A discussão sobre o retorno ou não das aulas presenciais tem mobilizado tanto alunos, educadores e familiares quanto a classe médica, não raro com posições contrárias mesmo entre profissionais da mesma área. O tema está longe de chegar a uma unanimidade, em um momento em que o governo do Rio Grande do Sul avalia que estudantes poderão voltar às escolas e universidades, de forma gradual e pautada na segurança de todos, a partir de meados de setembro — mesmo sob intensa oposição de prefeitos.
– Serão critérios e protocolos únicos para o Estado inteiro. Lembrando que de maneira democrática o Estado vai facultar ao gestor municipal o início das aulas (presenciais). O modelo apresentado pelo Estado também faculta aos pais a decisão de levar os filhos à escola – argumenta o secretário de Articulação e Apoio aos Municípios, Agostinho Meirelles.
Diante de tantas posições diferentes sobre um tema tão delicado e que afeta a sociedade como um todo, GaúchaZH procurou a opinião de quatro especialistas (dois epidemiologistas, um pediatra e um sanitarista) para entender se é seguro que crianças e adolescentes voltem para as salas de aula, se há mesmo um risco grande de transmissão desses jovens para integrantes de grupos de risco, quais são alguns dos prejuízos de se manter as escolas fechadas e como os governos podem tomar uma decisão nesse sentido de forma embasada.
Confira algumas perguntas e respostas sobre o tema abaixo.
É seguro mandar crianças e adolescentes de volta para a escola em meio à pandemia?
Pesquisas científicas, opiniões médicas e a experiências de países que já abriram, ainda mantêm as portas fechadas ou até abriram as escolas, mas voltaram a fechá-las mostram divergências quanto a isso.
Em termos gerais, os estudos acadêmicos já realizados sugerem que pode ser seguro reabrir escolas onde não há grandes surtos da doença. Os cientistas apontam, porém, que seria necessário manter medidas como distanciamento social e seria vital ter um bom sistema de testes e de rastreamento de contatos — o que poderia ser um problema em países como o Brasil.
— No geral, nos países em que isso foi estudado, ficou comprovado que abrir as escolas não teve impacto sobre a transmissão comunitária da covid-19. Então, fechar escola não é eficaz para prevenir o coronavírus — define o pediatra James Piccoli.
Já um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou que o retorno da atividade escolar, que vem sendo anunciado de forma gradativa por vários Estados e municípios, coloca os estudantes em potenciais situações de contágio. Mesmo que escolas, colégios e universidades adotem as medidas de segurança — e elas sejam cumpridas à risca —, o transporte público e a falta de controle sobre o comportamento de adolescentes e crianças que andam sozinhos fora de casa representariam potenciais situações de contaminação pela covid-19 para esses estudantes.
Há elevado risco de transmissão das crianças e adolescentes para seus familiares?
Esse também é um ponto de divergência entre especialistas e organizações médicas.
Nós estimamos que se apenas 10% dessa população de adultos com fatores de risco e idosos que vivem com crianças em idade escolar vierem a precisar de cuidados intensivos, isso representará cerca de 900 mil pessoas na fila das UTIs
DIEGO XAVIER
Epidemiologista da Fiocruz
Conforme a Fiocruz, a volta às aulas pode representar um perigo a mais para cerca de 9,3 milhões de brasileiros que são idosos ou adultos com problemas crônicos de saúde e que pertencem a grupos de risco da covid-19. Isso porque eles vivem na mesma casa que crianças e adolescentes em idade escolar, entre três e 17 anos, destaca a Fiocruz. O epidemiologista Diego Xavier, da Fiocruz, destaca que a maioria desses milhões de brasileiros em grupos de risco e que convivem com algum estudante dentro de casa tem buscado cumprir o distanciamento social.
— Mas a volta às aulas pode ser uma perigosa brecha nesse isolamento. Nós estimamos que se apenas 10% dessa população de adultos com fatores de risco e idosos que vivem com crianças em idade escolar vierem a precisar de cuidados intensivos, isso representará cerca de 900 mil pessoas na fila das UTIs — analisa Xavier.
Já uma recente pesquisa sobre o tema, publicada na revista científica The Lancet Child & Adolescent Health, sugere que escolas podem reabrir onde houver outras formas de se controlar a pandemia, como distanciamento social. "Onde medidas de mitigação da pandemia resultam em um controle forte da doença, nós prevemos que escolas podem ser mantidas abertas de forma segura, para o bem educacional, social e econômico da comunidade, enquanto nos adaptamos para viver com a covid-19", definiu a epidemiologista Kristine Macartney, autora principal desse estudo.
Existem prejuízos associados ao fechamento de escolas para além da educação?
Nesse ponto, os médicos ouvidos pela reportagem concordam: há, sim, prejuízos para os alunos que não puderem frequentar a escola.
O epidemiologista Wanderson Kleber de Oliveira, ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde, coordenou um estudo que chegou à conclusão de que o fechamento das escolas traz uma série de problemas, principalmente para os alunos mais pobres. Entre eles, má nutrição, maior exposição à violência, aumento da evasão escolar e até depressão.
— Não estamos sugerindo abrir nenhuma escola fora dos critérios. Tem que estar com baixa incidência de transmissão do vírus, e não é todo mundo ao mesmo tempo. O que nós queremos é colocar a escola como um serviço essencial e que a sociedade debata sobre essa questão, buscando localmente as estratégias — explica Oliveira.
Para o pediatra James Piccoli, as discrepâncias sociais também se fazem presentes nesse momento, causando mais prejuízos a alunos que não têm acesso estável à internet ou equipamentos para acompanhar as aulas e socializar com amigos e colegas a distância. O médico reforça, também, que o isolamento prejudica o desenvolvimento social de crianças e adolescentes.
Como Estados e municípios devem proceder ao decidir se é ou não o momento de voltar às aulas presenciais?
O ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde Wanderson Kleber de Oliveira coordenou um estudo para apoiar Estados e municípios no retorno com segurança onde o controle da pandemia permita. Para ele, não é possível apontar uma estratégia única: cada município, cada Estado e mesmo cada escola deve estar atento à realidade da comunidade onde eles estão inseridos.
— É importante que o gestor local estabeleça, com a comunidade escolar, com os pais e representantes, a melhor estratégia para a sua realidade — argumenta o epidemiologista.
Christovam Barcellos, sanitarista e vice-diretor do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz, recomenda que Estados e municípios ofereçam aos pais informações necessárias para os cuidados que devem passar a adotar dentro de suas casas.
— Se isso não for feito, muitos pais se sentirão inseguros frente à decisão de retomar os estudos presenciais dos seus filhos. Com a expansão da população exposta à infecção pelo vírus, deveriam também ser ampliadas as atividades de vigilância epidemiológica desses grupos vulneráveis por meio de testagens e acompanhamento clínico permanente — afirma Barcellos.