Se antes da pandemia os estudantes do século 21 já não eram fãs de aulas exclusivamente expositivas, com os professores escrevendo o conteúdo no quadro e a turma copiando no caderno, agora este mundo ficou para trás. O período de distanciamento forçado trouxe a necessidade de qualificar os instrumentos de comunicação das escolas com estudantes e suas famílias e de investir em ferramentas digitais. Com a volta das aulas presenciais obrigatórias, porém, a cultura de maior interatividade não deve ficar para trás.
Até o início de 2020, a Escola Estadual de Ensino Médio André Leão Puente, de Canoas, já tinha grupos no Facebook e uma conta no WhatsApp para se comunicar com sua comunidade, que eram administrados pelo diretor da instituição, Felipi Vidal Fraga. Com as aulas remotas, porém, o atendimento virtual precisou ser mais profissionalizado – um novo celular foi adquirido e foram designados profissionais para responder as mensagens enviadas para o WhatsApp de manhã, à tarde e à noite.
— O maior mérito da escola, e que nos ajudou a manter alunos, foi afinar a comunicação, e o WhatsApp nos ajudou nisso. Essa é uma ferramenta tão importante, que acho que falta uma política voltada para a comunicação nas escolas públicas — observa Fraga.
Enquanto muitas instituições perderam alunos, a André Leão Puente até ganhou – se, em 2020, o número de matriculados girava em torno de mil, em 2021 o número subiu para 1,4 mil. Outro instrumento que ajudou na manutenção do vínculo com os estudantes foi o investimento em podcasts. Hoje, os programas são semanais e transmitidos ao vivo pelo YouTube, diretamente da biblioteca da instituição. Depois, vão também para o Spotify. Os assuntos são variados – música, literatura, mercado de trabalho e outros temas de interesse dos alunos.
— Se tornou algo para tentar atingir os alunos e ajudá-los mesmo depois de eles terminarem a escola. Atualmente, um dos participantes fixos do podcasts é, inclusive, um ex-aluno — destaca o diretor, que pretende montar um estúdio dentro da escola.
Ainda que tenha certeza de que o uso de tecnologias veio para ficar, Fraga salienta alguns desafios nesse percurso. Entre eles, está a criação de uma cultura digital nas escolas, para que a estrutura montada seja realmente aproveitada pelos professores. Outro diz respeito à manutenção do investimento nessa área, uma vez que o uso de recursos tecnológicos demanda reposição de aparelhos que vão se tornando obsoletos e necessitam de assistência técnica constante.
Atendendo um público que, muitas vezes, se encontra em situação de vulnerabilidade social, a Escola Municipal de Educação Básica Dr. Liberato Salzano Vieira Da Cunha, do bairro Sarandi, em Porto Alegre, teve o ensino remoto muito prejudicado ou inexistente, dependendo da turma. Para sanar essa dificuldade, a instituição criou a campanha Celular do Bem, de arrecadação de aparelhos para famílias numerosas, nas quais, por vezes, quatro ou cinco estudantes dependiam do celular da mãe, que só chegava do trabalho no final da tarde, para fazer as atividades remotas.
Ainda que bem-sucedida, com a arrecadação de cerca de 40 celulares, tablets e notebooks, a campanha não resolveu totalmente o problema, e a escola manteve boa parte de suas atividades em materiais impressos, entregues quinzenalmente para as famílias. A aprendizagem ficou prejudicada, mas a instituição conta com o uso dos 90 Chromebooks que ganhou durante a pandemia para ajudar na recuperação dos conhecimentos.
— Os professores usam os equipamentos para fazer pesquisas e temos também uma turma-piloto, que participa de uma oficina de programação. Participamos também do projeto Meninas na Ciência, na qual as alunas da escola vêm aos sábados para usar os computadores, aprender robótica e mexer em softwares. O uso desses recursos já estava vindo à tona, se intensificou e acho que veio para ficar — analisa a diretora da escola, Izabel Brum Abianna.
Rede privada
A ampliação dos canais de contato com as famílias não se deu somente na rede pública. No Colégio Santa Doroteia, no bairro Cristo Redentor, na Capital, para além de tratar de questões mais objetivas, os recursos tecnológicos também passaram a ser usados para tratar de situações pedagógicas ou socioemocionais, o que permitiu que a equipe pedagógica seguisse acompanhando alunos e famílias.
Além dos encontros mais privados, as ferramentas digitais também deverão se manter em eventos como reuniões gerais e palestras que acontecem no turno da noite, segundo a instituição. A constatação foi de que a participação dos pais foi significativamente maior em encontros virtuais do que era nos presenciais.
Já muito afeito ao uso de tecnologias antes da pandemia, o Colégio Israelita Brasileiro, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, incorporou de uma vez por todas o uso de recursos digitais em sala de aula. São plataformas de aprendizagem de áreas como matemática, desenvolvimento da competência leitora, robótica e empreendedorismo. A parceria com outras escolas também aumentou – há trabalhos feitos em conjunto com alunos de escolas da Espanha e de Israel, por exemplo.
— O professor pode, por exemplo, dividir uma turma em três categorias. Enquanto um terço trabalha na plataforma, outro terço trabalha com o professor e o outro com o professor auxiliar, com atividades distintas, e aí vão trocando ao longo da aula. As plataformas são ótimas, porque ajudam na personalização. O professor não precisa fazer cinco ou seis planejamentos “no braço”, porque tudo está pronto na plataforma — destaca o superintendente do Israelita, Jânio Alves.
Além dessa facilidade, a instituição focou na saúde mental de alunos e professores, com a realização de acompanhamento psicológico e trabalhos com atividades sobre projeto de vida e mindfullness, por exemplo. Hoje, a escola conta com quatro psicólogos e oito estagiários de Psicologia para fazerem a observação e o encaminhamento dos estudantes da escola. Alves salienta, ainda, a revalorização dos espaços físicos da escola, a ressignificação do papel do professor e a atualização das competências digitais como legados da pandemia.
No Colégio Anchieta, no bairro Três Figueiras, em Porto Alegre, o período representou uma derrubada de fronteiras. Diretor acadêmico da escola, Dário Schneider relata, por exemplo, que foi desenvolvido o projeto Simulação das Nações Unidas, do qual participaram 12 escolas da Capital, sete jesuítas de outras cidades brasileiras e instituições também da América Latina e dos Estados Unidos. Não precisar mais pensar geograficamente, e sim globalmente, tem feito com que os estudantes experienciem a interculturalidade por meio de canais como o YouTube e o Teams.
— A vida se transformou e, com ela, as nossas instituições se transformaram e o nosso fazer com isso também teve que se transformar. Este é o grande legado — resume Schneider.
Essa transformação não veio do nada. A escola investiu em oferecer conectividade em suas salas de aula e em oferecer formação e estrutura de apoio para seus professores. O diretor acadêmico destaca a parceria entre os docentes, que se “tutoravam” entre si, nos assuntos que dominavam mais, como um sucesso deste período e uma prática que também veio para ficar.
Legado positivo e negativo
Bettina Steren, docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), aponta aspectos positivos e negativos da vivência pandêmica na educação. Entre os positivos, estão a familiaridade dos professores com as tecnologias, a valorização do trabalho dos docentes e o trabalho colaborativo entre eles.
— A escola não está limitada à sala de aula, e o trabalho em equipe é fundamental. Nós nunca aprendemos nada sozinhos. Ter necessidade de pedir ajuda colaborou muito e seria importante que essa prática se mantivesse. Agora, se vai se manter, vai depender de a escola incentivar isso. Mas, quando se aprende a pedir ajuda, é difícil de parar — pontua Bettina.
Há, porém, legados preocupantes na pandemia, na visão da professora da PUCRS. O principal é o aumento da desigualdade entre estudantes de escolas públicas e privadas, mas também há outros – é necessário, agora, ficar de olho na diversidade de alunos que chegam à sala de aula, pois há aqueles que tiveram apoio dos pais, aqueles que não tiveram, os que ficaram em depressão, os que começaram a trabalhar, os que não acompanharam as aulas, entre tantas outras diferenças.