Ele arranjou uma brecha na extensa carga horária de professor para tirar mais um diploma, sem vislumbrar aumento de salário. Encarou viagens semanais de Pelotas a Porto Alegre para estudar. Ao mesmo tempo, deu aulas de matemática para 11 turmas do Colégio Municipal Pelotense, escola pública da cidade no sul do Estado. O retorno veio no início de setembro: Dilson Ferreira Ribeiro, 44 anos, teve sua tese reconhecida no Prêmio Capes, que dá destaque às melhores pesquisas de doutorado do país.
A tese de Dilson, defendida no fim do ano passado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), é símbolo da insistência de um professor de Ensino Fundamental e Médio em se aprimorar. E exemplo de que um "não" nem sempre barra um objetivo.
Quando decidiu fazer doutorado, em 2016, Dilson submeteu seu projeto a três universidades gaúchas. Foi negado em duas, e ouviu, durante as entrevistas de seleção, que morar longe e ser professor de escola, com carga pesada de trabalho, eram fatores que dificultariam sua dedicação à pesquisa acadêmica. Acabou aceito pela PUCRS, onde só conseguiu estudar porque ganhou uma bolsa.
Hoje, Dilson ostenta uma medalha pela tese e avalia em qual universidade brasileira vai cursar, de graça, o pós-doutorado que ganhou com a premiação.
— Já ouvi professores dizendo: "Quando a gente faz a seleção, tem universidades que exigem a carta de demissão para fazer a pós-graduação". O que é um absurdo, porque a gente é professor da rede pública, a gente precisa trabalhar e está correndo atrás de um aperfeiçoamento — reflete.
No caso dele, de um aperfeiçoamento que sequer vai resultar em gratificação. A especialização, que vem após a graduação, é o nível máximo que a prefeitura de Pelotas considera para que os professores da rede municipal recebam incentivo, de forma que seguir no mestrado e no doutorado é pretensão de quem apenas deseja aprofundar conhecimento.
Foi a sala de aula que mostrou que Dilson precisava ir além. Lecionando há 21 anos no Pelotense, uma das maiores escolas públicas da América Latina, com quase 3 mil alunos matriculados, ele recebeu, em 2012, uma jovem do Ensino Médio que demandava outra abordagem: ela tinha paralisia cerebral. O professor se viu sem condições de suprir as necessidades da aluna:
— Até então, eu pensava que sabia dar aula. Mas ela me mostrou que eu não sabia, que eu precisava me aperfeiçoar, porque ela precisava de outra metodologia de ensino — lembra.
Me anulei da vida social completamente para não deixar de atender o compromisso com o trabalho e com a universidade
DILSON FERREIRA RIBEIRO,
professor de escola pública de Pelotas que teve tese de doutorado premiada nacionalmente
Foram anos com uma pulga atrás da orelha, até Dilson elaborar seu projeto de doutorado sobre o ensino de matemática para estudantes com paralisia cerebral. Com a proposta aceita na PUCRS em 2016, precisou organizar a grade na escola. Para conseguir se deslocar toda semana até Porto Alegre, dava aulas entre segunda e quarta-feira para 11 turmas do Pelotense. Na quarta, após lecionar até o fim da tarde, encarava três horas e meia de viagem para chegar na Capital.
Era dentro no ônibus que Dilson aproveitava para ler. As obras eram muitas, inclusive sobre neurociência, já que precisava entender sobre a lesão que atinge o cérebro e interfere no desenvolvimento motor dos alunos com paralisia cerebral. Desembarcava à noite, onde dormia em hotel para descansar e ficar inteiro para marcar presença na PUCRS na manhã seguinte. Ficava até sexta e retornava a Pelotas para um final de semana de muitos deveres: a tese do doutorado e o preparo das aulas na escola.
— Me anulei da vida social completamente para não deixar de atender o compromisso com o trabalho e com a universidade — lembra.
Durante a elaboração da tese, Dilson entrevistou 11 estudantes com paralisia cerebral e 13 professores de matemática que, em algum momento da profissão, lidaram com essa necessidade em sala de aula. Basicamente, o estudo mostra que, com ações pedagógicas adequadas, esses alunos têm toda a capacidade de aprender uma disciplina que muitos consideram difícil. O trabalho foi o único do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS a ser indicado para concorrer ao Prêmio Capes de Tese.
De cerca de 1.300 teses inscritas, a de Dilson ficou entre as 49 vencedoras. Quem levou o reconhecimento junto com ele foi a professora Isabel Cristina Machado de Lara, que aceitou orientá-lo assim que soube do tema da pesquisa.
Tenho muitos colegas que não tiveram essa oportunidade que eu tive e são professores muito competentes no que fazem. Nunca desistir e sempre lutar para que tenhamos melhores oportunidades para a educação deste país.
DILSON FERREIRA RIBEIRO
Para ela, o trabalho de Dilson vai ajudar na formação de outros educadores para que tenham uma abordagem mais compreensiva diante dos alunos com paralisia cerebral.
— Muitas vezes, os estudantes com paralisia cerebral ficam à margem porque os professores não sabem como lidar com eles. Conseguimos mostrar que é importante o reconhecimento de diferentes formas de linguagem utilizadas pelos professores e pelos estudantes. É a defesa de um ensino humanista de matemática — diz Isabel.
Agora, a tese concorre ao Grande Prêmio Capes, que vai escolher apenas três entre os 49 trabalhos contemplados. Aos melhores, serão dadas bolsas de pós-graduação em universidades no Exterior.
Isabel se sente desafiada, mas Dilson prefere nem pensar no assunto. Diz que ter sido indicado pela universidade já estava de bom tamanho - de sobra, foi premiado. Faz considerações sobre a importância de os professores ficarem atentos à sala de aula, lugar que, para ele, é o maior campo de pesquisa de quem pretende ser um melhor educador.
— A mensagem que eu dou aos professores: entendam a sala de aula como seu campo de aprimoramento. E peguem toda essa vivência e transformem em pesquisa. Não desista nunca. Olhe para o seu aluno, sua sala de aula, e entenda que o professor nunca está pronto. Ele está em formação contínua, e precisa dos alunos para aprimorar sua prática. Isso, às vezes, vale muito mais que um título de doutor. Tenho muitos colegas que não tiveram essa oportunidade que eu tive e são professores muito competentes no que fazem. Nunca desistir e sempre lutar para que tenhamos melhores oportunidades para a educação deste país.