Um projeto que teve início pelas mãos de um só voluntário hoje oferece aulas gratuitas de tênis para mais de cem crianças e adolescentes de Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Estado. Antes chamado Sacando Para a Vida, o Ace do Futuro existe desde 2015 e usa o esporte para evitar o uso de drogas entre jovens em situação de vulnerabilidade, oferecendo uma alternativa: a cidadania.
O atendimento é oferecido a estudantes de todas as redes de ensino. Rihana Marques de Ávila e Isabele Caroline Soares Grippa, ambas de 12 anos, podem até ser novas, mas já contam com uma trajetória de anos no tênis. Rihana deu seus primeiros passos no esporte aos quatro anos, enquanto Isabele aos seis. As duas começaram no projeto e, desde então, nunca mais largaram a raquete.
— A minha família inteira é de esportistas. Minha mãe é professora de paddle, meu pai fez esporte aéreo, minha irmã jogou basquete. Eu já passei por muita coisa de esporte, mas o tênis é a minha paixão e eu não trocaria ele por nada. Conheci muita gente boa aqui — ressalta Rihana.
Já a história de Isabele é outra – a família da menina não tinha a cultura do esporte que existe na da amiga. No entanto, ela e sua irmã inauguraram uma nova tradição:
— A minha irmã vinha jogar tênis aqui, aí eu me interessei. Fiquei curiosa de conhecer o projeto e, aos seis anos, comecei a jogar. Com 10, comecei a ir aos torneios.
Quando a reportagem de GZH foi ao local onde as aulas acontecem, em setembro, espaço onde antes funcionava um clube e, hoje, está lotada a Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, as adolescentes e outros colegas que já participam de competições exibiam os troféus que já ganharam nesses torneios. A maioria é do Circuito de Tênis Gaúcho, realizado pela Associação Leopoldense de Esporte e Cultura, com supervisão da Federação Gaúcha de Tênis. Nesses eventos, elas já conheceram cidades como Santa Maria, Porto Alegre, Santa Cruz do Sul, Lajeado, Gramado e Carazinho.
— As viagens, os equipamentos, é tudo realmente bem caro, porque há muito tempo o tênis é conhecido como um esporte de classe alta, que só ricos jogam. Por isso os projetos sociais são tão importantes, porque eles mostram que todo mundo de todas as realidades pode jogar — defende Rihana.
Filhos de Danielle Rigon Soares, Inácio Soares de Castro, sete anos, e Isabella Soares de Castro, 11, participam do projeto desde o ano passado, quando muitos dos protocolos sanitários referentes à pandemia foram flexibilizados. O gosto pela rotina de aulas, que ocorrem duas vezes por semana, surgiu nos dois – seja pela vontade de conviver com outras crianças ou pelo interesse em levar o tênis mais a sério.
— A Isabella quer continuar. Ela vê que tem outras maiores que vão para torneios, participam de viagens e competições. Acompanha, procura as jogadoras de tênis na internet. Para ela, está sendo o máximo — conta a mãe.
Danielle lembra que o período de isolamento social gerou prejuízos ao desenvolvimento dos filhos, tanto em termos de socialização quanto de coordenação motora, e que o esporte também é uma forma de recuperar o tempo perdido:
— A fala, a coordenação, tudo muda, até pela própria insegurança que os adultos foram passando para eles na pandemia, o que não é natural. O natural das crianças é se expandir, brincar, correr, fazer amizade com facilidade, e isso foi cortado nessa época. Esse projeto está resgatando isso neles, também.
A mãe relata que muitas crianças que participam do projeto moram em bairros periféricos de Uruguaiana, que são mais violentos e, possivelmente, estariam na rua se não frequentassem as aulas.
— Isso aqui é um incentivador — resume Danielle.
Fabiane Gomes Pulhese resolveu colocar no projeto os filhos, Manuela Gomes Pulhese, 15 anos, e Felipe Gomes Pulhese, nove, depois de receber relatos da professora de que o menino estava “hiperativo” em sala de aula e com dificuldade de concentração.
— No primeiro dia, ele não queria nem vir, chorou e tudo. Depois, gostou e, hoje, chega a contar os dias para vir para o esporte. Está sendo muito bom. Está dando uma melhorada na hiperatividade —conta Fabiane, que acha a prática esportiva favorável também para as crianças fazerem amizades.
Transformação pelo esporte
Idealizador do projeto, Junior Motta teve sua própria vida transformada pelo contato com os esportes. Quando tinha cerca de seis anos, era "goleiro" de tênis em um clube de Uruguaiana – ou seja: buscava as bolinhas usadas na prática. No dia a dia, começou a jogar, parando aos 14 anos. Aos 15, começou carreira no futebol, tendo jogado no Grêmio, mas acabou encerrando a trajetória aos 28, devido a um problema no joelho. Aí, cursou Educação Física e começou a dar aulas no município.
— Eu sei o que o esporte pode fazer na vida de uma criança. Eu era de uma família simples e o esporte me proporcionou muitas oportunidades. Fui campeão de base no Japão, campeão gaúcho, joguei três anos com o Ronaldinho. Acredito muito que o esporte pode transformar vidas — comenta Junior.
Em 2015, o projeto começou com aulas de tênis que ele resolveu oferecer para crianças em situação de vulnerabilidade. O interesse dos pequenos foi imediato, segundo o educador, e, com o apoio de parceiros, os estudantes passaram a ganhar lanches, raquetes e outros materiais. Com o tempo, ganhou o apoio também da prefeitura, que, atualmente, é a única coordenadora do Ace do Futuro. Pelo menos 500 crianças e adolescentes já foram atendidos pelo projeto.
O professor se mudou para Bagé há um ano. Desde então, quem dá aula para as crianças é Vinícius Soares de Oliveira, que teve aulas com Junior. Mesmo assim, o idealizador do projeto segue acompanhando de longe seus pupilos.
A gratificação é enorme, porque eu fico lembrando de onde aquelas crianças vieram. Através do projeto, elas viajam o Estado inteiro, param nos melhores hotéis. O mundo se abre para algo que elas jamais imaginaram."
JUNIOR MOTTA
Idealizador do projeto
— A gratificação é enorme, porque eu fico lembrando de onde aquelas crianças vieram. Através do projeto, elas viajam o Estado inteiro, param nos melhores hotéis. O mundo se abre para algo que elas jamais imaginaram. Eu sigo estimulando. Sempre digo que ser jogador profissional é difícil, mas que o esporte tem um segmento muito vasto. A pessoa pode ser psicóloga de esporte, médico, fisioterapeuta, ter a oportunidade de estudar em outro país — enumera Junior, citando Antonella Xavier, uma jovem formada no projeto que chegou a ser a melhor de sua categoria no RS e hoje mora nos Estados Unidos, após receber um convite para jogar no país.
Para o educador, esse potencial ajuda também no combate à violência e ao uso de drogas.
— Não são todos, mas muitos dos alunos vivem uma vida sem perspectiva, sem sentido. Aí, vão aonde os amigos vão, que é pro baile, pra festinha, pra bebida. A droga fica muito fácil. A gente vê que o esporte começa a dar um objetivo pra vida deles. Eles percebem que precisam treinar, que se beberem vão ter um rendimento menor e não vão se destacar — afirma o idealizador.
Aos poucos, conforme Junior, a postura desses jovens em relação à vida mudava, inclusive na escola, já que uma das exigências para seguir competindo é que o estudante tenha boas notas.
Incentivo municipal
A procura pelo projeto é grande, de acordo com o prefeito de Uruguaiana, Ronnie Mello. A prioridade é para crianças de famílias de baixa renda, que, sem as aulas gratuitas, não teriam a oportunidade de conhecer o esporte. Para o gestor, este é um dos investimentos mais baratos e efetivos no futuro.
— Além de moldar o corpo, o esporte molda caráter, disciplina, respeito pelo pai, pelo professor. Esporte e cultura, pra mim, são as ferramentas mais fáceis de investir e se consegue com muito pouco fazer uma transformação nas comunidades. E é o que a gente vem fazendo hoje — garante o prefeito, relatando investimentos também em projetos ligados a basquete, futsal, jiu-jítsu e hidroginástica.
No entendimento de Mello, o combate ao uso de drogas acontece por meio de uma rede. Para ele, a gestão relacionada a esportes precisa estar vinculada a questões de saúde, assim como à educação, a fim de, entre outros, reduzir o acesso dos jovens às drogas.