Publicado na madrugada desta sexta-feira (23), o decreto estadual que autoriza a retomada das aulas presenciais — já na próxima segunda-feira (26) - da Educação Infantil, bem como do 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, despertou sentimentos opostos entre diferentes entidades representativas ligadas ao setor da educação. Alguns grupos se mostram preocupados com a retomada enquanto vige a sinalização de bandeira preta e não se sabe quando os professores serão vacinados contra o coronavírus. Por outro lado, há entidades que expressam alívio com a retomada dos trabalhos presenciais.
Confira as opiniões:
Contra
O Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers-Sindicato) afirmou, por meio de nota, que o governo do Estado "cede mais uma vez à pressão de interesses privados em detrimento do direito à vida". O sindicato reforça que as taxas de transmissão comunitária no Rio Grande do Sul "permanecem muito acima do aceitável e não permitem flexibilizações de forma segura". A entidade assinalou também quais são as condições mínimas para retomada dos trabalhos presenciais: "ampla imunização dos trabalhadores da educação, aumento de recursos humanos, físicos e financeiros para as escolas e estratégias de testagem, rastreamento e monitoramento dos casos".
Nesta sexta-feira, o assunto será discutido pelo sindicato e será articulada uma mobilização da categoria para resistir à tentativa de retomada neste momento da crise sanitária. Sobre recorrer judicialmente ou não, o Cpers-Sindicato afirmou que aguardará o posicionamento do Tribunal de Justiça quanto à petição da Procuradoria-Geral do Estado. Porém, pontua que o jurídico "avalia alternativas no momento".
Cecília Farias, diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro-RS), segue a mesma linha. Ela aponta que os professores querem voltar a dar aulas na modalidade tradicional, mas desde que isso seja feito com segurança. A diretora relata que o decreto do governador Eduardo Leite pegou a entidade de surpresa:
— Não entendemos o motivo pelo qual o governo do Estado não priorizou professores na vacinação, já que ele mesmo reforçou, reiteradas vezes, que o acesso ao ensino era algo essencial. Nosso entendimento é de que enquanto estiver sob a bandeira preta, com ou sem cogestão, as aulas não podem ser presenciais. Temos o desejo de voltar, mas não nessa condição de fragilidade à qual seremos expostos. A intenção do governo, nitidamente, é de forçar uma interpretação equivocada da decisão judicial que permanece vigente.
Cecília destaca que o decreto de Leite desrespeita a liminar da Justiça que suspende as aulas presenciais no Estado. Ela relembrou que a liminar da juíza Rada Maria Katzer Zamanda, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, concedida em 28 de fevereiro, definia a suspensão das aulas presenciais nas escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul enquanto estiver vigente a decretação de bandeira preta do sistema de distanciamento controlado, independentemente de eventual flexibilização de protocolos.
— Ainda não há decisão derrubando a liminar que impede as aulas presenciais, já que não depende da cogestão, e sim da bandeira apontada pelo governo do Estado, que ainda é preta — argumenta.
O Grupo Direito ao Ensino Não-Presencial Durante a Pandemia, bem como a Associação Mães e Pais pela Democracia, também se posicionam em desacordo com o atual decreto do Estado que possibilita a cogestão dos municípios na questão da educação. Cassiana Lipp, uma das administradoras do Grupo, diz que o cenário pandêmico do Estado, a sinalização de bandeira preta, a superlotação de hospitais e leitos das unidades de terapia intensiva (UTIs) e o grande número de óbitos são fortes indicativos de cautela.
— Esse contexto requer medidas restritivas, em conformidade com a proteção da saúde pública e a ciência como um todo. A retomada das aulas presenciais deve se dar de forma responsável e sem causar prejuízos à vida e à saúde da sociedade — observa. — O decreto não tem como base os dados científicos. Ele está calcado na pressão de escolas privadas. As UTIs não operam totalmente desafogadas ainda. Temos que preservar vidas antes de reabrir as escolas.
O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) ressaltou que está em vigor uma liminar que determina a suspensão das atividades presenciais e afirmou que, com o decreto, "o governador pretende, sem qualquer pudor, possibilitar o desrespeito" às ordens judiciais que "determinaram a suspensão das aulas presenciais, enquanto vigente a bandeira preta" no Estado.
— O governo não pode executar esse retorno enquanto a liminar estiver em vigor. Isso é uma burla. Nós defendemos que o retorno das aulas presencias ocorra imediatamente, mas esse imediatamente está condicionado a condiçoes de segurança para todas as pessoas envolvidas nesse processo — pontuou a diretora de Comunicação do Simpa, Cindi Sandri.
A favor
A Associação das Escolas Privadas (Aepei-RS) declara que os pais vibraram com a chegada do decreto e que a própria entidade recebeu a notícia com esperança. Fabiane Vitória, diretora-executiva da Aepei-RS, relembrou que durante a retomada das aulas em escolas de Educação Infantil, no ano passado, não foram registrados surtos de coronavírus nas instituições.
— Elas foram um case de sucesso. A retomada é necessária porque as crianças não estão vivendo sua saúde de forma plena ao ficarem em casa, isoladas. Essas condições vividas atualmente vão contra o que os pequenos precisam, que é o convívio social. Além disso, a escola também tem um papel importante de controle, de filtro sanitário no monitoramento dos casos e de conscientização dos pais sobre a pandemia — afirma.
O Sindicato do Ensino Privado do RS (Sinepe/RS) disse que a inclusão da educação no sistema de cogestão era um pedido antigo da entidade ao governador. Por isso, por meio de nota, a entidade afirma que parabenizou a decisão de Leite, já que o decreto emitido "permitirá aos municípios ter autonomia para abrir as instituições, assim como já fazem com os demais setores em uma situação de flexibilização de bandeira".
O Sinepe/RS ressaltou a demora na inclusão do setor nas regras de cogestão, o que implicou o fechamento das instituições por dois meses. "As instituições estão preparadas e, nos municípios em que for permitido, estarão reabertas na segunda-feira", disse no comunicado Bruno Eizerik, presidente do Sinepe/RS. A entidade citou ainda a esperança de volta às aulas para as outras etapas de ensino.
Procurado, o Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Infantil do RS (Sindicreches) informou que a entidade irá se reunir com a secretaria de Educação de Porto Alegre nesta tarde e deve se posicionar após o encontro. A presidente da entidade, Carina Becker Koeche, adiantou, no entanto, que o sindicato irá "seguir a orientação do governador" e deve retomar as atividades presenciais a partir da próxima segunda-feira (26).