Uma multidão de 229 mil jovens vive no Rio Grande do Sul sem estudar ou trabalhar, de acordo com um estudo elaborado pelo Observatório Juventudes e pelo Data Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Esse contingente de excluídos do mercado de trabalho e das escolas, conhecido como "nem-nem", corresponde ao número de moradores de um município do porte de Novo Hamburgo e supera a população de 98% das cidades do Estado consideradas isoladamente.
O estudo abrange pessoas entre 15 e 29 anos, tomando como base a definição de jovem estabelecida pelo Estatuto da Juventude, e faz uma tabulação de microdados apurados pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (PNADc) até a primeira visita realizada pelos pesquisadores em 2023. Por isso, pode apresentar variações com outros levantamentos. Um trabalho divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no começo do ano apurou uma cifra próxima, de 12,6% no Estado. O trabalho da PUCRS exclui da categoria quem está procurando emprego.
Embora seja rotulada como preocupante pelos autores do trabalho, a cifra de 10% de jovens sem perspectiva educacional ou financeira é cinco pontos inferior à média nacional – puxada para baixo pelas regiões Norte e Nordeste. O problema é que o desempenho gaúcho despenca entre fatias específicas da população como pobres, negros e mulheres, o que tende a agravar as desigualdades sociais.
— Termos quase 230 mil jovens nessa situação é preocupante porque a juventude é um momento de transição para a vida adulta em que as desigualdades sociais são seladas. Começam a se criar ainda na infância, mas é nessa transição que se consolidam. Dependendo de fatores como a classe social, não trabalhar nem estudar traz prejuízos grandes e difíceis de reverter, porque prejudica a qualificação e a inserção no mercado de trabalho — avalia o sociólogo e coordenador do PUCRS Data Social André Salata.
Na comparação com outros anos a partir de 2012, o cenário é de estagnação, com pequenas variações. Salata sustenta que é difícil estabelecer um índice que poderia ser considerado "ideal" por conta de peculiaridades. Alguém nascido em família rica, por exemplo, pode se enquadrar na categoria dos inativos por estar se preparando por conta própria para um concurso, ou tirando um período de folga antes de assumir uma vaga. Já alguém de baixa renda pode ter simplesmente desistido de buscar qualificação ou salário em razão dos obstáculos. Só é considerado excluído quem nem mesmo tenta encontrar emprego.
Os resultados completos da análise serão publicados nos próximos dias no Boletim Juventudes: Levantamento Sobre Estudo e Trabalho da População Juvenil no Brasil e no Rio Grande do Sul, cuja divulgação vai coincidir com a semana da celebração do Dia Internacional da Juventude, fixado em 12 de agosto pela Organização das Nações Unidas (ONU). As tabelas mostram que o percentual de "nem-nem" chega a ser sete vezes mais alto entre o quinto mais pobre da população em comparação com o topo da pirâmide social. É o dobro entre as mulheres em relação aos homens, e é quase 40% superior entre negros frente aos brancos (veja números detalhados mais abaixo).
— Embora as mulheres prolonguem a sua permanência no sistema educacional além dos homens, elas ainda ficam mais restritas à esfera doméstica quando falamos em inserção no mercado de trabalho — explica Salata.
O detalhamento dos números por faixa etária revela outro dado significativo. Os adolescentes de 15 a 17 anos que, em tese, deveriam estar focados nos estudos entre os ensinos Fundamental e Médio, ampliaram sua participação na categoria de quem "só trabalha". O percentual saltou de 2,1%, em 2021, para 6,3% no ano passado. Conforme o coordenador do PUCRS Data Social, a mudança reflete a transição da pandemia, quando minguaram vagas, para o período posterior de reaquecimento da economia.
Solução depende de combinação de políticas públicas, diz especialista
A coordenadora do Observatório Juventudes da PUCRS, Patrícia Espíndola Teixeira, avalia que está errado um tradicional mantra atribuindo a quantidade expressiva de jovens que não estuda ou desempenha serviço remunerado a uma suposta "fraqueza" geracional ou a falhas exclusivas do sistema educacional. Para a especialista, o gargalo está no descumprimento de normas previstas em uma lei pouco conhecida pelos brasileiros, de número 12.852/2013, também chamada de Estatuto da Juventude.
— Não é a geração que é "fraca", nem a responsabilidade é só das escolas. Diferentes sistemas de proteção precisam garantir o acesso ao sistema de ensino oferecendo segurança pública, segurança alimentar, transporte público, saúde. A falta desse conjunto compromete o progresso educacional — opina Patrícia.
Ela observa que, na outra ponta do levantamento, nada menos do que 27,6% dos adolescentes entre 15 e 17 anos combinam estudo e trabalho ao mesmo tempo no Rio Grande do Sul — o que também configura um desafio à gestão pública.
— Olha a sobrecarga que é isso para um adolescente — resume a coordenadora.
Ela afirma que é fundamental adotar ações de forma imediata nas diferentes esferas de governo, já que o Estado vem envelhecendo rapidamente e exigindo maior capacidade e produtividade das gerações mais novas. Patrícia revela que a publicação do boletim é a primeira de uma série de estudos sobre a população juvenil estadual e nacional que os órgãos vinculados à PUCRS pretendem lançar periodicamente, abordando diferentes direitos sociais. O próximo deverá abordar diferentes formas de violência que impactam esse público, sempre partindo da compilação e tabulação de dados oficiais que, quase sempre, ignoram a fatia específica de quem está na faixa etária destacada pela legislação federal.