Se a aula em seu formato tradicional, com mesas e cadeiras enfileiradas e os alunos escutando o professor em silêncio, já era questionada há anos, agora é ainda mais. O período de retorno às atividades presenciais, depois do fechamento das escolas no momento mais crítico da pandemia, tem mostrado que as metodologias pedagógicas mais dinâmicas e multidisciplinares vieram para ficar. O modo como elas se apresentam varia, a depender da faixa etária e das características de cada rede de ensino, mas muitas escolas e professores encontraram na realização de projetos a saída para a demanda por engajar e acelerar a aprendizagem em suas turmas.
Leia a primeira parte da reportagem: Legado da pandemia, perdas de aprendizagem e evasão escolar são desafios para as redes de ensino
Com a interrupção do ensino presencial, muitos alunos do 6º ou 7º ano ainda não concluíram o processo de alfabetização, que costuma começar no 1º ano e terminar em torno do 3º. Para suprir essa demanda, a rede municipal de Porto Alegre, que atende crianças desde a Educação Infantil até o final do Ensino Fundamental, criou dois programas: o Alfabetiza+POA, para qualificar o letramento das crianças de 1º e 2º ano, e o RecomPOA, que busca recompor a aprendizagem entre os estudantes do 3º ao 5º ano. Para isso, foram feitas formações pedagógicas para ajudar a desenvolver a leitura e a escrita deles.
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Aramy Silva, localizada no bairro Camaquã, uma turminha de 2º ano aprendia como escrever a data quando a reportagem de GZH foi visitá-los.
— O que eu mais gosto de fazer é vir pra aula. É legal. Aqui eu posso brincar, posso estudar — conta o aluno Gustavo, mostrando no caderno que sabe escrever a sua inicial e recitando todas as letras do alfabeto.
A professora, Ana Cláudia Wolff, vai escrevendo no quadro enquanto os alunos tentam adivinhar: “Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2023”. Um dos pequenos adivinha todas – Augusto, que conta que leu muito as palavras “Porto Alegre” nos ônibus, durante as férias. Depois de terminada a data, muitas crianças levantam para mostrar para a professora que conseguiram escrever tudo.
Mas não é só de lousa e caderno que é feita a aula de Ana Cláudia – se começam sentados em cadeiras, logo os estudantes vão para o chão, ouvir as histórias que a “profe” lê nos livros. Pela sala, cartazes com letras e figuras, livrinhos cheios de desenhos e uma espécie de tabuleiro com um robozinho, que circula pelas letras e imagens, tornam divertido o ato de aprender a ler.
— Estamos recebendo formações desde o ano passado para discutir as melhores estratégias para trabalhar em sala de aula. Recebemos alguns treinamentos para o uso de tecnologias, alguns jogos para desenvolver o pensamento lógico, e tudo isso vai se somando. A pandemia foi muito cruel com a nossa comunidade, mas estamos tendo um grande sucesso — comenta Ana Cláudia, que, às vezes, trabalha com cinco planejamentos simultâneos dentro de uma mesma turma.
No ano passado, o esforço deu certo: aqueles que chegaram sem saber ler, já estavam começando a aprender. Com os alunos mais velhos, a estratégia foi aliar projetos sobre temas que eles já trabalhariam, como o corpo humano e o meio ambiente, a um foco alfabetizador, mostrando palavras-chave e ensinando pequenas frases. O trabalho é voltado especialmente para a consciência fonológica e para o letramento.
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Emílio Meyer, no bairro Medianeira, três professoras criaram o projeto AlfAlegria. Nele, a ideia é suprir necessidades que elas perceberam que vinham junto com as crianças que viveram a pandemia ainda muito pequenas.
— Elas vinham com questões bem singulares de coisas de que foram privadas, como a convivência com seus pares, a experimentação de materiais como tinta, tesoura, lápis, a expressão corporal, coisas típicas da escola. Por isso, criamos um projeto que busca preservar essa convivência lúdica, mas trazendo habilidades de que eles foram privados — relata a professora Cristiane Goulart.
Para isso, em vez de uma professora ser responsável por uma só turma, a escola se reorganizou. Agora, três professoras compartilham duas turmas, e cada uma tem um foco: matemática, linguagem e história e geografia, tudo de forma interligada, em conjunto com as docentes de Educação Física e de Artes, já de áreas específicas.
— Nós vamos ter momentos de estudos e planejamento coletivo e, depois, vamos ter alguns momentos compartilhados. Vamos criar cantinhos nas salas de aula, para que eles se sintam capazes de aprender e se sintam parte da escola. Queremos que seja um ano muito alegre, porque se eles começarem bem o 1º ano, a tendência é que sigam bem no futuro — comenta a docente.
No bairro Bom Jesus, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Mariano Beck apostou na formação de professores de Anos Finais para a alfabetização. Isso foi necessário porque havia estudantes dessa etapa que não tinham aprendido totalmente a ler e escrever.
— Eram crianças que já tinham uma alfabetização ruim e chegaram assim agora, por conta da pandemia. Isso gerou um desafio de nos reorganizarmos, porque os professores de Anos Finais costumam trabalhar com alunos já mais autônomos — relata Rochele Marcello da Silva Schott, supervisora da instituição.
A estratégia foi semelhante à da Emílio Meyer: a professora de Ciências, por exemplo, aliou sua disciplina à alfabetização. Além disso, as turmas foram subdivididas em grupos menores, de acordo com cada necessidade de aprendizagem, para que alguns focassem na alfabetização, outros na interpretação de texto e na fluência na leitura e outros em matemática.
Protagonismo juvenil e sustentabilidade
Em Cachoeirinha, na Região Metropolitana, a Escola Estadual de Ensino Médio Presidente Kennedy busca trabalhar o protagonismo dos alunos em sua aprendizagem. Os professores são vistos como orientadores nesse processo.
— Preparamos o aluno para a vida, sem deixar de lado o conhecimento formal e de conteúdos. Fazemos isso por meio de projetos como o de Protagonismo Juvenil, através do grêmio estudantil, e do EcoKennedy, focado na sustentabilidade — pontua a diretora, Marta Veiga.
Criado em 2018, o EcoKennedy envolve atividades diversas, que promovem a sustentabilidade em um sentido mais amplo. Há, por exemplo, uma horta e uma composteira dentro do colégio, cultivadas pelos alunos. Mas é bem mais que isso – uma arara solidária, por exemplo, é organizada semanalmente. Nela, estudantes, professores e famílias são convidados a doar roupas que não usam e a pegar o que gostarem, a fim da criação de um consumo consciente. Os participantes também organizam eventos na época do Outubro Rosa e do Novembro Azul, que envolvem palestras, pesquisas e passeatas, para chamar a atenção para a importância da prevenção do câncer de mama e de próstata.
— Eu gosto bastante da horta e da composteira e também gosto dos eventos que a gente consegue fazer aqui na escola, como Novembro Azul, que a gente ajudou bastante — conta Marthina Fernandes de Paula, 16 anos.
Stefany Almeida de Oliveira, 15 anos, também participa do EcoKenney. Lembra que não havia projetos desse tipo na escola onde cursou o Ensino Fundamental, e seu envolvimento neles lhe deixou realizada.
— Com certeza é um grande incentivo pras pessoas terem vontade de ir para a escola. O que mais chama a atenção aqui na escola certamente são esses projetos, tanto o EcoKennedy como o grêmio estudantil. E acho que os professores não consideram a escola como um lugar para estudar e passar no vestibular e ponto final. Eles conseguem trazer uma inclusão pra escola — comenta a adolescente, que entende os projetos também como uma forma de trazer os alunos a responsabilidade de ir para a aula, já que, neles, há divisões de tarefas.
Elise Teixeira da Silva, 15 anos, participa desde o ano passado do grêmio estudantil. A jovem relata que resolveu entrar no projeto porque se considera uma pessoa mais tímida e aquela era uma possibilidade de se enturmar e conhecer mais sobre a escola.
— Eu vim pra cá já com esse intuito de participar dos projetos, que são muito conhecidos e famosos. É legal. Aqui, as pessoas participam e não tem um tabu, de que é feio participar. A gente participa porque quer algo bom tanto para o futuro da escola, como para o nosso — destaca Elise, que considera o grêmio estudantil também uma forma de aprender sobre liderança e responsabilidade.
Já Cecília Machado Stefani, 16 anos, se considera extrovertida , mas, por vir de outra escola participar, também teve medo de não fazer amigos no colégio novo. Por isso, entrou no grêmio.
— Tu vê que as pessoas falam muito bem dos projetos do grêmio. A gente divide tudo em setores. O baile de inverno, por exemplo, a gente teve um setor de eventos de outro de finanças e foi um sucesso. As outras escolas ficaram tipo “nossa, vai ser uma coisa de filme de comédia romântica” – lembra a adolescente.
Lauryn Di Grazia Santos, 16 anos, está há dois anos já no grêmio estudantil e ajudou em sua criação. Sua vontade de participar veio do interesse em unir seus hobbies com o colégio.
— Meu setor é o SSA, que é sociocultural e artístico. Vi a oportunidade de fazer outras pessoas se inspirarem a cantar e dançar, a expor sua cultura. Já tivemos projetos como o Mês do Orgulho LGBT, tivemos uma batalha de rap. Tudo mundo pode trazer um pouquinho de si para dentro da escola — ressalta a estudante.
Em 2022, uma aluna da escola venceu o concurso Jovem Senador, após escrever uma redação. A adolescente passou uma semana em Brasília, vivendo a experiência de ser uma parlamentar.