Há bastante tempo sem estudar, Sheron Gonçalves, 35 anos, ingressou no curso de Biomedicina do Centro Universitário Metodista - IPA em março com uma bolsa integral, buscando dar uma melhor qualidade de vida à filha, que tem paralisia cerebral. Agora, com o encerramento das atividades da instituição, a dona de casa poderá ser obrigada a se afastar dos estudos novamente, visto que os alunos poderão perder financiamentos e benefícios em transferências para outros centros de ensino — e que os bolsistas serão os mais prejudicados.
— Estamos sem amparo. Estamos desesperados. Quem tem bolsa não sabe o que fazer. A única opção para os bolsistas que não têm condições de pagar a mensalidade da PUCRS ou da Ulbra é deixar de estudar — lamenta a estudante, que, assim como os colegas, foi pega de surpresa.
O IPA tem, hoje, oito cursos de graduação presenciais – Biomedicina, Direito, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Nutrição e Psicologia. A decisão de manter as atividades letivas apenas para formandos de último semestre foi tomada pela Rede Metodista de Ensino em razão da necessidade de uma "reestruturação profunda", buscando minimizar déficits.
O IPA realizará a transferência dos seus alunos para outras instituições de ensino com as quais firmará acordos com condições especiais. Até o momento, foram firmados convênios como a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
Contudo, os alunos apontam que o semestre já iniciou na maioria das instituições e que o IPA avisou tardiamente sobre o encerramento. A estudante de Biomedicina e auxiliar administrativa Laura Falabrette, 23 anos, relata que os alunos não puderam se manifestar ou questionar. Ela critica a falta de auxílio por parte da instituição:
— Irão liberar nossos documentos e teremos que fazer tudo do zero em outra instituição, não irão intermediar essa transferência por conta de um erro deles. Isso é um absurdo, um desserviço conosco. Se optamos pelo IPA e suas bolsas e benefícios do governo, é porque não temos condições financeiras de bancar uma faculdade particular mais renomada, mas, mesmo assim, eles nos botaram migalhas goela a baixo e acham que estão fazendo muito.
Além disso, o prazo de inscrição para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já encerrou, e o vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) se aproxima, deixando os alunos "sem chances".
Situação inviável
A situação ficou inviável especialmente para os bolsistas, conforme os alunos. A instituição oferecia bolsas sociais que poderiam atingir até 100%. Na transferência para outras universidades, no entanto, mesmo com desconto, os estudantes terão de pagar mensalidade, o que prejudicará aqueles com baixa renda. No caso da PUCRS, os alunos poderão continuar pagando o mesmo valor das mensalidades do IPA. Os alunos que possuíam algum benefício comercial ou bolsa terão 35% de desconto por dois semestres sobre o valor da mensalidade paga no IPA. Já na Ulbra, terão 60% de abatimento na primeira mensalidade, e depois, até o fim do curso, 50% de redução.
Além disso, os estudantes que tinham financiamento estudantil ou benefícios do governo também poderão ser afetados. No caso das universidades conveniadas, a PUCRS não aceita Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Outra queixa dos alunos é em relação ao turno das aulas, visto que alguns cursos não oferecem turmas nos mesmos períodos em que os alunos frequentavam as aulas — o que pode afetar as condições de trabalho.
Assim como as outras bolsistas, Juliana Girelli, 24 anos, que cursava Farmácia na instituição desde agosto de 2022, não poderá prosseguir com os estudos:
— Foi um baque muito grande, principalmente para mim, que era bolsista e estou desempregada. Mesmo com os acordos deles com outras instituições, não vou conseguir continuar, pelo fato de não ter uma renda para seguir pagando. Era um grande sonho né, que infelizmente não vou poder continuar.
Para além das universidades que firmaram acordo com o IPA, os alunos estão buscando outras instituições de ensino, como a Estácio. A instituição informa que está oferecendo o aproveitamento total das disciplinas cursadas no IPA e em torno de 70% de desconto.
Direitos dos alunos
O IPA solicita que os estudantes assinem um termo de aceite, no qual também é isento de responsabilidade. Reitora da instituição, a professora Vera Marques Maciel diz que o documento indica que os alunos estão cientes de todas as condições e sendo acolhidos, e que se trata de um documento necessário, que não vai prejudicá-los. O mesmo modelo foi utilizado quando o IPA fez migrações de cursos em 2021, conforme a reitora.
— Eu entendo, compreendo e me coloco do lado deles, do sentimento que estão passando, porque não é muito diferente do meu — ressalta.
Para Victor Fernandes Cerri de Souza, advogado civilista e contratualista, a cláusula pode ser facilmente descaracterizada, visto que a responsabilidade é inerente à prestação de serviço. No entanto, Cerri ressalta que é preciso analisar o contrato inicialmente firmado e entender o que ele prevê nos casos de rescisão. Mesmo assim, é possível buscar uma indenização:
— Claro que ainda que se preveja esse tipo de rescisão extemporânea, qualquer parte que se sentir prejudicada pode acionar o Judiciário para, com isso, poder reclamar as eventuais perdas e danos, como essas que envolvem questões específicas de bolsas etc.
O que dizem as instituições de ensino
IPA
A reitora do IPA destaca que a surpresa alcançou toda a comunidade. Ela frisa que foi garantido pela rede que não existe fechamento, e sim uma "reestruturação muito profunda". Acrescenta que todas as medidas foram e continuam sendo tomadas para que a transição ocorra da melhor forma, com encontros e atendimento diário para a operação de transferências — porém, sabe que não vão "agradar 100%".
Vera Marques Maciel também ressalta a possibilidade de receber uma comissão em nome dos alunos para conversar. Em relação à questão do Fies e do Prouni, lembra que nem todas as instituições possuem esse programa:
— A questão da bolsa social sempre foi um diferencial histórico do IPA, mas que, infelizmente, não é mais possível suportar. Quem fez a negociação com as duas instituições que estão com termo de parceria não teve condição de acertar isso com eles. Infelizmente, a gente está lamentando muito essa situação de alunos que têm bolsa social. Nossa preocupação está sendo os alunos.
A representante do IPA ressalta o benefício da manutenção dos valores de mensalidade do IPA. Além disso, a instituição continua na busca por outras parcerias. Vera relembra que o aluno é livre para escolher para qual instituição vai.
— Nossa obrigação é liberar os documentos desses alunos no prazo mais exíguo possível, e isso está sendo feito, e também da gente poder aportar o que já pagaram dentro do IPA, também isso está sendo organizado — afirma.
PUCRS
A PUCRS afirma que, como a instituição não possui Fies, mas um programa de crédito próprio, não há como realizar uma mudança para receber esses alunos. Além disso, o CredPUCRS não se aplica aos alunos que receberão desconto, pois seria sobre os valores da PUCRS. Confira a nota enviada pela instituição:
"A PUCRS firmou um acordo de cooperação com o IPA que possibilita que os estudantes dos cursos com turmas suspensas, com interesse em seguir seus estudos na universidade, tenham condições exclusivas e aproveitamento de créditos e disciplinas. Os alunos que possuíam algum benefício comercial ou bolsa no IPA terão 35% de desconto por dois semestres consecutivos em cima da mensalidade que era paga no IPA. Para garantir as condições financeiras, o pedido de transferência deve ser feito exclusivamente para o mesmo curso, até o dia 25 de agosto. Os alunos do ProUni também poderão fazer a transferência para a PUCRS. O processo pode ser feito no site pucrs.br/estudenapucrs/transferencias. Os alunos que tiverem dúvidas podem entrar em contato pelo email atendimento@pucrs.br, telefones (51) 2101-0110 e (51) 33203573 ou WhatsApp (51) 98443-0788."
MEC
"Em virtude da reestruturação do Centro Universitário Metodista IPA, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), supervisionará a possível suspensão das atividades acadêmicas e monitorará a transferência dos discentes. O Fies poderá ser transferido pelo discente para outra IES (Instituição de Ensino Superior), conforme normativos do programa. As Bolsas Prouni também podem ser migradas para outra IES caso exista margem para implantá-las, nos termos da legislação vigente. As demais bolsas fornecidas pela IES possuem regramentos próprios e são de responsabilidade da mantenedora/entidade que as forneceu.
Quanto à transferência dos discentes, caso não haja alternativas de IES receptoras, os alunos devem se adaptar à oferta na IES que tenha se apresentado como receptora, a qual irá ofertar seus cursos conforme os atos autorizativos e normativos.
A IES deverá fornecer documentação acadêmica para os alunos realizarem suas transferências. O site da IES informa que há um cronograma para apresentação de soluções e alternativas, ensejando garantir ao discente a conclusão do curso. Vide comunicado do site abaixo: http://ipametodista.edu.br/"
A reportagem entrou em contato com a Ulbra, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.