Aos 18 anos, Matheus Leist é uma das principais promessas do automobilismo brasileiro. No dia 11 de setembro, o piloto gaúcho conquistou o título da Fórmula-3 inglesa, categoria que revelou campeões da Fórmula-1 como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna. Na última quarta-feira, depois de acelerar pela pista do kartódromo do Velopark, o piloto de Novo Hamburgo conversou com a reportagem de ZH.
Você completou duas temporadas no automobilismo britânico. Qual é o balanço dessa experiência?
O ano de 2015 foi bem positivo para mim. Disputei a Fórmula-4, fiz uma pole e ganhei duas corridas, uma em Silverstone e outra em Donington (Park), são duas das principais pistas da Inglaterra. Em 2016, corri na Fórmula-3 inglesa, uma categoria muito tradicional, desde a época do (Emerson) Fittipaldi, do (Nelson) Piquet, do (Ayrton) Senna, do Rubinho (Rubens Barrichello), muitos nomes que já foram campeões, uma lista com 13 brasileiros, agora comigo incluído. Foi muito legal colocar meu nome nessa lista, com tantos nomes grandes. Espero que um dia meu nome seja tão grande como o deles.
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Como foi disputar corridas em autódromos onde pilotos como o Senna, por exemplo, começaram a chamar a atenção dos fãs do automobilismo?
O Senna é ídolo para todo mundo. Para qualquer piloto, indendentemente da nacionalidade, ele é um ídolo. Aquilo que a pessoa sente quando o via na pista, ou vídeos como eu, é diferente de quando se vê qualquer outro piloto. Nesse ano, tive a oportunidade de andar em pistas onde ele brilhou. Nas duas vezes que corri em Donington, eu ganhei. Foi superbacana porque foi na pista em que ele fez aquela primeira volta histórica (em 1993), na chuva, provavelmente a melhor volta de todos os tempos. Corri também em outras pistas muitos legais, como Brands Hatch, que é a minha favorita. É uma pista animal. Corri em Spa (Francorchamps, na Bélgica), um circuito lendário, com toda a sua história, com a Eau Rouge (uma das curvas mais desafiadoras do automobilismo), que fiz com o pé cravado.
O público inglês é apaixonado por automobilismo. Como foi a experiência de competir por lá, diante de aficionados pela velocidade?
O público inglês é sensacional. O que o brasileiro gosta de futebol, o inglês gosta do automobilismo. Quando eu descia dos pódios, lotava de gente em volta para pedir autógrafo, o meu boné, uma atmosfera muito diferente do que a gente conhece no Brasil. Na Inglaterra, tem corrida quase todo o final de semana, é um absurdo a paixão deles pelo esporte. Teve corrida que chegou a ter público de 50 mil, 60 mil pessoas. Um número gigante para um evento relativamente pequeno.
Como despertou em você essa paixão pela competição no automobilismo?
O meu pai (Tobias Leist) sempre foi apaixonado por carro. Ele também sempre teve a curiosidade de andar (de kart), mas o meu avô, pai dele, nunca o levou para andar. Entrei no kart em 2006, quando o meu pai me levou a Tarumã para participar de uma escolinha. No começo era só uma brincadeira mesmo, nem ele imaginava que tomaria proporções tão grandes como agora. Nem eu mesmo achava que daria em tantas coisas. Quando comecei a correr em São Paulo, me dei conta que o negócio era mais sério. Claro que pensava: "Sou piloto de kart, quero andar em um carro de Fórmula-1", mas isso era algo tão distante... Mas o tempo foi passando e comecei a me dar bem em categorias tops do kart, fui para Fórmula-3 (brasileira) e andei bem, fui para a Fórmula-4 (inglesa) e andei bem. Nesse ano, conquistei o título e a ficha começou a cair. Agora se tornou algo bem profissional.
Então você sempre teve apoio em casa? Muitas vezes os pais são resistentes, pelos riscos que as corridas implicam...
O meu sempre me incentivou, a minha mãe (Vanda) também, sempre foi muito tranquila. Ela me apoiou a praticar esportes. Sempre fui um cara que praticou esportes. Jogo bola, tênis, vôlei, qualquer coisa, gosto de estar em atividade. Vou na academia todo dia, não gosto de ficar parado. Videogame não é para mim.
Como assim? Você não joga videogame nem que seja para conhecer as pistas de corrida?
Lógico, o videogame é só para jogar (games de) corrida (risos). Quando estou em casa, estou no simulador... Quando estou lá fora, o simulador se torna algo profissional. Uso o simulador para conhecer pistas, tentar um acerto (no carro), fazer com o processo de aprendizagem seja mais fácil. Em casa, é uma brincadeira, mas também tem aquela coisa de querer ser sempre mais rápido, fico disputando com o meu irmão (Arthur, 15 anos, que é piloto de kart).
Qual a importância do incentivo da tua família no teu desenvolvimento, incluindo a questão financeira?
Foi a base, né. Hoje já não tem mais essa grana, mas durante muito tempo foi ele (o pai) quem bancou. Se não fosse o apoio da família, não estaria correndo hoje. Mas isso é normal, porque sempre tem de começar com alguém. No caso foi o meu pai quem começou, depois fui conseguindo as coisas com os resultados.
Qual é tua situação atual?
Hoje sou contratado pela equipe (Double R Racing). Aí é diferente.
O que significa ser um piloto contratado. Você tem um salário?
Não. Não tenho salário, mas também não preciso levar dinheiro (de patrocinadores).
Você está chegando em uma etapa em que é necessário maior investimentos de patrocinadores para continuar evoluindo de categoria. Isso é algo que o preocupa?
Sim, me preocupa porque é algo incerto, não sei se vou estar nas pistas ano que vem ou não. Como os meus resultados foram muito expressivos neste ano, isso pode garantir a permanência na Inglaterra e a possibilidade de correr. O título (na F-3) pode abrir muitas portas. Já recebia propostar, mas agora estou recebendo mais ou telefonemas do tipo: "Vamos conversar", "tenha uma vaga para ti nessa categoria".
Você pode revelar o teor dessas propostas?
São equipes de base de outras categorias. Mas estou conversando com equipes de GP3 (uma das categorias de acesso à F-1), que é o meu próximo passo. Vamos ver como vai ficar para o ano que vem, são coisas que preciso negociar.
Mas na GP3 você precisará levar dinheiro de patrocinadores para conseguir correr, certo?
Para o ano que vem, como é uma categoria com orçamento muito maior, talvez vou precisar de um patrocinador. Alguém que cubra metade (do investimento da equipe), 30%...
Qual é o montante desse investimento?
Algo na casa de R$ 1,5 milhão, 2 milhões. São 600 mil euros, mais ou menos. Esse é o valor cheio, precisaria da metade disso.
Qual é a perspectiva de levantar esses recursos? Ser campeão da F-3 inglesa é um facilitador para conseguir patrocinadores?
Facilita, mas na hora do "vamos ver" é meio complicado. Como o Brasil está numa situação muito ruim, é difícil. Vou tentar conseguir alguma coisa lá fora também.
Nem sempre o talento garante um lugar para os pilotos na Fórmula-1. Você já cogita outras possibilidades para a continuidade da sua carreira?
Não... O meu chefe de equipe já me peguntou: "Você que andar na GP3, gastar muito dinheiro, e depois ter 15 milhões de euros para entrar na Fórmula-1, ou prefere gastar 1 milhão euros na Indy Lights (categoria de acesso nos EUA) e depois correr na Fórmula-Indy, talvez receber dinheiro no segundo ano de Indy?". Eles me fazem essa pergunta. É difícil falar, mas o bom piloto sempre tem possibilidade de entrar na Fórmula-1, independentemente de ter o dinheiro ou não. Se ele é um bom, o dinheiro vai aparecer.
Trocando em miúdos, a F-1 é o teu plano A. Você não coloca outros planos na mesa...
Não tenho plano B. É Fórmula-1 ou Fórmula-1. Se não der, daí vou pensar em outra coisa.
Você estipula prazo para chegar à F-1?
Mais ou menos. Seria precoce dizer que gostaria de chegar à F-1 em 2018. Mas tudo depende dos meus resultados no ano que vem. Vamos dizer que seja campeão no ano que vem (na GP3). Tem possibilidade de entrar na F-1. Porque a GP3 é uma categoria que dá muita visibilidade e já está próxima à F-1. Na Europa, as corridas de GP3 são no mesmo final de semana da F-1. São corridas preliminares, tanto a GP3 quanto a GP2, que é a última categoria antes da F-1. Poderia me abrir uma porta para entrar na F-1. Mas (pausa) tem de ser campeão.
Mas as decisões são tomadas nessa base, ser campeão ou nada? Pilotos com ótimo desempenho, mas que não tiveram chance de brigar pelo título porque não dispunham de carros bons o suficiente, estão descartados?
Eles (chefes de equipe) sempre vão ver o campeão com um olhar diferente. É bem difícil ser campeão nessa categoria no primeiro ano. Mas tenho de tentar. Para as coisas serem mais fáceis para mim no futuro, seria bom ser campeão no primeiro ano. Mas se não conseguir, talvez eu faça um segundo ano para ser campeão, que também não deixa de ser interessante. Se não der para entrar na F-1 em 2018, vou tentar para 2019. No máximo três anos.
O que faz de você um piloto capaz de chegar à F-1?
Sou um cara muito dedicado e focado nos meus objetivos. Sou um piloto muito técnico, não sou só aquele que veste o macacão, senta e acelera na pista. Sou um cara que gosta de mexer no carro, de perguntar, gosta de discutir com o engenheiro o que ele vai fazer, por que ele vai fazer isso. Gosto dessa parte de engenheiro com piloto. Acho que isso vai fazer a diferença. Na minha categoria, havia cinco pilotos que aceleravam como eu. Achar piloto bom não é difícil. Mas agora aquele piloto que tem algo a mais para buscar um décimo a mais, dois décimos, isso hoje não tem muito. Busco esse diferencial para estar sempre um passo na frente dos meus concorrentes.
Além do Senna, qual outro piloto é fonte de inspiração para você?
O (Lewis) Hamilton é f., cara. Eu, que estou lá no meio, conheço. Ele não faz nada no simulador, só vai em festas, só curte a vida, chega (no fim de semana de corrida) na quinta-feira, treina na sexta-feira, faz tomada de tempo no sábado, corre no domingo. E é sempre mais rápido do que o (Nico) Rosberg. O cara nasceu para isso. O Rosberg é um cara que vai na equipe (Mercedes) quase todos os dias da semana, e o Hamilton nunca vai na equipe. O Rosberg é muito focado e ficou bom por ter treinado tanto. Se o Hamilton treinasse tanto, seria um absurdo. Não é à toa que ganhou todos esses títulos. Tem ainda o (Fernando) Alonso, o próprio (Daniel) Ricciardo, é um piloto que ainda ver campeão mundial. Sem falar no (Max) Verstappen, da minha geração. Ele representa que um piloto jovem tem grande capacidade de estar na F-1 e fazer bons resultados em meio a tantos gigantes. Está na hora de alguns "Massas" da vida pararem e entrarem novos pilotos.
Então você acha que o Felipe Massa tinha de parar mesmo?
Massa foi um grande piloto nos anos de Ferrari, aquele título que perdeu para o Hamilton (em 2008) era dele, foi a Ferrari que errou com ele. Mas enfim... Foi um ótimo piloto, mas hoje está ultrapassado. Ele anunciou que vai parar agora, mas acho que não conseguiu equipes para o ano que vem. Ele iria sair da Williams. Então saiu assim: "Vou me aposentar para sair por cima". Se ele pudesse, iria continuar na F-1. Mas acho que estava na hora de ele sair mesmo.
Você concluiu o Ensino Médio no ano passado. Pretende aproveitar essa oportunidade para cursar uma faculdade no Exterior?
Não. Cara, estou 100% focado em corridas. Foi o combinado com os meus pais. Ano passado, eu corria e estudava ao mesmo tempo. Eu corria (no fim de semana) pensando que tinha de fazer uma prova na terça-feira no Brasil. Pô, aí não dá certo... Não vai ser tão tarde se daqui a dois anos eu parar de correr e decidir estudar. Vou ter 20 anos.
Nesse caso, qual é o curso que você gostaria de estudar?
Na Inglaterra, tem uma faculdade na Universidade de Oxford que é Engenharia Automobilística. Mas esse é um plano que nem vejo no momento. Quero ser piloto.
*ZHESPORTES