Em um dia de abril deste ano, Cristiane Hack Ribeiro, 47 anos, estava faxinando a casa quando ouviu a mensagem que vinha de um carro de som na rua: “Atenção, mulheres da Tinga. Venha fazer o curso de assistente administrativo no Colégio Meneghetti. Inscrições pelo WhatsApp e no colégio”.
Era um convite para a primeira turma do curso de qualificação profissional vinculado ao programa Mulheres Mil, do governo federal, ofertado em parceria com a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e a ONG Marias, no Colégio Estadual Engenheiro Ildo Meneghetti.
— Na hora, eu parei e fiquei na janela esperando o número do WhatsApp para eu poder chamar e fazer as inscrições — lembra Cristiane. Na próxima sexta-feira, a iniciativa vai formar a primeira turma de 37 mulheres e, para isso, está em busca de auxílio.
— Agente vai usar a estrutura do colégio para fazer uma celebração, mas muitas delas nunca tiveram uma formatura. Então estamos aceitando doações para tornar esse momento mais especial — diz Diele Schneider, integrante da equipe multidisciplinar responsável pelo programa na Seduc.
Com ajuda do governo do Estado, foi possível contratar uma empresa para fornecer a alimentação. Além disso, conseguiram 10 togas emprestadas da Loja Iwosan, focada em moda afrocentrada. Mas o grupo está em busca de mais togas.
Programa
O Mulheres Mil é um programa do Ministério da Educação, que existe desde 2007, para promover a inclusão de mulheres em situação de vulnerabilidade no país. No Rio Grande do Sul, ele era ofertado apenas em campi de Institutos Federais, mas neste ano iniciou uma parceria com a Seduc.
O projeto na Restinga integra, ainda, a ONG Grupo Marias, que desde 2021 trabalha empoderando cerca de 50 mulheres. Uma das responsáveis pelo projeto no RS, Diele Schneider conta que encontrou o grupo a partir de uma reportagem do Diário Gaúcho publicada em 2022.
— Eu estava atrás de um grupo que tivesse esse trabalho com mulheres e encontrei no DG essa história. Aí nós conversamos com o grupo e inscrevemos um projeto que envolvia o Grupo Marias e um colégio estadual, que foi o Ildo Meneghetti — relembra.
A divulgação, com o carro de som, deu tão certo que cerca de 170 mulheres se inscreveram nas três turmas: a de assistente administrativo, oferecida no Colégio, e as de artesanato e de recreação, na ONG Marias.
A ideia inicial era que as aulas começassem em maio, mas, com a enchente, ficaram para agosto. Na avaliação de Diele, o grande mérito do programa é a ampliação de horizontes para as mulheres.
— Algumas mulheres ali são vítimas de violência doméstica e eu acho que o programa devolveu essa dignidade, essa independência, para elas — defende.
Porta de entrada
Cristiane Ribeiro não chegou a concluir o Ensino Médio, mas conta que sempre quis fazer um curso relacionado a administração. Ela é moradora da Restinga há sete anos e junto com o marido administra uma oficina mecânica no bairro Cavalhada. Ela defende que o curso foi uma oportunidade para as mulheres ampliarem sua inserção no mercado de trabalho e sua rede de apoio.
— Eu aprendi muita coisa no curso e vou levar isso para toda a minha vida. Teve aula de informática em que a gente aprendeu a fazer slide pra divulgar o negócio e até projeto para as nossas vidas. Tem uma colega que tem equipamento de som, outra de panfletagem e, agora que a gente se conhece, podemos ir se ajudando e somando forças para crescer — relata.
Tamanha foi a injeção de otimismo na sua vida que Cristiane já está planejando voos mais altos. Entre risos tímidos, ela revela que pretende concluir o Ensino Médio por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e tentar um curso de Administração.
Situação semelhante é descrita por Kelly Machado, 31 anos. Na adolescência, ela abandonou o Ensino Médio, porque não dava conta de conciliar com o trabalho. Porém, ela conta que o Mulheres Mil foi o que a incentivou a ir mais além.
— Muita gente me questionava por eu ter uma filha pequena agora e estar estudando. Mas conhecimento é algo que ninguém te tira. Agora isso está em primeiro lugar na minha lista de prioridades — afirma. Em agosto, ela fez o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) para concluir o Ensino Médio e cursar Psicologia.
Incentivo para crescimento
Rosane Krause Vieira Alba, 59 anos, uma das professoras do curso, avalia que o projeto consegue juntar a função social do Estado com a responsabilidade legal pela educação técnica. A partir dele é possível inserir essas mulheres no mercado de trabalho, seja através do emprego formal ou de atividades empreendedoras.
— É como uma luz que tu acende para quem parecia não ter alternativa. Elas mesmo relatam que são excluídas de oportunidades quando dizem que moram na Restinga, em razão do preconceito. Com o curso elas podem ver outras formas de crescimento — avalia.
Rosane considera que o Mulheres Mil se destaca por dois motivos. O primeiro é aproximar conhecimentos teóricos do dia a dia de empresas, seja através das aulas ou das visitas realizadas nos últimos meses. Depois, é o cuidado com a vida e as necessidades das participantes.
— As meninas procuram elas (as organizadoras), colocam questões pessoais, pedem ajuda e a partir disso a gente pensa em como trabalhar isso em sala de aula de forma subjetiva sem expô-las. A próxima turma da iniciativa deve começar em março do ano que vem, com 50 participantes.
Como ajudar
/// Para ajudar com o evento de formatura, entre em contato pelo WhatsApp (51) 99724-6972