O professor Rogério Kepler, 53 anos, ajeita o tripé, se pára na frente do celular e começa a gravar mais um vídeo para alunos do pré e do ensino fundamental — rotina há mais de quatro meses, com a interrupção das aulas presenciais pela pandemia. Abre o sorriso e dispara:
— E aí pessoal! Mais uma aula de educação física, hoje vai ser dança e ginástica. E eu trouxe um amigo para nos ajudar.
Corta a cena e o que aparece na sequência é o próprio Kepler vestido de Xerife Woody, incluindo o colete de estampa de vaca, o lenço vermelho no pescoço e o chapéu de palha. Ele começa a ensinar uns passos de dança e exercícios no ritmo de “Amigo estou aqui”, trilha do filme Toy Story.
A edição não chega a ser profissional — ele nunca tinha mexido com aplicativos para montar vídeos antes do coronavírus esculhambar seu cronograma de aulas. Mas ninguém pode acusar Kepler de não se esforçar para atrair a atenção dos alunos da Escola Municipal Rio Grande do Sul, em Guaíba, Região Metropolitana.
Para mostrar as atividades que os estudantes devem repetir em casa, ele já se vestiu de palhaço em um vídeo com temática de circo, de caipira em época de festas juninas e incorporou boa parte dos super-heróis da Marvel e da DC.
— Eu fui o Thor, o Capitão América, o Hulk, o Homem Aranha, o Pantera Negra. Até de Mulher Maravilha eu botei roupa — conta.
Boa parte dos acessórios, ele pegou emprestado do neto de seis anos de idade. E para deixar seus vídeos mais reais, comprou 15 metros de TNT e pendurou na garagem de casa, base para a técnica de chroma key. No aplicativo Kinemaster, ele retira o fundo verde e adiciona o cenário que quer.
Assim foi possível também viajar pelo sistema solar. Ele colocou o capacete e ensinou exercícios nas superfícies da Lua, de Marte, de Saturno e do Sol.
— Aqui no Sol é muito quente o piso. Então encosta a mão no chão e salta — instruía.
Kepler conta com a ajuda da esposa, Milena, para gravar, e das duas filhas, Caroline e Vanessa, quando encontra alguma dificuldade em editar. As três são professoras como ele — na verdade, antes dele.
Em outra evidência de como não tem dificuldade nenhuma em se reinventar, Kepler começou a estudar Educação Física aos 47 anos, quando já tinha uma carreira como supervisor financeiro. Professor há dois anos, passa os finais de semana pensando como pode inovar no próximo vídeo.
— As crianças adoraram, tenho mais de 500 vídeos no meu celular, de coisas que eles gravaram e mandaram de volta.
O pequeno Cadu, aluno do primeiro ano, se vestiu de Homem Aranha para gravar a lição executada e mandar ao professor. A mãe, Elisandra Brandão de Miranda Jardim Vianna, 35 anos, conta que ele fica ansioso pelas aulas de Kepler.
— Ele já sabe certinho que na sexta é o dia da aula de Educação Física, chega a perguntar: “que dia é hoje, mamãe?”.
Ela também se encanta com o empenho de Kepler.
— Educação física já é uma matéria que as crianças amam, e o Rogério tinha um relacionamento muito bom com elas. Mesmo assim, ele se esforça cada vez mais. Tem sido a diversão das crianças na pandemia.