Não é só o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que tem registrado queda significativa de inscritos. Tradicionais vestibulares de universidades de diferentes Estados do país, entre eles o Rio Grande do Sul, também perderam candidatos nos últimos anos.
Uma explicação para esse fato é o próprio teste federal, que passou a ser usado por essas instituições na oferta de parte das vagas. Outros fatores são os impactos da pandemia, que trouxe déficits de aprendizagem e desestímulo para muitos jovens, sobretudo os mais pobres, que veem nas provas um desafio inalcançável, e decidem nem tentar. A necessidade de trabalhar também deixa o sonho do diploma mais distante.
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o número de candidatos é o mais baixo dos últimos 10 anos: a edição de 2022, realizada em fevereiro, teve 15.234 inscritos, contra 46.244 em 2013 — dois terços a menos. A instituição credita às restrições causadas pela pandemia a baixa quantidade de inscrições. Em 2020, no entanto, o vestibular já contava com uma quantidade de candidaturas 52% menor do que em 2013, com 26.614 inscritos.
Na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), um fenômeno chama a atenção quando se verifica o número de candidatos nos últimos 10 anos — se a tendência até três anos atrás era de queda nos inscritos no vestibular, caindo de 13.451, em 2013, para 7.502, em 2019, a partir de 2020 a quantidade de interessados voltou a subir, retornando a patamares de 2013 e chegando a 13.493 candidaturas em 2022. Apesar de o aumento numérico ter ocorrido em um período pandêmico, com investimentos da instituição na modalidade de ensino a distância (EaD), a Unisinos informou que a ampliação de alunos se deu principalmente no formato presencial.
Já a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) não informou o número de inscritos em seu vestibular na última década: revelou apenas que houve uma redução de 10% a 15% na quantidade de candidatos e estudantes. A pró-reitora de Graduação e Educação Continuada, Adriana Kampff, sinaliza que isso se deve a mudanças no perfil geracional, com menos jovens no Estado, e também à possibilidade de ingressar na instituição por meio do Enem. Em seu entendimento, porém, o mais importante é que, hoje, há um acesso maior ao Ensino Superior.
— Hoje temos mais brasileiros, inclusive na faixa entre 18 e 24 anos, que é a principal meta, ingressando no Ensino Superior. Se há um aumento de ingressantes, temos duas hipóteses: a primeira é de que tem mais gente fazendo vestibular e a segunda é de que temos um maior número de instituições oferecendo Ensino Superior — observa Adriana.
Em São Paulo, as universidades estaduais de Campinas (Unicamp) e Paulista (Unesp) registraram em 2022 o menor total de concorrentes desde 2012: 61,6 mil e 67,5 mil, respectivamente. Já o total de candidatos na Universidade de São Paulo (USP) atingiu o menor índice em 2021, com 110,7 mil inscritos. Neste ano, a Fuvest — fundação universitária que organiza o vestibular da USP — logrou um ligeiro aumento, de quase 4 mil vestibulandos, mas ainda distante dos 172 mil registrados em 2013.
— É um grande quebra-cabeça, com várias peças. Difícil falar de pandemia e não citar também o cenário econômico. Tem muitos alunos que abandonaram o projeto do Ensino Superior porque tinham de trabalhar. Um jovem que naturalmente seguiria para o Ensino Superior, mas precisou ir direto para o mercado de trabalho — avalia o coordenador do Curso Anglo, Madson Molina, que também vê impacto da transição etária no Estado, com a diminuição da quantidade de adolescentes.
A abrangência do Enem, outro dos motivos destacados por Molina, facilitou e barateou a vida dos vestibulandos. Antes, era preciso fazer várias provas, geralmente com poucos dias de diferença, pagar várias taxas de matrícula e até viajar para tentar a sorte em mais de uma instituição. Agora, apenas com a nota do exame federal é possível concorrer no país todo.
— Acaba sendo uma estratégia dos candidatos de se dedicarem a uma prova de amplitude nacional e não perderem recursos e tempo com provas regionais, que não sabem se terão bom desempenho — ressalta Gustavo Monaco, diretor executivo da Fuvest.
Exigência alta e dificuldades
O nível de exigência das provas paulistas assusta Lívia Cabral, de 17 anos, que mira uma vaga em Medicina. Ela fez a Unicamp e achou o teste mais difícil do que nos anos anteriores.
— A dificuldade elevada não acompanha o nosso ritmo de pandemia em EaD — comenta Lívia.
Com acesso à internet e computador próprio, a jovem ainda conseguia acompanhar as aulas remotas na pandemia. Mas, segundo o Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), 28,2 milhões de brasileiros de 10 anos ou mais não usavam a internet em 2021, sendo 3,6 milhões deles estudantes.
Rayssa Campos, 17 anos, colega de Lívia, desistiu das universidades estaduais e prefere focar no Enem e em cursos privados.
— Medicina nestas faculdades (USP, Unicamp e Unesp) é desumano, você tem de praticamente gabaritar a prova — opina a adolescente, que diz não ter como ficar quatro ou cinco anos em um pré-vestibular.
Diretor da Comissão Permanente para o Vestibular da Unicamp (Comvest), José Alves atribui à covid-19 e ao longo período de escolas fechadas grande parte da redução de inscritos.
— Isso levou estudantes a ficarem mais desestimulados, é um processo seletivo exigente. Muitos candidatos talvez tenham se sentido pouco preparados para poder enfrentar uma maratona, como essa no caso da Unicamp — destaca.
Segundo Alves, foi justamente a carreira de Medicina, uma das mais disputadas na maioria dos processos seletivos, a principal responsável pela queda de inscritos deste ano. Para a entrada em 2023, a relação candidato/vaga para este curso é de 294.
Embora alta, essa taxa na edição anterior era de 325 por vaga, ou seja, são 30 estudantes a menos na disputa por uma cadeira. Mas mesmo com a alta cobrança de conteúdos e a possibilidade de fazer a prova perto de casa, a baiana Mariana Neri, de 16 anos, decidiu viajar para São Paulo, com uma amiga, com o objetivo de encarar a Fuvest.
— O Enem dá poucas vagas para entrar na USP. Acredito que fazendo o vestibular tenho mais chances, por ter mais vagas — aposta a adolescente.
Vagas no exterior
Se a baixa renda das famílias é um obstáculo determinante no caminho de jovens pobres até a universidade, a perspectiva de ir para fora do país atrai estudantes de escolas particulares.
Lucas Faro, 17 anos, é um deles. Aluno do colégio Pentágono, em São Paulo, o jovem até se inscreveu na Fuvest, mas "apenas por fazer", em suas palavras. A meta dele é ser aceito em uma universidade dos Estados Unidos ou do Canadá, onde pretende se especializar nas áreas de Economia e Ciência Política. Para se dedicar aos planos no exterior — o processo de admissão envolve também entrevistas e o envio de cartas — ele abriu mão das provas de Unicamp e Unesp.
O Enem também se tornou uma porta de acesso a instituições de ensino superior no exterior. Por meio de acordos com o governo brasileiro, 51 instituições de ensino portuguesas aceitam a prova no processo de admissão, entre elas as universidades de Coimbra, do Porto e de Lisboa.