Uma série de discussões sobre as condições para mães prosperarem na carreira científica veio à tona na semana passada, quando o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão, criticou o movimento Parent In Science, que busca a igualdade de condições de crescimento na carreira científica para as mães. A fala ocorreu no evento GBMeeting, promovido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na última terça-feira (30).
Na mesa redonda da qual participou, Galvão disse que o Parent In Science “atrapalha muito”, porque a organização “manda o tempo todo requisições ao CNPq para a criação de processos de bolsas separadas para as mulheres e julgamento separado para as mulheres”.
A observação foi feita no mesmo dia em que a revista científica Nature publicou artigo de Fernanda Staniscuaski, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e fundadora do Parent In Science, com o título “A academia precisa de uma mudança radical – as mães estão prontas para abrir o caminho."
O movimento publicou, no dia seguinte (31), uma nota de repúdio, na qual ressalta a “contribuição significativa” do Parent In Science “para a promoção da igualdade de gênero e oportunidades na academia” e nega a ações de “análises simplistas, como propor uma distribuição de 50% das bolsas de produtividade para mulheres com base na proporção demográfica”. O grupo afirma que, ao contrário do que foi dito pelo presidente do CNPq, não solicita processos de bolsas separadas por gênero. Sua luta é por “reformas no processo de avaliação das bolsas e outros editais, considerando, entre outros fatores, as pausas na carreira das mulheres em função da maternidade”.
Em nota divulgada na sexta-feira (2), o presidente do CNPq afirmou que as palavras “atrapalha muito” foram “pinçadas dentro de uma explanação muito mais ampla sobre a questão de desigualdades, não só de gênero como também de raça, regionalismo e profissão”, e que uma conclusão sobre a sua fala “só pode ser extraída escutando toda sua alocução”.
Galvão ainda aponta que quis deixar claro que, pessoalmente, é contrário a editais específicos para mulheres, “principalmente em respeito à sua capacidade intelectual”, ainda que reconhecendo a necessidade de ações afirmativas na análise da produtividade científica e na promoção profissional das pesquisadoras. O presidente também reconhece, na nota, que o termo “atrapalha” foi “inapropriado e deselegantemente empregado em sua interlocução”, e diz estar à disposição "para continuar o diálogo franco e construtivo com o movimento”.
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) divulgou posicionamento na quarta-feira (31), no qual manifestou repúdio à fala de Galvão e apontou para seu menosprezo para a “contribuição significativa que o movimento oferece para a promoção de uma cultura acadêmica inclusiva, que compreenda os impactos da parentalidade na trajetória acadêmica de pesquisadores, mas principalmente de docentes e pesquisadoras mulheres, haja vista a enorme disparidade do impacto resultante da divisão sexual do trabalho”.
A entidade cita um episódio relatado em dezembro pela cientista social e professora da Universidade Federal do ABC Maria Carlotto, que disse, em suas redes sociais, que o resultado preliminar da bolsa produtividade à qual concorria no CNPq reconhecia a sua carreira, mas apontava que não havia feito pós-doutorado no exterior, “provavelmente” porque “suas gestações atrapalharam essas iniciativas, o que poderá ser compensado no futuro”.
Na época, o conselho admitiu o erro e disse que ter realizado pós-doutorado no exterior não é requisito para concorrer ao edital, e que usar a gravidez como justificativa para a reprovação é “expressar juízo de valor preconceituoso”. Foram alterados os critérios para apoiar mães na avaliação de projetos submetidos a bolsas em editais de pesquisa, estabelecendo uma extensão de dois anos a cada parto ou adoção no período de produtividade avaliado.
A Andes-SC pontua que, ao usar o mesmo verbo “atrapalhar” que os pareceristas nessa ocasião, Galvão “reforça a urgência de se combater atitudes discriminatórias e de desvalorização das mulheres na ciência”.