O escritor Jeferson Tenório, autor do livro O Avesso da Pele (2020), mostrou-se preocupado, durante entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, sobre os recentes casos de censura em relação à obra. De acordo com o autor, este é mais um caso na literatura, que "sempre sofreu ataques".
— O perigo é fazer com que isso se estenda e, daqui a pouco, a gente veja livros sendo queimados em praça pública — desabafa o escritor.
Na semana passada, o livro O Avesso da Pele, publicado em 2020, foi removido da biblioteca de uma escola em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, devido a críticas da diretora da instituição, alegando vocabulário de "baixo nível". Apesar do apoio da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) reverteu essa decisão. Além disso, no estado do Paraná, o governo determinou o recolhimento da obra nas escolas estaduais, alegando a necessidade de análise devido a expressões, jargões e descrições de cenas consideradas inadequadas para menores de dezoito anos.
— O caso do Paraná é mais grave ainda porque a gente tem ali todas as informações e todos os indícios de uma atitude autoritária, muito exercida durante o regime militar — diz.
Na entrevista, o autor do livro ressaltou a importância de deixar a decisão, se os livros são adequados para uso ou não, nas mãos dos especialistas em educação e literatura.
— Nem a diretora e nem os pais têm condições pedagógicas para decidir o que os alunos devem ou não devem ler — afirma Tenório — Eu digo isso porque eu fui professor quase vinte anos em Porto Alegre, na Região Metropolitana, já enfrentei problemas como esse enquanto professor, de pais questionarem determinados livros. É uma coisa recorrente na escola — explica.
Tenório enfatizou que não se trata de uma obra sobre sexo — principal argumento apontado pelos pais que são contra esta leitura nas instituições de ensino —, mas sim uma crítica à objetificação e sexualização das pessoas negras pela sociedade:
— As cenas de sexo não se sobrepõem ao que o livro realmente fala que é o racismo, a violência policial, o preconceito, a educação precarizada no Brasil.
Ele ainda defendeu a importância da literatura em abordar temas sensíveis e provocativos, ressaltando que é papel dos professores mediar essas discussões de forma adequada.
— Você não vai encontrar livros de qualidade que não tenham questões que vão incomodar o leitor. A literatura serve para isso, pra incomodar de fato. Agora, como isso é tratado na sala de aula e como isso vai ser levado pra sala de aula, depende da mediação do professor — diz em entrevista.
Sobre os casos de censura e recolhimento do O Avesso da Pele em escolas, Tenório mostrou aflição com a postura autoritária e conservadora adotada por algumas autoridades educacionais:
— A Constituição garante que o material que está na escola deve ser utilizado e não retirado. Nenhuma autoridade tem o poder de tirar livros ou qualquer tipo de material pedagógico da escola. Isso está na constituição.
Nascido no Rio de Janeiro, Jeferson Tenório é radicado em Porto Alegre e estreou na literatura com O beijo na parede (2013), eleito livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. Ele também é autor de Estela sem Deus (2018) e O avesso da pele (2020), que venceu o Prêmio Jabuti em 2021 na categoria Romance Literário. Tenório foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2020, o mais jovem escritor e o primeiro negro escolhido para o posto. Teve textos adaptados para o teatro e contos traduzidos para o inglês e o espanhol.