Para além do requerimento de impeachment encaminhado ao Ministério da Educação (MEC), o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos André Bulhões, é alvo de pedido de investigação do Conselho Universitário, espécie de Legislativo da instituição, sobre suposto favorecimento a uma vestibulanda que perdeu o prazo de entrega de documentos e tentou recorrer da negativa da vaga.
O pró-reitor de Inovação e Relações Institucionais, Geraldo Jotz, também é alvo do requerimento, segundo documentos internos obtidos por GZH.
A vestibulanda, que tentou vaga por cotas, não foi matriculada porque perdeu o prazo para fornecer documentos adicionais que comprovassem a renda da família – a vaga já foi destinada a outro candidato. Mas a atuação do reitor e do pró-reitor no caso levou a vice-reitora da UFRGS, Patrícia Pranke, a cobrar explicações no fim do mês passado.
Em ofício, Patrícia considera haver “indícios de desvio das regras” no vestibular para o primeiro semestre de 2020 e pede esclarecimentos sobre a atuação do gabinete do Reitor e de Geraldo Jotz, cuja área de atuação não envolve ingresso de vestibulandos.
A vice-reitora cita o “e-mail da parte interessada (a vestibulanda) que parece revelar procedimento inovador no escopo de trâmites de processos na Esfera Pública Federal, e mais especificamente dentro da UFRGS, assim como do e-mail da parte interessada relatando contato direto com o Gabinete do Reitor”.
Em nota enviada a GZH nesta semana, reitor e pró-reitor negam irregularidades e lamentam “tentativas descontroladas e sem limites de dirigentes que, em vez de trabalhar para garantir a união em defesa dos interesses da universidade e de toda a comunidade acadêmica, visam somente o afastamento do reitor, por questões políticas e ideológicas“ (leia ao fim do texto a nota completa).
Segundo ofícios trocados entre servidores, a vestibulanda, cujo nome não foi revelado, teve negada a matrícula como cotista na etapa de checagem do nível socioeconômico. Dentro do prazo, ela entrou com recurso, mas a UFRGS pediu documentos adicionais para cálculo de renda familiar e a candidata perdeu o novo período para entrega.
Por e-mail, ela teria explicado que estava com problemas na internet. O chefe do gabinete do reitor teria intercedido, constam relatos de servidores, para explicar que a candidata perdeu o prazo por problemas de saúde e que ela enviaria um atestado.
A despeito de negar o recurso, a UFRGS recebeu atestado de nutricionista afirmando que a vestibulanda tinha fibromialgia, doença reumatológica que causa dor nos músculos. O documento foi aceito pelo pró-reitor de Inovação e Relações Institucionais, Geraldo Jotz, que é médico e encaminhou parecer favorável ao aceite da candidata.
No mesmo dia, a vestibulanda cobrou por e-mail atualização do caso e menciona ter sido informada pelo gabinete do reitor de que a documentação necessária para o recurso fora recebida. Apesar de a vaga ter sido negada dias antes, Bulhões ainda assinou documento determinando novo prazo para a candidata apresentar a documentação que faltava. O setor de ingresso ignorou pedido do reitor e concedeu a vaga a outro candidato.
O caso gerou insatisfação entre servidores envolvidos, mostra a troca de ofícios, e, como resultado, o Conselho Universitário decidiu, em reunião de 30 de julho, determinar que a Reitoria da UFRGS instaure processo de apuração independente sobre possível irregularidade administrativa e das competências da Pró-Reitoria de Inovações e Relações Institucionais, chefiada por Geraldo Jotz.
Carlos André Bulhões sofre forte oposição do Conselho. Na manhã desta sexta-feira (13), o colegiado aprovou o pedido de destituição do reitor pela condução da reforma administrativa. O ministro Milton Ribeiro tem autonomia para aceitar ou rejeitar o pedido. No fim de julho, o Conselho havia aprovado pedido para que o MEC e o Ministério Público Federal (MPF) investigassem o reitor pelo mesmo motivo.
O que diz a Reitoria da UFRGS
Em relação à questão envolvendo a inscrição de um aluno aprovado no vestibular da UFRGS, a Reitoria da Universidade esclarece que:
- Todas as ações relacionadas ao vestibular ocorreram dentro das regras previstas no edital;
- O item 20.17 do edital do vestibular é claro ao informar que os “casos omissos serão resolvidos pela administração superior da UFRGS”;
- O caso referido envolveu um estudante regularmente aprovado no concurso vestibular, que passou por um evento de natureza médica grave;
- O recebimento de documentos de um candidato já aprovado em concurso público - que não pôde fazê-lo em razão de evento grave relativo à sua saúde - é uma providência reconhecidamente proporcional, razoável e adequada;
- Não se trata de conceder nova oportunidade para realizar uma prova ou exame de aptidão. Trata-se apenas de receber documentos – no caso, aliás, de parte da documentação – de candidato que já foi aprovado no concurso;
- Não há nenhuma relação pessoal entre o candidato ou algum familiar, o Reitor e o Pró-Reitor de Inovação;
- Supor como legítimo recusar o recebimento dos documentos em circunstâncias dessa natureza, impondo a um estudante a perda da vaga, não seria apenas ilegal. Seria desumano e indefensável;
- Vale registrar que, embora não estivesse obrigado, o Reitor teve o cuidado e o rigor de solicitar o auxílio de outro membro da Administração Superior – Pró-Reitor de Inovação e Relações Institucionais da UFRGS o Prof. Geraldo Pereira Jotz – que, sendo médico por formação, examinou a documentação que embasava o pedido do estudante;
- O TRF4 já decidiu que, “o atraso ou insuficiência na entrega de documentos pelo aprovado em concurso vestibular não é suficiente, por si só, para indeferimento de matrícula do candidato, na medida em que, além de a perda da vaga obtida em processo seletivo altamente competitivo configurar consequência muito gravosa ao estudante, contraria a própria finalidade do certame que é selecionar os candidatos mais preparados” (AG 5007404-67.2020.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator Des. Rogério Favretto, 03/06/2020);
Em nota, após esta publicação desta reportagem, Patrícia reforçou que a Comissão de Ingresso "por diversas vezes se manifestou informando o reitor do procedimento que deveria ser adotado e o que estava acontecendo não estava correto".