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Estudo da UFRGS
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Pesquisa revela que mulheres sofrem mais preconceitos no meio acadêmico após terem filhos

Na véspera do Dia das Mães, dados publicados na revista Nature jogam luz na desigualdade dentro da área da pesquisa

Carlos Redel

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A pesquisa, que ouviu 890 cientistas docentes brasileiros, faz parte do movimento Parent in Science, iniciado em 2016 e que conta com um grupo de pesquisadores do país inteiro

O Dia das Mães é comemorado neste domingo (14), mas, mesmo a data represente um momento de celebração, ainda há muito trabalho pela frente no que se refere a igualdade das mães na sociedade. Uma pesquisa recente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostrou que o preconceito contra quem teve filhos na ciência atinge mais as mulheres, reduzindo a participação das mesmas no mercado de trabalho.

O estudo, que foi chefiado por Fernanda Staniscuaski, do Centro de Biotecnologia da UFRGS, e publicado na revista Humanities and Social Sciences Communications, do grupo Nature, revelou que mulheres, em decorrência da licença-maternidade, recebem uma visão negativa no ambiente da pesquisa, uma vez que existe o estigma da flexibilidade na academia — ou seja, um sistema que pune aqueles que não são os "trabalhadores ideais". Elas também relataram que se sentiram mais pressionadas a somar novas tarefas ao seu dia a dia após o retorno da licença-maternidade.

A pesquisa, que ouviu 890 cientistas docentes brasileiros, faz parte do movimento Parent in Science, iniciado em 2016 e que conta com um grupo de pesquisadores do país inteiro. A iniciativa discute a questão da parentalidade no ambiente acadêmico, mas com foco principal na maternidade. Com isso, os estudiosos buscam levantar dados e discussões para que se desenvolva uma política de apoio às mães na academia.

Alguns dos dados que mais chamam atenção são os que mostram que, no ambiente acadêmico, 63% dos pais afirmaram que não sentiram nenhuma mudança quanto a percepção dos colegas e superiores sobre a sua competência e comprometimento com o trabalho após terem filhos. Já no que diz respeito às mães, apenas 35% não notaram nenhum tipo de diferença — e as mulheres com menos de 15 anos de contratação foram as que mais perceberam o viés negativo.

— A gente chama de discriminação normativa. As mulheres, depois de se tornarem mães, sempre são questionadas a respeito da sua competência. É muito comum ver alguém dizendo que "agora que ela é mãe, não vai ter tempo, porque a prioridade dela é o filho", mas nunca questionam um homem sobre a prioridade dele também ser o filho — diz Fernanda, que ainda acrescenta que, depois da maternidade, a mulher precisa sempre provar a sua competência.

Por sinal, dentro da pesquisa, 74,4% dos pais concordaram que seu desempenho foi avaliado de forma justa por seus colegas e superiores após o nascimento do filho. Para as mães, porém, a percepção ficou em 52,4%. Já na questão das oportunidades, cientistas do sexo masculino com filhos concordaram plenamente que tiveram tanto acesso a novas conquistas profissionais quanto seus colegas em uma taxa mais alta (71,8%) do que as mães (42,8%).

Em outro ponto que merece destaque dentro da pesquisa, que contou com 22 perguntas, nas quais os participantes deveriam responder dentro de uma escala de 1 a 5 — sendo que o 1 significa "discordo totalmente" e 5 é "concordo totalmente" —, 50,5% dos pais discordaram totalmente que sentiam que precisavam provar constantemente sua competência para obter o mesmo nível de respeito e reconhecimento recebido pelos colegas, enquanto apenas 28,8% das mães discordaram totalmente da mesma afirmação.

— A gente sabe que, sim, a mulher vai ter uma queda de produtividade durante o período de maternidade, porque não temos uma política de apoio e tudo mais. Mas é muito mais uma questão cultural achar que a mulher se tornou incompetente porque é ela quem vai cuidar dos filhos. Então, esses dados são bem ilustrativos de como é a realidade de ser uma cientista dentro das nossas instituições brasileiras — aponta a chefe da pesquisa.

Para Lucilene Athaide, doutoranda em Ciências da Comunicação na Unisinos, que tem um filho de de um ano e quatro meses, a discussão ainda abrange a questão étnico-racial, uma vez que ela, além de mãe, também é uma mulher negra.

— O meu corpo ele já não é aceito dentro da universidade. Eu passo por uma série de descredibilização, uma série de deslegitimação do meu trabalho. Então, se uma mulher negra não é aceita nesse ambiente, quiçá seus filhos — conta.

A doutoranda explicou que, quando anunciou para os seus pares acadêmicos que estava grávida, ouviu de diversas pessoas, antes mesmo de ser parabenizada pelo bebê, o questionamento "e o doutorado?". E, de acordo com ela, era possível sentir na fala dessas pessoas que eles esperavam que ela dissesse que havia desistido de sua vida acadêmica para se dedicar à maternidade.

— Eu lembro que comecei a brincar com a situação e, toda vez que alguém me perguntava "e o doutorado?", eu dizia: "O doutorado está bem, obrigado. Está no mesmo lugar, onde sempre esteve na minha vida, ocupando o mesmo espaço. Só que, além de parir uma criança, estou fazendo uma tese" — relembra Lucilene.

Mudança

Ao final do estudo, os pesquisadores levantam alguns pontos que podem ajudar na mudança de realidade para as mães dentro do cenário das pesquisas. Um deles é a diferença entre as licenças remuneradas — enquanto a maternidade varia de 120 a 180 dias, a paternidade fica entre 5 e 20 dias. Esta falta de paridade causa desigualdade de gênero e, por isso, incentiva-se que as licenças sejam longas ou compartilhadas para ambos, criando um cenário mais justo para as mães.

Fernanda Staniscuaski também reforça que mudanças culturais são necessárias — a começar pela que prega as jornadas extensas e trabalho:

— Dedicação não quer dizer trabalhar de segunda a segunda, sem férias, sem feriado, sem final de semana. Então, a gente precisa construir isso, para que outras maneiras de fazer ciência sejam naturalizadas na academia. Essa questão do produtivismo que a gente tem é um problema principalmente para as mulheres, mas também afeta qualquer pessoa que tenha outra função na vida que não seja somente trabalhar.

A doutoranda Lucilene Athaide, por sua vez, também  pensando nesta realidade, criou um movimento chamado AmamenTese, em seu Instagram (@lucilene_athaide), em que detalha o momento em que está vivendo, fazendo analogia com a amamentação de seu bebê e com o nascimento de sua tese do doutorado. E, para quebrar essa realidade apontada pela pesquisa da UFRGS, ela acredita seria importante acabar com a lógica produtivista da academia:

— É humanamente impossível esperar que mulheres mães frequentem todos os congressos, todos os eventos e ainda consigam dar conta da infância de uma criança, como é o meu caso. Não que cuidar seja uma tarefa exclusiva de uma mãe, não é isso, mas a academia nos prega, hoje, uma lógica completamente produtivista, patriarcal. Além disso, eu acho que as universidades têm que garantir a permanência dessa mãe.

Fernanda Staniscuaski ainda complementa que a sociedade é "extremamente sexista" e que existe o mito de que a mulher tem o "dom de cuidar". Ela, porém, reforça que não existe nenhum fundamento biológico neste tipo de afirmação. Assim, a pesquisadora acredita que é necessário acabar com estes preconceitos entranhados na academia e, assim, não dar espaço para este tipo de comentário.

— No ambiente acadêmico, ainda se questiona a capacidade da mulher continuar sendo uma ótima profissional só por causa dos filhos, mas nunca se questiona a capacidade de um pai. Muito pelo contrário, existem trabalhos que mostram que pais, muitas vezes, passam a ser percebidos como mais dedicadas ao trabalho porque viraram os provedores da família e precisam cuidar dos filhos — enfatiza Fernanda.

O estudo foi divulgado na véspera do Dia das Mães por acaso, detalha a chefe da pesquisa, uma vez que os dados foram submetidos à revisão por pares ainda em agosto do ano passado. Mas a coincidência ajudou a colocar tais resultados em destaque justamente na época em que se celebra a maternidade, sendo um momento oportuno para reflexão.

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