Quando Felipe Massa recebeu a bandeirada no encharcado circuito de Interlagos, o grito resguardado por 17 anos apontou na garganta dos brasileiros. Era 2 de novembro de 2008. O Brasil voltava a ganhar um título na Fórmula-1. A dolorosa morte de Ayrton Senna encolhia no coração da torcida, abrindo espaço para um novo campeão.
Incrédulo, Felipe erguia o dedo sinalizando o número 1. Nos boxes, a família e a equipe choravam. Era uma vitória mágica, saindo da pole e terminando com a inédita conquista mundial dentro de casa. O Hino Nacional entoaria no pódio versos de redenção e renascimento do país na principal categoria do automobilismo.
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Mas a euforia durou apenas 30 segundos. Foi o tempo que você levou para ler este texto até aqui. Lewis Hamilton ultrapassou a Toyota de Timo Glock, que deslizava no asfalto com pneus de pista seca, para alcançar o quinto lugar a 500 metros do fim. A posição deu ao inglês, enfim, o título que havia lhe escapado um ano antes, na mesma São Paulo. Foi campeão por um ponto. Um mísero ponto. Era o primeiro passo de um ícone da F-1, hoje na briga pelo tetracampeonato. E a última vitória do brasileiro que mais perto chegou da glória desde Senna.
O Felipe Massa que anunciou a aposentadoria nesta quinta-feira, aos 35 anos, nunca mais foi o mesmo. Em 2009, foi atingido na cabeça por uma mola da Brawn de Rubens Barrichello, que se soltou nos treinos livres da Hungria. Escapou da morte por um triz. Voltou só em 2010 às pistas. E no dia que completava um ano do acidente recebeu pelo rádio o recado da Ferrari martelando sua honra: "Fernando é mais rápido do que você". Silenciou. A mensagem foi repetida. Segundos depois, o espanhol Fernando Alonso desapareceu de seu retrovisor.
Com o rótulo de segundo piloto, Felipe conquistou cinco pódios em 66 corridas pela Ferrari até 2013. Nunca mais disputou o título, mas saiu com uma marca histórica: é o segundo piloto que mais guiou o carro vermelho na F-1. Assinou com a Williams, que era a segunda pior equipe à época. Parecia o fim da carreira. Mas a mudança no regulamento fez o time inglês renascer. Massa fez uma pole e foi cinco vezes ao pódio em 2014 e 2015. Com menos dinheiro do que as maiores rivais, porém, estacionou no meio do pelotão. E Felipe, então, decidiu parar.
Um dos poucos pilotos que não pagam para correr, o brasileiro não quis se submeter à disputa de cifras por um assento na F-1. Massa sempre disse que se aposentaria se não tivesse chance de ser competitivo. Chegou a hora. Mas, ao sair, também reconhece nas entrelinhas que, apesar de hoje o carro ser mais decisivo do que o piloto nas corridas, o seu desempenho não é mais o mesmo. Tornou-se apenas uma sombra daquele Felipe que pontuou logo na segunda corrida pela Sauber, em 2002, e liderou a Ferrari na luta pelo título de 2008.
Massa deixa a F-1 com 11 vitórias– ele só vencerá com a Williams nas oito corridas restantes por milagre. É o quarto brasileiro que mais ganhou, empatado com Rubens Barrichello e somente atrás dos tricampeões Ayrton Senna (41) e Nelson Piquet (23) e do bicampeão e precursor do país na categoria, Emerson Fittipaldi (14).
Elogiadíssimo fora do Brasil pela consistência, experiência e dedicação às equipes que defendeu, Massa se aposenta da F-1 rotulado injustamente por grande parte da torcida brasileira como um fracassado que não é. Ninguém corre 14 temporadas sendo um piloto fraco e perdedor, ainda mais pelas clássicas Ferrari e Williams.
Sim, Felipe abriu passagem para o companheiro em 2010, mas recebeu o mesmo benefício no ano que em que o título mundial lhe escapou por apenas um ponto. Não fosse o motor quebrado a duas voltas do fim na Hungria ou a mangueira de abastecimento que levou boxes afora em Cingapura, por falha da Ferrari, aquele 2 de novembro de 2008 poderia ter se tornado épico. Tivesse sido campeão, sua própria história seria outra.
Ao anunciar sua despedida, entretanto, Massa eterniza de vez aqueles 30 segundos de euforia. Será lembrado para sempre pelo quase título que sempre sonhou e nunca venceu – mas por tão pouco. Diante da nada promissora perspectiva de o Brasil voltar a disputar vitórias em um futuro breve, será justamente o tempo, que lhe fez ir da glória à derrota, quem lhe transformará em um vencedor na memória dos fãs de velocidade.