Motivados a impactar a comunidade, ex-alunos da Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiram arregaçar as mangas para implementar uma ideia que ajudasse a desenvolver estudantes, professores e funcionários da instituição onde se formaram e criaram laços de amizade.
Nasceu o Fundo Amanhã, um fundo patrimonial filantrópico que comemorou, em maio, um ano de vida e R$ 2,5 milhões arrecadados em doações – valor usado para bolsas, mentoria de carreira e prêmio para trabalhos de conclusão de curso (TCCs).
Inspirado no Fundo Centenário, criado em 2019 por ex-alunos da Escola de Engenharia, o Amanhã é o segundo fundo patrimonial filantrópico da UFRGS. A modalidade, também chamada de endowment, consiste em um fundo de investimento no qual o valor arrecadado é aplicado no mercado financeiro – os rendimentos, então, são usados em ações sociais (veja o infográfico).
O Fundo Amanhã não tem relação formal com a UFRGS, portanto não recebe nenhum centavo de dinheiro público. A iniciativa é mantida inteiramente por doações privadas. O patrono é Frederico Gerdau Johanpetter, do Grupo Gerdau. Entre os acionistas, estão William Ling, da Évora, Mathias Renner, fundador do Banco A.J. Renner, e Otelmo Drebes, das Lojas Lebes. Mas qualquer interessado em contribuir pode participar – no site, é possível fazer doações a partir de R$ 30.
Uma das ações de maior impacto do Fundo Amanhã é a oferta de quatro bolsas de iniciação ao empreendedorismo de R$ 800 mensais para universitários de qualquer curso, desde que sejam de baixa renda, atuem em algum projeto de extensão e tenham entrado na UFRGS por ações afirmativas. O número de bolsistas deve aumentar, conforme mais verba for arrecadada.
Uma das beneficiadas é a estudante de Nutrição Jolaine da Silva, de 23 anos e moradora da Ilha da Pintada. Ela é presidente do Centro de Empreendimentos em Alimentação e Nutrição, empresa-júnior de consultoria em nutrição ligada à UFRGS, e desde novembro do ano passado recebe uma bolsa de R$ 800 do Fundo Amanhã. A universitária também ganha uma mentoria de carreira no Instituto Caldeira.
Sem o auxílio, Jolaine precisaria buscar emprego, matricular-se em menos cadeiras e atrasar a formatura para aliviar o orçamento doméstico – a mãe, autônoma, vende lanches e café em uma parada de ônibus.
— Entrei na empresa-júnior com intuito de ficar seis meses porque lá não tem bolsa, então eu teria que procurar uma fonte renda. Com a bolsa do Fundo Amanhã, tenho a segurança financeira que me possibilita crescer na empresa-júnior. Tive muito desenvolvimento pessoal, hoje me posiciono e dialogo, mudei completamente. A mentoria me ajuda a traçar um plano de carreira, o que me dá novos horizontes. Meu sonho é tornar-me independente e ser referência na profissão. Tenho ambição graças às oportunidades que foram surgindo na minha vida — afirma Jolaine.
Outro aluno beneficiado é o estudante de Administração Filipe França, de 20 anos. Morador do bairro Cristal, na Zona Sul da capital gaúcha, ele atua na PS Júnior, empresa-júnior de consultoria empresarial ligada à UFRGS. Desde março, ele recebe R$ 800 do Fundo Amanhã pela dedicação ao empreendedorismo.
— É a bolsa que me permite fazer parte da empresa-júnior, que é uma experiência que nos capacita para o mercado de trabalho. É um valor que faz diferença na minha vida. Assim, eu consigo arcar com meus gastos de alimentação e passagem. Minha família é de baixa renda, eu não conseguiria estar só com os meus pais me sustentando — diz França, que almeja, no futuro, investir no setor de alimentação.
Múltiplas ações
Outra ação do Fundo Amanhã é o Programa Pertencer, a ser lançado no dia 13, que oferecerá R$ 800 mensais, curso de inglês e mentoria de carreira para estudantes pretos, pardos e indígenas. Um edital será publicado com oferta de 15 bolsas.
Por meio de um hub de projetos de ciência de dados, o Business Analytics Hub (BAH), o Fundo Amanhã custeia bolsas de introdução à Ciência de Dados para 50 estudantes da UFRGS – além do curso, ocorrem workshops, palestras e imersão com empresas parceiras. Há bolsistas de 17 cursos, incluindo Administração, Economia, Engenharias, Estatística, Matemática, Medicina e Farmácia.
Para alunos da Administração, o Prêmio de Melhor TCC oferece R$ 3 mil, R$ 2 mil e R$ 1 mil aos trabalhos de excelência – o valor deve ser usado para custear algum curso ou ida a congresso.
Com a bolsa do Fundo Amanhã, tenho a segurança financeira que me possibilita crescer na empresa-júnior. Tive muito desenvolvimento pessoal, hoje me posiciono e dialogo, mudei completamente.
JOLAINE DA SILVA, ESTUDANTE DE NUTRIÇÃO
Beneficiária do Fundo Amanhã
Um centro de carreiras oferecido a alunos ainda ajuda a preparar currículo e a entender oportunidades de mercado. Há, também, um serviço de “match de carreiras” no qual o Fundo Amanhã aproxima alunos a empresas com vagas em aberto.
— Olhamos os pilares da universidade, de ensino, pesquisa e extensão e pensamos em como poderíamos contribuir de forma contemplar. Não queremos substituir o que faz a universidade nem suas fontes de recurso, mas atuar de forma complementar pra gerar novas oportunidades — resume Guilherme Camboim, ex-aluno da Administração e diretor de projetos do Fundo Amanhã.
Endowments são bem estabelecidos em países de língua inglesa, como a Universidade de Harvard (Estados Unidos) e a Universidade de Oxford (Inglaterra). Investir as doações no mercado financeiro garante verba a longo prazo, mas depende de grande capital inicial para alcançar rendimentos significativos.
Para superar esse obstáculo, o Amanhã arrecada doações em duas frentes: diretamente para o fundo e também para os projetos sociais de curto prazo. Dos R$ 2,5 milhões captados pelo fundo, R$ 1,8 milhão foram para começar o endowment e R$ 700 mil para os projetos sociais de curto prazo.
— A ideia é fazer captações de recurso por projetos, reservar parte desse valor para o fundo de longo prazo e usar o resto no projeto em si, olhando assim para o curto e o longo prazo. A ideia não é focar só em alunos de um curso, acreditamos na multidisciplinaridade. O foco são estudantes, mas também pesquisadores — diz Camboim, observando que o objetivo é arrecadar mais doações para elevar o número de impactados.
Brasil tem mais de 50 fundos filantrópicos
Fundos patrimoniais filantrópicos crescem aos poucos no Brasil - foram regulamentados em 2019 com a Lei dos Fundos Patrimoniais. Em 2021, os 52 endowments presentes no país somaram patrimônio de R$ 78,8 bilhões e quase R$ 650 milhões investidos em ações sociais, de acordo com o Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais, publicado pelo Instituto de Desenvolvimento Social (Idis). A maior parte é focada nas causas de educação, ciência, tecnologia e cultura.
Entre os exemplos, estão os fundos da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP), do Museu de Arte de São Paulo (Masp), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e no Central Park (Nova York).
"Embora o conceito de fundo patrimonial nos remeta a um volume grande de recursos, gerando rendimentos e sustentando causas e organizações, nem sempre é assim em seus primeiros anos de operação. Aqui no Brasil, percebemos um grande movimento de criação de fundos patrimoniais com poucos recursos e dispostos a captar doações", escrevem os autores do anuário, o que aponta para a necessidade de arrecadar verbas nos primeiros anos da iniciativa.
Em 2019, o então reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann, afirmou a GZH que a reitoria estava interessada em criar um fundo patrimonial da universidade a fim de “receber doações para direcionarmos à pesquisa, à saúde, à cultura”.
A reportagem procurou a atual reitoria, sob gestão de Carlos André Bulhões, para verificar se a iniciativa havia avançado. A Secretaria de Comunicação da universidade afirmou que “a administração central da UFRGS não possui projeto em andamento de fundo patrimonial”.
Como pedir ajuda ou ajudar?
Escreva para o Fundo Amanhã no contato@fundoamanha.com ou ligue no (51) 9-8052-2887.