O preconceito com base em estereótipos acerca dos mais velhos, chamado de “etarismo” vai contra o Estatuto da Pessoa Idosa (EPI), segundo o qual são vedadas a discriminação e a fixação de limite máximo de idade em ambiente profissional. Todavia, o mercado de trabalho, é farto em relatos de quem não consegue uma colocação, apesar do conhecimento e da experiência, apenas por ter mais de 50 anos. Essa realidade atinge profissionais com formação acadêmica, com cargos de gerência em grandes empresas e, também, trabalhadores de áreas que exigem menos formação. GZH buscou histórias de pessoas que atuam em áreas que exigem menor qualificação e que sentem na pele como o envelhecimento dificulta o acesso às vagas.
Para trabalhadores menos qualificados, é o envelhecimento corporal que atrapalha – são os casos da construção civil, serviços gerais ou da agricultura, por exemplo. A falta de emprego ocorre apesar da necessidade de trabalhar, algo acentuado na pandemia, quando muitos avôs e avós passaram a segurar as contas da família. Como consequência, idosos adiam a saída do mercado de trabalho.
A empregada doméstica Dinorá da Silva Nunes, 67 anos, trabalhou mais de três décadas na casa de uma família e agora faz faxinas esporádicas. Fundadora da Associação das Trabalhadoras Domésticas de Porto Alegre, ela participou do curso Domésticas com Direitos, realizado pela Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, do qual foi também monitora.
Conta que o esforço físico ao longo de anos cobrou a fatura com dores na coluna, mas a necessidade de pagar as contas exige que ela siga atuando. Dinorá tem cinco filhos, nove netos e três bisnetos.
— Muitas patroas nem querem quando sabem que é uma pessoa com mais de 60 anos. Na hora em que a gente chega, elas falam: tu vais conseguir fazer todo o trabalho? Acham que vai ser mais caro porque precisa voltar no outro dia. Trabalho onde a patroa aceita, para quem me conhece há mais anos. Veio essa pandemia, tive perda financeira, fiquei endividada, preciso trabalhar para cobrir dívidas — conta.
Mesma dificuldade é enfrentada pela mestre de obras Carmen Lúcia Cunha, 57 anos, que trabalha há mais de quatro décadas na construção civil. Faz desde pintura e reboco até trabalhos na parte hidráulica e elétrica. Também atua como instrutora na ONG Mulheres em Construção, que ensina habilidades da construção civil. Apesar da larga experiência, ela vive duplo preconceito no trabalho – ser mulher e mais velha.
Leia as outras partes desta reportagem:
Primeira parte: Preconceito contra profissionais com mais de 50 anos é realidade, mas funcionários seniores serão fundamentais no futuro
Terceira parte: Estabilidade e experiência são trunfos dos profissionais com mais de 50 anos contra o preconceito
A doméstica mais velha tem mais experiência. A nova ainda tem que aprender. Cada família é uma rotina, não é a mesma coisa. As mais velhas faltam menos e obedecem mais a horários. Eu sempre fico mais um pouquinho se a patroa precisa.
DINORÁ DA SILVA NUNES, 67 ANOS
Empregada doméstica
— Não é fácil. Quando tu chegas numa obra, acham que tu és mulher e não vais saber fazer. Tem que dar um show de explicação, mostrar respeito e que temos capacidade. Aí, quando a gente envelhece, acham que a gente não vai dar conta. Falam que vão botar um cara, que aí é mais rápido. Mas a tecnologia está muito avançada, então não importa a idade. Tem porcelanato com mais de 40 quilos e acham que a gente não vai conseguir pegar, mas existe ferramenta para pegar esse peso e não maltratar a coluna. O que tem que ter é conhecimento e querer aprender — diz a mestre de obras.
Para casos em que o corpo traz impedimentos, especialistas em RH indicam troca de carreira. A professora da FGV Anna Cherubina destaca que todos são bons em mais de uma atividade – e que é preciso se conhecer e apostar em outras possibilidades. Ou empreender.
— Às vezes, o mercado precisa de serviços que as pessoas não percebem e a oportunidade está ali ao lado. E as pessoas têm talentos que podem aprimorar na internet com cursos gratuitos. Claro que é mais fácil para quem tem mais qualificação, mas todos podem se encontrar — afirma a especialista.
A mudança na cultura empresarial para valorizar profissionais prateados, dizem analistas, deve começar o quanto antes. Políticas públicas podem puxar o avanço: no Congresso Nacional, tramitam propostas para destinar cotas a idosos em universidades federais e para que empresas reservem percentual das vagas aos mais velhos, mediante incentivos fiscais.
— Não basta inserir pessoas com 50 anos ou mais, precisa fazer essas pessoas se sentirem incluídas, receberem treinamento e terem possibilidade de desenvolvimento equânime na carreira. É aí que o bicho pega — diz a psicóloga Juliana Seidl, fundadora da consultoria Longeva e integrante do Movimento Atualiza, de combate ao etarismo.
A pessoa mais velha tem mais experiência e know-how. Resolvemos problemas mais rapidamente, temos a malandragem que o jovem não tem. O jovem quer trabalhar, mas tem pavio curto. A Lúcia de 57 anos tem muito mais sabedoria, conhecimento e respeito ao próximo do que a Lúcia jovem.
CARMEN LÚCIA CUNHA, 57 ANOS
Mestre de obras
O estudo da Ernst & Young sobre etarismo, citado no início desta reportagem, instiga empresas a refletir: “Lideranças são a principal barreira à inserção de profissionais 50+ nas empresas. E como a cultura se define pelas ações dos líderes, a mudança precisa começar na alta direção das organizações – que, ironicamente, costuma ser formada por pessoas com mais de 50 anos. Os líderes entendem que terão vida longa e produtiva, mas precisam abrir essa chance para outros em diferentes áreas e níveis hierárquicos”. Propostas e campanhas de combate à discriminação por idade ganham relevância no Brasil do futuro – afinal, todo brasileiro, em algum momento, será idoso. Por mais que se queira evitar, os cabelos brancos chegam para todos.