Iniciado nesta segunda-feira (8), o retorno obrigatório às aulas presenciais nas escolas gaúchas foi marcado por aumento no número de alunos em sala de aula em Porto Alegre. O clima é de retomada gradual – em muitas instituições de ensino, tanto públicas quanto privadas, ainda havia muitas classes vazias. No entanto, os diretores apontam que o movimento de estudantes está maior do que era até semana passada.
Na rede privada, no Colégio ACM, no centro da Capital, as salas de aula estavam longe da lotação máxima. Em média, metade das classes estavam ocupadas. Nos corredores, monitores ficam à disposição, para o caso de algum aluno precisar se deslocar para o banheiro ou outros espaços. Segundo a diretora da instituição, Rosângela Bortolini, será possível mensurar a adesão ao presencial ao longo da semana.
— No Ensino Médio, estamos com uma dificuldade maior. Tem famílias que se mudaram para Santa Maria, para a praia, e estão se organizando. Aos poucos, os alunos estão vindo — resume a diretora.
Antes do decreto que determinou a obrigatoriedade do retorno, em torno de 90% dos estudantes da Educação Infantil ao Ensino Fundamental já estavam frequentando as aulas presenciais. No Ensino Médio, porém, o índice baixava para 65%. Nesta segunda, quando a reportagem de GZH visitou a instituição, Rosângela avaliava que mais alunos tinham voltado.
No fim da tarde, a prefeitura da Capital publicou decreto com regramentos sobre o retorno. O documento segue a proposta do governo do Estado, destacando que as instituições públicas e privadas que não puderem garantir o distanciamento mínimo devido ao tamanho do espaço físico poderão adotar o sistema de revezamento. Já o regime remoto ou híbrido permanece somente para alunos que apresentarem atestado médico.
Com mais de 3 mil estudantes, o Colégio Marista Rosário, no bairro Independência, não poderá abandonar o revezamento em muitas das suas turmas de anos finais e Ensino Médio. A adesão ao regime presencial está alta – antes mesmo de se tornarem obrigatórias, as aulas na escola já tinham a frequência de 95% dos alunos.
Na manhã desta segunda, as salas de aula do Rosário estavam cheiras – guardado o distanciamento mínimo de um metro por classe. No primeiro dia de atividades presenciais obrigatórias, os estudantes realizavam provas.
— Percebemos um aumento na presença dos alunos. Antes, tínhamos 95% de presencialidade. Agora, com o decreto estadual, houve um aumento especialmente no Ensino Médio, e temos 98,27% — destaca Leia Almeida, vice-diretora educacional do Rosário.
Uma pesquisa divulgada pelo Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS) nesta segunda-feira (8) mostrou que a maioria das escolas particulares gaúchas (73,5%) conseguirá receber todos os estudantes em sala de aula a partir deste primeiro dia de retorno presencial obrigatório. Outras 23,9% ainda precisarão fazer revezamento de alunos, devido ao distanciamento mínimo de um metro entre classes, e 2,6% não souberam responder.
De acordo com a pesquisa, a necessidade de rodízio ocorrerá, em média, em 30% das turmas. Esse número tem como base a quantidade de estudantes matriculados em cada ano, sendo assim, poderá ser menor caso haja alunos que precisem permanecer em casa por razões médicas. O levantamento foi realizado de 1º a 4 de novembro, com 113 instituições particulares da Educação Básica.
Bruno Eizerik, presidente do Sinepe, destaca que cerca de 80% dos alunos da rede privada já estavam tendo aulas presenciais antes da obrigatoriedade e que, dos 20% que não frequentavam a escola, 6,8% eram em decorrência de comorbidades. Ou seja, somente 14% deveriam retornar agora:
— Não temos um grande contingente de alunos para voltar. Mas, mesmo assim, entendemos que é fundamental essa obrigatoriedade, para que os estudantes já comecem a se readequar à sala de aula.
O principal relato entre os diretores da rede, segundo Eizerik, é de que o primeiro dia de retorno foi muito tranquilo. Ele ressalta a importância da presencialidade, mesmo que o fim do ano letivo já esteja próximo, especialmente pela questão do desenvolvimento das crianças e dos jovens.
Rede estadual
A rede estadual contava com uma adesão muito mais baixa do que a privada. No Colégio Protásio Alves, no bairro Azenha, que oferece Ensino Médio, a presença de estudantes aumentou bastante, segundo a vice-diretora, Daniela Mussi, mas metade ainda não está indo à escola.
— Os pais estão se organizando, providenciando dinheiro para a passagem de ônibus e inserção no programa Vou à Escola, para quem é de baixa renda. Temos alunos da cidade toda, então o dinheiro para a passagem dificulta a vinda deles — relata Daniela.
Por enquanto, a instituição não está precisando fazer revezamento nas turmas, mas, com o retorno presencial obrigatório, ele deve passar a acontecer. A expectativa da vice-diretora é de que, até sexta-feira (12), muita gente volte. Nesta segunda, no entanto, o cenário era de muitas salas de aula com cerca de dez alunos. Em uma turma do 3º ano, apenas um estudante havia comparecido. O baixo número de estudantes, somado à falta de alguns professores, gerava a necessidade de unificar turmas.
Estudante do 2º ano, Eduarda Vieira Fraga, 16 anos, foi nesta segunda pela primeira vez à escola desde o início da pandemia.
— Eu me adaptei bem ao modelo remoto, então não tinha por que voltar — justificou.
A turma de Eduarda presente em sala de aula era formada por dez alunos. Perguntados sobre como estavam as condições dos ônibus, para o deslocamento, a resposta foi unânime: os veículos vinham lotados e, às vezes, até passavam reto pelas paradas.
No Instituto Estadual Rio Branco, no bairro Rio Branco, a diretora Maria de Lurdes Zanon comemorava a quantidade de estudantes nas aulas presenciais do turno da manhã, que dobrou, em relação à semana passada – passou de 100 para 200. O número, porém, representa um quarto dos 800 matriculados.
— Ainda há uma resistência muito grande das famílias. A adesão do Ensino Médio, por exemplo, era de 10%. Hoje, aumentou. Como temos revezamento, só na semana que vem saberemos com certeza qual foi a adesão — destaca Maria de Lurdes.
Julia Camini, 16 anos, estudante do 2º ano do Rio Branco, não havia ido à escola desde março de 2020. Disse que até gostaria de ter voltado antes, mas que será difícil se acostumar novamente com a rotina.
— Me habituei a dormir muito tarde. Seria melhor voltar no ano que vem, com todo mundo vacinado e com mais tempo para se acostumar de novo com a rotina — analisa a adolescente.
Localizado na região central da cidade, o colégio recebe alunos de todas as partes da cidade e até de outros municípios, como Viamão e Alvorada. As famílias alegam que a passagem está muito cara e que muitos estudantes, especialmente os do 3º ano do Ensino Médio, passaram a trabalhar e já não têm tempo para a escola. A esperança da diretora é que muitos retornem no ano que vem, quando estiverem mais organizados.
Na Escola Estadual Luciana de Abreu, no bairro Santana, atualmente a adesão é de quase 100% dos alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e de 50% dos estudantes dos Anos Finais. Na manhã desta segunda, a diretora, Maria Rita Cezimbra, se preparava para receber as turmas na instituição, que só funciona à tarde.
— Estamos com um problema muito grande com alunos que tiveram que se mudar para longe da escola, por questões financeiras. A tendência é que eu perca alunos por conta da falta de dinheiro para o ônibus. Dói muito ver isso — lamenta Maria Rita.
Para a diretora, em vez de fazer revezamento de partes das turmas, seria melhor iniciar o ano letivo de 2022 com turmas menores, a fim de que os estudantes tenham aulas presenciais todos os dias. Na Luciana de Abreu, Maria Rita decidiu não revezar nas duas turmas nas quais isso seria necessário, pois entende que o aprendizado das crianças depende de constância.
Entre as Coordenadorias Regionais de Educação (CREs), as manifestações referentes ao retorno presencial foram muito positivas e animadoras, afirma a secretária estadual da Educação, Raquel Teixeira. Segundo ela, considerando as perdas que a aprendizagem sofreu durante a pandemia de covid-19, não há dúvidas de que a retomada neste momento era necessária e importante para o setor de ensino.
— É claro que teremos problemas aqui e ali, mas a análise principal é de que temos condições de ter um ambiente seguro na escola. Ainda temos 150 horas de aula, é muita coisa. E, se os alunos aprendem mais no presencial e temos a chance de fazer, por que vamos desperdiçar essa oportunidade? — diz Raquel, salientando que o retorno está acontecendo “na hora certa e do jeito certo”.
Em relação à expectativa de adesão, a secretária garante que o retorno está dentro do previsto, sendo de quase 100% nas instituições do interior do Rio Grande do Sul e mais lento em Porto Alegre e na Região Metropolitana, onde se precisa de maior revezamento devido ao número de alunos. Além disso, ressalta que não ter muitos alunos neste primeiro dia em determinada escola pode significar que houve evasão ou também que os estudantes vão retornar no decorrer da semana:
— Agora que de fato vamos conseguir saber quem evadiu e quem continua, para podermos fazer uma busca ativa desses estudantes. Um dos problemas mais graves do Brasil é a desigualdade e isso só se combate com oportunidades educacionais, por isso é tão importante trazer esses alunos de volta.
O Cpers Sindicato avalia como crítica a obrigatoriedade do retorno presencial. De acordo com a entidade, a ação do governo do Estado foi realizada "sem diálogo e planejamento com a comunidade escolar, sem universalização da vacinação para crianças menores de 12 anos e sem um plano de melhorias em infraestrutura nas escolas públicas".
O sindicato também ressalta que muitas instituições de ensino terão que prever a permanência do regime híbrido e revezamento, "devido à falta de estrutura e segurança sanitária", e que atuará na fiscalização, cobrando condições de segurança nas escolas e acesso à testagem gratuita, e no acompanhamento do quadro epidemiológico estadual, a fim de " reivindicar a adoção de medidas sanitárias de abrangência regional ou estadual".
Rede municipal
O retorno obrigatório atinge também as instituições municipais da Capital, sujeitas ao regramento do Estado. Em ambos os colégios visitados pela reportagem de GZH, a adesão aumentou neste primeiro dia de implementação da mais recente medida.
Mais alunos na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Mariano Beck, no bairro Bom Jesus, obrigarão a diretoria a criar um novo grupo no revezamento das turmas. Atualmente, os estudantes frequentam o colégio uma semana e assistem a lições remotas em outra.
— Preciso criar uma turma “C”, mas aí os alunos vão vir de três em três semanas, ficando muito tempo longe. Nós esperávamos essas mudanças somente em 2022, pois o ano letivo atual acaba já em 23 de dezembro — reclama a diretora, Elizabeth dos Santos Masera.
As salas de aula respeitavam o distanciamento de um metro entre as classes, e não foram vistos professores, técnicos, crianças ou adolescentes sem máscara.
O contingente presencial chegou a 90% nesta segunda-feira (8) no Mariano Beck, ante os 80% registrados até o momento. Além do período longe do colégio, outro desafio para os gestores é acomodar o público no refeitório, que teve a capacidade reduzida de 150 para apenas 25 alunos. Uma "engenharia", como define Débora Neu, coordenadora de turnos da escola.
— No geral, todos estão gostando de voltar. Eles sentiam muita falta do convívio social — complementa Débora.
Os protocolos para os casos suspeitos ou que possam expor os servidores é seguido na instituição: com afastamento e indicação de um posto de saúde de referência. Se o aluno tem temperatura superior a 37,8°C ou sintomas gripais, um familiar é acionado, e os dias longe da sala, abonados das faltas.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Monte Cristo tinha um grupo brincando sobre bancos e correndo nos espaços do amplo terreno.
— Eu acho que vindo, eu vou ter um ensino melhor. Ah, e ver eles também é bom — afirma Gustavo dos Santos Ouriques, 14 anos, apontando para os amigos.
A direção da escola também notou acréscimo no total de estudantes presenciais, um salto próximo de 10%, conforme o diretor, Cezar Teixeira. Os 1,2 mil alunos são divididos em três turnos, e é oferecida uma saída ao pátio para cada um fazer seu lanche, também horários também espaçados. O diretor expõe uma outra preocupação: a quantidade de alunos que trocaram a escola por outra.
— Só essa semana foram dez alunos que pediram transferência. Isso porque os pais moram em outra cidade e eles mantinham o vínculo na aula remota conosco — lamenta.
Na manhã desta segunda, três mães procuraram a direção para informar que os filhos não iriam às aulas presenciais, pois sofrem de complicações respiratórias. Foram informadas de que precisam de um atestado médico, conforme o detalhado no decreto que versa sobre o retorno obrigatório.
Na sala da professora Angela Gonçalves, todas as carteiras estavam ocupadas. A docente usava, além da máscara, um escudo facial - acessório não obrigatório, mas incentivado como proteção extra.
— Estou feliz, mas com os protocolos seguidos à risca — garante a educadora.
A classe da oitava série tinha lições de português. Animado, o adolescente Renan Diego da Silva Alves, 15 anos, citou que em sala basta levantar o braço para tirar uma dúvida.
— Em casa tinha que pesquisar no Google, aqui a gente consegue perguntar. É bem melhor — relata o estudante.
Questionada sobre sua avaliação diante do retorno presencial, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) afirmou que não teria dados nesta segunda-feira, somente na terça, e que, por isso, não poderia comentar sobre a adesão. Além disso, ressaltou que o decreto municipal ainda não havia sido publicado até o contato da reportagem.
Para o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), não há possibilidade de aumentar o número de alunos que estão frequentando aulas presencialmente na rede municipal de ensino, devido ao distanciamento. A diretora de comunicação da entidade Cindi Sandri ressalta que o modelo adotado atualmente é aquele possível, especialmente considerando que as instituições têm refeitório, onde a distância entre os alunos deve ser ainda maior.
— A ciência vem o tempo inteiro alertando sobre não flexibilizar as medidas de proteção para evitar o contágio, e o retorno presencial aponta para essa situação. Há um risco possível sim de que, com a flexibilização, volte a aumentar o número de casos de contágio — pontua Cindi.