A diretora da Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira, de Santa Cruz do Sul, Janaína Venzon – que na última semana havia determinado a proibição do livro O Avesso da Pele (2020) no ambiente escolar – garantiu, nesta quarta-feira (6), que a obra será disponibilizada aos estudantes ainda em março. Conforme a diretora, um exemplar da obra será ofertado na biblioteca assim que for catalogado, o que ocorrerá até o início da segunda quinzena do mês.
A proibição de leitura do livro na escola, anunciada pela diretora na última sexta-feira (1º), foi revertida no dia seguinte, após a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) suspender uma orientação emitida pela 6ª Coordenadoria Regional de Educação, que atende a região de Santa Cruz do Sul, que previa a retirada dos livros das escolas.
— Nós estamos colocando o livro (para acesso da comunidade escolar), conforme ordem que veio da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul. É importante isso: esse livro vai ser colocado na prateleira da biblioteca, para retirada dos alunos, conforme essa ordem — prometeu a diretora da escola, reforçando a contrariedade dela e de parte dos pais com a determinação.
As demais unidades do livro – a escola recebeu cerca de 200 exemplares – serão entregues aos alunos do 1º ano do Ensino Médio no terceiro trimestre letivo, época do ano em que há previsão de leitura da premiada obra.
— Essa obra literária não seria (entregue aos alunos do Ensino Médio) agora. Seria somente no terceiro trimestre, pela questão da Consciência Negra. Os professores iriam entregar (esse livro) lá no início do terceiro trimestre para começar o trabalho, até porque tem outras obras que estão na frente para serem trabalhadas — afirmou a diretora.
Diretora compara O avesso da pele com Cinquenta tons de cinza
A diretora da escola estadual ganhou repercussão nacional na última semana após publicar um vídeo no qual anunciava a proibição no ambiente escolar do livro O avesso da pele (2020), do escritor gaúcho Jeferson Tenório. O livro tem entre as suas temáticas centrais o racismo, a violência policial e a relação entre pais e filhos.
Segundo a diretora, a proibição foi motivada pela avaliação de que a obra apresenta palavras de baixo calão e descrever cenas de sexo. Na avaliação de Janaína, o livro não seria apropriado para adolescentes.
Nesta quarta, ao reforçar a sua posição, a diretora defendeu que a obra O avesso da pele não deve ser lida por estudantes do Ensino Médio por conter linguagem semelhante à do livro erótico Cinquenta Tons de Cinza.
— Ontem, conversando com um pai, ele disse assim: se não pode ter o livro 50 Tons de Cinza dentro da biblioteca da escola, por que esse tipo de livro (O avesso da pele) vai ter que estar na biblioteca da escola? — relatou a diretora.
Questionada por GZH se concorda com a comparação feita pelo pai, Janaína acrescentou:
— Na verdade, eu concordo (com a comparação) no vocabulário. Mas é uma obra (O avesso da pele) que foi autorizada. Nós vamos cumprir a ordem da secretária estadual da Educação (de disponibilizar O Avesso da Pele aos alunos) — apontou a diretora.
O Avesso da Pele (2020) é classificado pela Companhia das Letras, editora responsável pela publicação, como sendo do gênero romance literário. Já Cinquenta Tons de Cinza (2012), de E. L. James, é classificado pela editora Intrínseca – que publica o livro – como pertencendo ao gênero erótico.
O avesso da pele, de Jeferson Tenório
A Companhia das Letras, editora da obra O avesso da pele, descreve o teor do romance da seguinte forma:
“O avesso da pele é a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado numa desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos.
O que está em jogo é a vida de um homem abalado pelas inevitáveis fraturas existenciais da sua condição de negro em um país racista, um processo de dor, de acerto de contas, mas também de redenção, superação e liberdade. Com habilidade incomum para conceber e estruturar personagens e de lidar com as complexidades e pequenas tragédias das relações familiares, Jeferson Tenório se consolida como uma das vozes mais potentes e estilisticamente corajosas da literatura brasileira contemporânea”.
Nascido no Rio de Janeiro, Jeferson Tenório é radicado em Porto Alegre e estreou na literatura com O beijo na parede (2013), eleito livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. Ele também é autor de Estela sem Deus (2018) e O avesso da pele (2020), que venceu o Prêmio Jabuti em 2021 na categoria Romance Literário. Tenório foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2020, o mais jovem escritor e o primeiro negro escolhido para o posto. Teve textos adaptados para o teatro e contos traduzidos para o inglês e o espanhol.