O procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo Da Camino, defende que o Estado defina um calendário para a recuperação do ano letivo em até 48 horas. Nesta sexta-feira (3), ele solicitou que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) acolha o pedido através de uma medida cautelar. A manifestação da Corte é esperada para segunda-feira (6).
A ação ocorreu depois que o secretário estadual da Educação, Faisal Karam, afirmou, em entrevista à Rádio Gaúcha, que “não há tempo hábil” para a recuperação dos 25 dias de aula que faltam para o fim do calendário de 2019. O motivo seria a data marcada para o início do ano letivo, 19 de fevereiro, e o período de 30 dias de férias a que os profissionais têm direito.
Ele também sustentou que pretende se reunir com o Cpers-Sindicato apenas no dia 10 de janeiro para discutir o caso.
A greve, iniciada em 18 de novembro, ainda não terminou. Os professores defendem que a paralisação persista enquanto o governo do Estado não recuar no corte do ponto. Até 27 de dezembro, cerca de 190 escolas permaneciam sem nenhuma atividade, enquanto outras 500 instituições seguiam funcionando apenas parcialmente. A projeção da Secretaria da Educação é de que 10 mil docentes estejam parados.
Em sua manifestação, Da Camino afirma que sua intenção não é a de “invadir competência” do Executivo, indicando como a negociação entre o Piratini e a categoria deva ser feita. Ele destaca, no entanto, que é dever do TCE fiscalizar a legitimidade dos atos praticados pelos entes de governo. Além disso, lembra que a greve dos professores não foi decretada ilegal pela Justiça.
“A Secretaria tem o dever de – independentemente de como, a partir de diretrizes de governo, resolverá o desconto ou não dos dias parados – garantir o ano letivo, sendo a existência de um plano o pressuposto para a tempestiva retomada das atividades (...) A única certeza é a de que não deve o alunado ser penalizado pelo dissenso entre governo e magistério, o que a cautelar postulada pode evitar”, diz trecho do requerimento.
Assim como o Judiciário, o TCE está operando em regime de plantão. O conselheiro plantonista é Cezar Miola. A resposta ao MPC é aguardada para a próxima segunda-feira.
Em nota, a Secretaria Estadual de Educação informou que no dia 19 de dezembro de 2019 foi emitido um memorando circular para as Coordenadorias Regionais de Educação, contendo as orientações sobre a elaboração do calendário de reposição das aulas nas escolas estaduais que aderiram à greve dos professores.
"Ao todo, foram 25 dias de paralisação, entre 14 de novembro e 19 de dezembro. A recuperação começou no dia 21 de dezembro de 2019, e segue até 23 de janeiro. A ação tem o objetivo de garantir aos estudantes o direito de, no mínimo, 200 dias letivos e assegurar a carga horária de 800 horas para o Ensino Fundamental e 1.000 horas para o Ensino Médio", pontua o texto.
Segundo a pasta, grande parte das escolas voltou às atividades nesse período — enquanto 300 estavam de portas fechadas em 20 de dezembro, o governo estima em menos de cem totalmente inoperantes atualmente.
Confira na íntegra o pedido do Ministério Público de Contas:
MEDIDA CAUTELAR
O Ministério Público de Contas, por seu Agente firmatário, nos termos do disposto no artigo 37 do Regimento Interno, respeitosamente se dirige a essa Douta Presidência para dizer e propor o que segue.
I – Em 23/12/2019, este Parquet recebeu e examinou documentação, representação de parlamentar da Assembleia Legislativa deste Estado noticiando possíveis irregularidades praticadas no âmbito da Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, pela omissão em determinar a recuperação dos dias letivos decorrentes da greve do magistério, afetando o cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (artigos 13, V, e 24, I ).
II – Em 23/12/2019, por meio do Ofício MPC/SEI nº 63/2019, este órgão solicitou informações à Secretaria da Educação relacionadas à ausência de providências para recuperação dos dias letivos perdidos em razão da greve do magistério no ano de 2019, com o seguinte teor:
Senhor Secretário Estadual da Educação,
Saudando Vossa Excelência, a fim de instruir expediente em curso neste Parquet, solicitamos informar as providências adotadas visando à recuperação dos dias letivos perdidos em razão da greve do magistério.
Renovando votos de elevado apreço e consideração, subscrevemo-nos. (...). (grifa-se)
Considerando que não houve resposta do referido órgão, em 02/01/2020 foi reenviado ao Secretário de Educação o Ofício nº 63/2019, sem resposta até a presente data.
Diante desse contexto que acomete potencial falha grave na gestão pública, e que prejudica tanto profissionais da educação quanto os mais vulneráveis – alunos e famílias – foi noticiado em veículos jornalísticos que o Secretário da Educação pretende receber a classe de professores tão-somente em 10/01/2020, com entendimento que não haveria “tempo hábil” , sem qualquer indicação de que o impasse seja solucionado, inviabilizando a recuperação dos dias letivos.
III – O direito à educação é constitucionalmente assegurado mediante aplicação do art. 6º, da CF , combinado com o específico art. 205, da CF:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Além de importar possível ineficácia dos preceitos constitucionais, a ausência de tomada de providências à recuperação dos dias letivos possui forte potencial de violação do art. 24, I, da LDB, que estabelece 200 dias no mínimo de efetivo trabalho escolar, assim disposto:
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas para o ensino fundamental e para o ensino médio, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver; (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017) (grifa-se)
Deixar de viabilizar o cumprimento do art. 24, I, da LDB, impede que os docentes possam cumprir suas funções, elencadas no art. 13, da referida Lei, abaixo transcrita:
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
III - zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;
V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;
VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.
Consequentemente, emerge a possibilidade de descumprimento das metas do Plano Nacional de Educação estabelecido na Lei nº 10.172/ 2001, com os seguintes objetivos gerais assim estabelecidos:
2. OBJETIVOS E PRIORIDADES
Em síntese, o Plano tem como objetivos:
. a elevação global do nível de escolaridade da população;
. a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis;
. a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com sucesso, na educação pública e
. democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
Por fim, identifica-se forte potencial de violação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, conforme art. 53 , busca proteger a parte mais vulnerável atingida pela ausência da recuperação dos dias letivos: o aluno.
De forma mais ampla, resta ferido o art. 4º, do ECA, que dispõe que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Portanto, deixar de educar afeta tanto o ensino como atinge demais direitos básicos ao desenvolvimento do indivíduo.
IV – Os argumentos acima elencados denotam a necessidade de atuação imediata desta Corte. Identifica-se o fumus boni juris pelo claro potencial de violação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 24, I, e 13, V, ambos da Lei nº 9.394/96) e dos direitos e garantias da criança e do adolescente (art. 4º e 53, da Lei nº 8.069/90). O periculum in mora está identificado no momento que a omissão do Gestor afetará de forma inequívoca o cumprimento da lei, prejudicando a prestação do serviço público e principalmente os alunos que deixam de receber conteúdo escolar. O entendimento do Gestor que não haveria “tempo hábil” para recuperação dos dias letivos, além de não restar comprovado, corrobora a tutela de urgência. Além disso, a inércia em prover medidas afetará também o calendário escolar da rede estadual de ensino do ano de 2020.
Portanto, a necessidade de cumprimento legal mediante recuperação dos dias letivos se impõe, na medida em que causará dano irreversível aos alunos – que deixarão de receber conteúdo e de se formar adequadamente – e à estrutura de ensino à comunidade em geral, afetando tanto aqueles que estavam frequentando o calendário de 2019, como os que frequentarão o calendário de 2020. Desse grave contexto emerge a necessidade de determinação de medida cautelar que ora se propõe.
Destaca-se que não se está pretendendo, com o pedido, invadir competência própria do Poder Executivo, qual seja, a de definir como conduzirá negociações com o magistério em greve, dessa ou daquela maneira, matéria eminentemente política, estranha, portanto, às competências do órgão de controle.
Ocorre que, dentre suas competências, o Tribunal de Contas tem a da fiscalização operacional dos jurisdicionados, dizente, portanto, com sua atividade-fim, inclusive sob a ótica da legitimidade dos respectivos atos. E é da atividade-fim da SEDUC – prover educação pública nos termos da lei – que trata o pedido.
A Secretaria tem o dever de – independentemente de como, a partir de diretrizes de governo, resolverá o desconto ou não dos dias parados – garantir o ano letivo, sendo a existência de um plano o pressuposto para a tempestiva retomada das atividades. Recorda-se, a propósito, não ter havido decretação de ilegalidade da greve e pender de julgamento (previsto para após o recesso judiciário) mandado de segurança do CPERS sobre o “corte” do ponto, o qual teve liminar indeferida. A única certeza é a de que não deve o alunado ser penalizado pelo dissenso entre governo e magistério, o que a cautelar postulada pode evitar.
V – Isto posto, o Ministério Público de Contas, considerando a gravidade e a relevância do tema, e no intuito de coibir atos e omissões potencialmente lesivos aos ditames que regulam a atividade administrativa, fundado no conjunto das competências desse Tribunal (art. 71, da CR), requer:
1º) com fundamento no inciso XI do artigo 12 do RITCE e artigo 42 da Lei Orgânica do TCE , seja expedida, inaudita altera parte, determinação, em sede de medida cautelar, para que o Secretário da Educação implemente, em até 48 (quarenta e oito) horas, plano de recuperação dos dias letivos;
2º) instauração de inspeção especial no âmbito da Secretaria da Educação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, visando ao acompanhamento e à averiguação integral dos fatos suscitados;
3º) o recebimento e processamento da presente, propugnando por seu acolhimento, bem como seja dada ciência ao Parquet das providências implementadas pela Casa em relação à matéria.
À sua elevada consideração.
MPC, em 03 de janeiro de 2020.
GERALDO COSTA DA CAMINO,
Procurador-Geral.