Apesar de recomendado pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e pelo Ministério da Educação (MEC) como ferramenta pedagógica, o GraphoGame, aplicativo citado pelo presidente Jair Bolsonaro como capaz de alfabetizar crianças em seis meses, não tem um programa específico para acompanhar o uso do aplicativo nas escolas estaduais gaúchas. De cinco municípios consultados por GZH, incluindo Porto Alegre, apenas uma cidade da Região Metropolitana admitiu usar o recurso nas escolas municipais.
A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), que adaptou a ferramenta para uso nas escolas brasileiras ressalta, entretanto, que, ao contrário do que diz o presidente, o aplicativo não é capaz sozinho de alfabetizar. Em nota, a instituição também afirma que o aplicativo pode ser uma ferramenta de apoio em sala de aula.
O GraphoGame foi desenvolvido por empresa finlandesa e o Ministério da Educação (MEC), na gestão de Milton Ribeiro, pagou R$ 274,5 mil à universidade gaúcha para que fosse traduzido para o português. O lançamento ocorreu em novembro de 2020, e o objetivo do MEC foi apoiar professores, em atividades de ensino remoto, e famílias, no acompanhamento das crianças no processo de letramento durante a pandemia.
Hoje, o recurso faz parte do programa do MEC de alfabetização oficial, chamado Tempo de Aprende. Procurada pelo jornal O Estado de S. Paulo, a assessoria de imprensa do Ministério da Educação informou que o aplicativo é "uma ferramenta de apoio à alfabetização, que complementa, e não substitui, a atuação dos professores em sala de aula".
Um estudo feito por pesquisadores noruegueses e publicado na revista científica Reading Research Quarterly, em 2020, confirma que que o GraphoGame não tem "nenhum efeito significativo" na leitura de palavras se usado pela criança sem o auxílio especializado. A análise considerou 28 estudos sobre o aplicativo e concluiu que ele tem efeito positivo leve somente quando há "alta interação com adultos", sugerindo o uso em sala de aula. Segundo informações do site da GraphoGame, a ferramenta foi adotada por escolas em países como Finlândia e França, mas também na Guatemala, Peru, Bolívia, Zâmbia e Venezuela, por meio de parcerias com organismos internacionais.
GZH consultou aleatoriamente cidades gaúchas, de diferentes tamanhos e regiões, para saber se as escolas municipais utilizam o aplicativo. Em Porto Alegre, a rede não usa o GraphoGame. Mesma situação ocorre em Passo Fundo, no norte do Estado, e em Morro Reuter, no Vale do Sinos.
Em Dom Feliciano, na região Centro-Sul, a Secretaria Municipal de Educação indicou aos professores a utilização nas cincos escolas de ensino fundamental durante a pandemia, quando a comunidade escolar ainda estava em distanciamento. Os docentes, então, repassaram aos grupos de pais no Whatsapp a sugestão de fazerem o download do GraphoGame para aqueles que tivessem um dispositivo compatível.
— Não chegamos a fazer um acompanhamento, e ele não foi um sistema de ensino adotado pela Secretaria. Ele foi como orientação naquele momento de pandemia, como uma ferramenta a mais de auxílio à alfabetização. Eventualmente, continua tendo o acesso nas escolas, mas ele não obrigatório — explica a coordenadora pedagógica do município, Carmem Terezinha Wolowski de Jesus.
— O aplicativo é muito bom, mas depende das condições financeiras da população. A família precisa ter um celular para baixar o aplicativo, mesmo que ele seja usado sem movimentação de dados móveis ou wi-fi. Hoje, porém, as nossas famílias têm celulares para usar Whatsapp e que não têm grande memória. Se tivesse uma política pública para conseguir aparelhos para essas famílias, com certeza seria apoiado. É um programa muito bom, mas existe condicionalidades contrárias à implementação efetiva. A realidade é diferente — explica a assessora pedagógica da Secretaria de Educação de Dom Feliciano, Maria Angélica Balczarek Andrzejewski.
Em Cachoeirinha, na Região Metropolitana, a Secretaria Municipal de Educação ofertou formação aos professores, principalmente, de primeiro e segundo ano do Ensino Fundamental para usar o aplicativo, por meio do programa federal É Tempo de Aprender.
— As salas de atendimento educacional especializado usam com as crianças de inclusão, e cerca de 40% dos professores da pré-escola, primeiro, segundo e terceiro anos, porque estamos resgatando a aprendizagem, utilizam o GraphoGame como introdução, recreação para aprender na leitura e na escrita, principalmente, porque trabalha um jogo lúdico — explica a coordenadora pedagógica da Secretaria, Ana Cristina de Oliveira Martins.
De acordo com Ana Cristina, a iniciativa foi aprovada pelos pais dos estudantes. Hoje, cerca de 40 professores utilizam o aplicativo em sala de aula.
— Estamos com a esperança de que o número (de crianças atingidas) seja ampliado em função das lousas interativas que estão chegando às escolas, nesta semana. Com uma tela maior, com melhor recurso, vamos começar a ter este programa com reconhecimento da sua importância na rede municipal — prevê a coordenadora pedagógica da rede de Cachoeirinha.
Quanto aos resultados, Ana Cristina informa que há relatos de alguns professores de que "as crianças ficam mais tempo atentas" enquanto usam o GraphoGame. Mas ela destaca que a rede só terá certeza de resultados depois da avaliação processual que ocorrerá entre 31 de outubro e 4 de novembro.
Nota, na íntegra, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS):
"A PUCRS, por meio de um projeto de pesquisa multidisciplinar, foi responsável apenas por realizar a adaptação para o português do aplicativo GraphoGame, jogo desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Finlândia com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento da consciência fonológica e fonêmica das crianças, ou seja, na relação letra e som (grafema-fonema).
A universidade explica que o aplicativo pode ser uma ferramenta de apoio, mas que sozinho não é capaz de alfabetizar. Este não foi e não é o objetivo da iniciativa e dos pesquisadores em nenhum momento. Para uma criança ser alfabetizada ela precisa de instrução sistemática e consistente, precisa de vivências e sem dúvida alguma do apoio da Escola e especialmente de educadores."
Íntegra da fala de Jair Bolsonaro sobre o GraphoGame, no debate da Band:
"Até que enfim uma verdade, uma sinceridade. Os alunos ficaram mais analfabetos do que já eram. O 'já eram' foi no teu governo, Lula e Dilma. A garotada ficou dois anos em casa, e eu fui contra isso. Mas vamos aos fatos, nós já estamos fazendo. O nosso ministro da Educação tem um aplicativo, que foi aperfeiçoado e já está há um ano em vigor. Chama-se GraphoGame. Ou seja, num telefone celular se baixa o programa e a garotada fica ali: letra A e aparece o som de A. Vai para a sílaba C e A, CA. E, no passado, no tempo do Lula, a garotada levava três anos para ser alfabetizada. Agora, em nosso governo, leva seis meses. Ou seja, a grande diferença está aí. A gente não fala que vai fazer, a gente mostra o que está fazendo. O seu Paulo Freire, Lula, não deu certo. E mais do que isso, nós vamos começar agora com o Fies técnico para a garotada do ensino médio ter uma profissão: auxiliar de enfermagem, marceneiro, entre tantos outros. Esta é a diferença do nosso governo e do teu. Tu nunca se preocupou em educar ninguém no Brasil. Nós educamos e alfabetizamos."