. Eu já tinha feito um teste no meio do ano passado com a Andretti, que é uma das principais equipes da Fórmula-Indy. O teste foi super legal, mas eu só fiz meio dia, foram 40 voltas. Para quem é do ramo, sabe que é nada, praticamente. O carro que guiei agora é super diferente desse carro de 2017. É um carro muito mais "arisco", por ter menos downforce. O carro anda mais nas retas, mas tem menos estabilidade nas curvas. Isso faz com que os pilotos tenham de trabalhar bem mais do que no ano passado. Pode ser que neste ano possamos notar uma maior diferença entre os pilotos, porque em 2017, teoricamente, dava uma nivelada por baixo já que todos os conseguiam chegar ao limite dos carros facilmente. O carro é super-rápido, a velocidade nas retas impressiona. Para mim obviamente impressionaria, porque o carro é muito mais forte do que o da Indy Lights. Mas depois que dei as primeiras voltas e fui falar com o Tony, eu disse: "Nossa, o carro anda na reta, né?". E ele respondeu: "Cara, anda muito".
Qual velocidade você atingiu agora?
Nos testes em Sebring (circuito misto), o carro andava a 290km/h no final da reta, que era bem curta. No oval, passava fácil dos 320km/h. Em Indianápolis, vai chegar a 380, 390.
Nesse nova etapa da sua carreira, então, a boa preparação física vai ser um aspecto fundamental?
Sempre fui fã de esporte. Deve fazer uns oito anos que vou a academias. Desde o tempo do kart me preparava fisicamente. Não faço academia ou esporte por obrigação, faço porque gosto. Sempre me preparei bastante para as corridas, desde a Fórmula-3, que já tinha um nível bem forte. Agora estou me preparando ainda mais, porque os caras da Indy são fisicamente uns animais. Muitos deles fazem, na preparação para as corridas, provas como as de ironman. Sempre procuro estar bem preparado fisicamente, porque se cansar na pista é um problema a mais que terei de administrar.
O que achou do anúncio de Pietro Fittipaldi, que vai disputar as 500 Milhas e outras seis provas nesta temporada da Indy?
O Brasil precisa de mais pilotos na Fórmula-Indy. Felizmente, fechei contrato para a temporada inteira com a AJ, e vamos ter o Pietro em algumas corridas, o que vai ser importante para o automobilismo do Brasil. Até pelo fato de que sempre tivemos pilotos que venceram na Fórmula-Indy. O Tony e o Helinho (Hélio Castroneves, vencedor de três edições das 500 milhas de Indianápolis) vêm juntos há 20 anos. Quem sabe, daqui a 20 anos, eu e o Pietro possamos estar correndo juntos também. Ele é um piloto super bom, já corri com ele, ganhou um campeonato (World Series V8) muito forte na Europa em 2017.
E já conversou com o avô do Pietro, o Emerson, sobre a sua estreia na Indy? O que um campeão da categoria e dono de dois título na F-1 disse a você?
Eu falei com ele no início deste ano num kartódromo. O Emerson deu algumas dicas, é um piloto que já ganhou tudo na carreira. Basicamente, disse para eu continuar fazendo meu trabalho e me desejou boa sorte. E se colocou à disposição se eu precisar de alguma coisa.
E qual foi a dica de ouro?
O Emerson me disse: "Respeita os ovais. Se tiver alguma coisa de errado, se o carro estiver saindo de traseira, para e fala para a equipe". Ele disse para confiar no que eu estiver sentindo e fazer com que me sinta confortável no carro. É uma coisa que faz muito sentido. Num circuito oval, você está a mais de 300km/h, volta após volta, e quer se sentir bem no carro. Porque qualquer rodada, a batida vai ser forte... E ele viveu isso, teve acidente forte na Indy (em 1996, no oval de Michigan).
Você correu pela primeira vez em ovais no ano passado. Já está adaptado a esse tipo de pista?
Já. Tem de estar 100% do tempo ligado. No ano passado teve três corridas em ovais na Indy Lights, e venci duas. Estava bem na terceira prova, talvez fosse ganhar também, mas tive um pneu furado a 10 voltas do fim. Nos testes em Phoenix também fui bem. Estou preparado e confiante.
Você é a grande novidade do automobilismo brasileiro, e em uma temporada sem pilotos do país na F-1. Isso poderá aumentar a pressão sobre você, já que mais gente estará de olho no seu desempenho?
Acredito que não. Isso não me abala. Todo mundo passou por isso. Em algum momento, o Tony foi o estreante, em outro o Hélio foi o cara mais visado da categoria. A maior pressão é aquela em que tu colocas em ti mesmo. Independentemente do que as pessoas vão falar, estou em um momento muito bom da minha carreira. Venci provas em todas as categorias que corri até hoje. Não tem por que ser diferente na Indy.
Então você não coloca pressão sobre si mesmo...
Não é que não coloco pressão sobre mim, só não absorvo a pressão dos outros. Sou muito perfeccionista, tento estudar o máximo possível, sou um piloto bem dedicado dentro e fora das pistas... Então, sou o que mais ponho pressão em mim mesmo (risos).
Você é o piloto gaúcho que chegou mais longe no automobilismo internacional. O que isso representa para você?
Puxa, representa muito. Desde que sou criança e comecei no esporte, ao lado do meu irmão, em 2007, não pensava que seria um piloto profissional. Só pensava na brincadeira, em correr. A partir de 2010, comecei a pensar em levar isso como minha profissão, minha carreira. Sempre sonhei em estar, um dia, numa categoria top. Sempre fui muito aberto. Se em algum momento o meu caminho fosse correr na Stock Car, eu estaria feliz de estar em uma categoria top no Brasil. Meu caminho foi os EUA, e estou na categoria mais importante do país. Independentemente da categoria, sempre quis viver do automobilismo. Se Deus quiser, vou continuar muito anos por lá.
Você já vislumbra competir com seu irmão, Arthur, no futuro?
Esse é mais um sonho que tenho, talvez daqui a cinco anos. Ele é novo ainda (tem 16 anos), por enquanto está só no kart. Neste ano ele deverá dar os primeiros passos (fora do kart). Aí sim, no ano que vem, terá melhores condições de decidir onde vai correr, se vai ser na Europa, nos EUA, no Brasil. Mas seria especial tê-lo comigo em alguns anos na Fórmula-Indy.
A F-1 ainda é um objetivo? Você se vê de volta à Europa no futuro?
No futuro próximo, não. Estou muito bem na Indy. Tenho tudo o que eu preciso e tudo o que quero na Indy. Nesse momento, estou no melhor lugar possível para a minha carreira. Mas nunca se sabe o que vai acontecer daqui a três anos, daqui a cinco anos. Se surgir uma oportunidade, com certeza vou analisar. Mas nada que seja menos do que a Fórmula-1, no nível que estou agora.
E você enxerga a Indy como uma vitrina para chegar à F-1?
Não, enxergo hoje a Indy como a minha profissão, como minha carreira. Posso ficar 20 anos correndo na categoria e não precisar de mais nada. Estou super satisfeito na Indy, as corridas são muito mais legais e "justas". Não vou atrás de nada, porque no lugar que estou está perfeito para mim. Todo mundo sabe como está a F-1 hoje, se tu não estiveres na melhor equipe, é muito difícil ganhar uma corrida. São coisas que deixam o show, para quem gosta de assistir, muito entediante. Tomara que um dia a F-1 seja mais parecida com a Indy, que tenha mais pilotos ganhando corridas, várias corridas ganhando corridas.
Qual é diferença do ambiente das corridas nos EUA para a Europa?
O ambiente é muito mais livre, tanto para o piloto quanto para o fã. Nos EUA, o torcedor consegue chegar perto do carro em praticamente todas as corridas, olhar as equipes de pertinho sem nenhum preço adicional. É algo que não acontece na Europa e na F-1. Eu, que sou piloto, só conseguir ver um carro de F-1 a cem metros. E era isso. Nem sei como é por dentro um carro atual, só os antigos. Nos EUA, a relação com o público é bem mais interessante do que na F-1. Mas obviamente a F-1 é o top dos tops. Envolve muito mais dinheiro.