O relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a retomada das aulas presenciais aponta que "o momento de reabertura de escolas deve ser guiado pelo melhor interesse das crianças e por preocupações gerais de saúde pública, com base na avaliação dos riscos e benefícios e das evidências (locais)". O documento pede que países e regiões emitam protocolos de higiene que sejam claros e de fácil entendimento, que educadores de grupos de risco sejam preservados do ambiente presencial, que exames escolares não essenciais sejam adiados, que pagamentos de salários sejam preservados e que a higiene pessoal ganhe novo protagonismo neste período de pandemia.
Mesmo observadas essas recomendações, não há consenso sobre a reabertura de escolas. De um lado, há quem defenda que, tomadas todas as precauções, o retorno às salas de aula, como já aconteceu em outros países, é uma possibilidade real que deve ser considerada também no Brasil.
— Na parte operacional já está tudo certo, temos protocolo, a gente já sabe o que fazer. Agora é uma questão política, porque, tecnicamente, já há condições sanitárias em muitos locais para voltar. Tem a necessidade de as escolas funcionarem para não quebrarem, necessidade dos pais e das crianças. Também, para não prejudicar as crianças do ponto de vista pedagógico. Tem todas essas questões. Agora, a decisão é política — diz o presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Ademar Batista Pereira.
Professores e trabalhadores em educação, no entanto, dizem que não estão sendo consultados para a definição dos protocolos de segurança e que temem um retorno às aulas.
— Neste momento, não existe protocolo seguro. Os órgãos de saúde estão dizendo que é perigoso, que não tem condição nem com afastamento. Ainda mais criança. Não tem condição de garantir um protocolo completamente seguro — afirma a coordenadora-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Madalena Peixoto.
Para a pneumologista Patrícia Canto, que é assessora da vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), cada município e cada Estado precisa, entre outros critérios, avaliar se há queda de taxa de transmissão do novo coronavírus sustentada, se há leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) disponíveis e se o sistema hospitalar pode dar conta de possível aumento de casos.
A volta às aulas, segundo ela, precisa ser acompanhada pelas autoridades e, se houver sinal de contágio em uma sala de aula, o profissional de educação ou aluno precisa ser afastado e testado. Se houver um caso em uma sala, a sala inteira precisa entrar em quarentena, cumprindo isolamento para evitar a transmissão do vírus.
— A situação do retorno é muito complexa e coloca em risco maior não as crianças, (mas os adultos). Pelos estudos, até o momento, os menores de nove anos transmitem menos e têm casos menos graves na maioria das vezes, embora também possam adoecer. Mas, a partir dos nove anos de idade, os estudos mostram que aumenta a taxa de transmissão, e o risco de transmitirem aos adultos seria maior — diz.
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Patrícia diz que é preciso um protocolo rígido e considerar diversas situações, como, por exemplo, professores que trabalham em diferentes escolas, com condições particulares de cumprir os cuidados com higienização pessoal e do ambiente. Esses professores vão circular entre essas escolas. Além disso, é preciso considerar, em regime alternado entre estudantes com aulas presenciais e em aulas remotas, que todos tenham acesso às aulas pela internet ou outros meios. Professores, funcionários e alunos que façam parte de grupos de risco não devem retornar às aulas presenciais.
— É importante que seja um cenário muito controlado, é importante que tenha medidas de vigilância muito focadas nas escolas e é importante que a gente não esqueça a segurança dos trabalhadores, dos pais e dos próprios alunos — diz Patrícia. — A gente tem um contingente de crianças que está sofrendo, exposta à violência doméstica, à insegurança alimentar, porque a escola oferece alimento diário. Tem risco de evasão escolar, a gente sabe que pode ter uma maior evasão e crianças que vamos perder e não vão mais retornar às escolas. É uma situação muito complexa que precisa ser analisada caso a caso, município a município.
Na semana passada, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz lançou um manual sobre biossegurança para a reabertura de escolas no contexto da covid-19. Patrícia destaca que só se pode pensar em um retorno, obedecendo a várias variáveis, nos locais onde há uma descendente da curva de transmissão do coronavírus e onde essa queda é permanente por, no mínimo, 14 dias.