Além de quais conteúdos vão cair no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), os estudantes tiveram mais um motivo de questionamentos neste ano. O comando do Ministério da Educação (MEC) trocou em pouco mais de três meses de governo, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo exame, teve quatro presidentes em 2019 e a gráfica que imprimia o material entrou em falência.
Isso criou um clima de dúvida da própria realização da prova, somado à suspeita de possíveis alterações do conteúdo. Primeiro porque o presidente Jair Bolsonaro disse que passaria a “tomar conhecimento” do exame antes de sua aplicação, ao criticar uma questão de 2018 cujo texto-base era sobre um dialeto social usado por homossexuais e travestis, segundo, porque foi criada em março uma comissão para avaliar se o material tinha “teor ofensivo” a grupos sociais, tradições e costumes, conforme informou o MEC à época.
A elaboração da prova, porém, segue uma metodologia tecnicamente rigorosa, complexa, longa e dispendiosa, difícil de ser alterada sem considerável investimento de tempo, algo que o atual comando do ministério ainda não teve.
Para saber o que esperar do Enem 2019, consultamos especialistas em Educação e professores de cursos preparatórios. O professor da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Alavarse se acostumou a ser questionado sobre o Enem. Especializado em avaliação e política educacional, ele acreditava já ter ouvido todo o tipo de perguntas sobre o exame, mas se surpreendeu neste ano.
— “Será que vai ter Enem? Será que o presidente vai ler? Será que o conteúdo vai mudar?”, nunca imaginei que me perguntariam isso — afirma Alavarse.
As dúvidas procedem das mudanças no comando no ministério da Educação e, sobretudo, da promessa do presidente Jair Bolsonaro de ler o exame de 2019 antes de sua aplicação, após criticar uma questão de 2018 que tinha como exemplo o dialeto social pajubá, fruto de línguas africanas e usado por homossexuais. O presidente não leu, garantiu Abraham Weintraub, ministro da Educação, mas o Inep criou uma comissão em março para fazer a análise e recomendar a retirada de “abordagens controversas com teor ofensivo a segmentos e grupos sociais, símbolos, tradições e costumes nacionais”. O resultado da revisão não foi revelado.
— Eu fui presidente do Inep por cinco anos e nunca vi uma prova antes. Ela é feita de forma técnica, os elaboradores são especializados. Por segurança, pouca gente vê — afirma o ex-presidente do Inep Reynaldo Fernandes, que estava em seu último ano no cargo, em 2009, quando cadernos do Enem foram furtados da gráfica que imprimia o material, levando ao reforço das regras de segurança.
Conforme Francis Madeira Sales, coordenador pedagógico do Fleming Medicina, a complexidade da metodologia de elaboração da prova é tamanha que, para excluir apenas uma questão, é preciso redefinir as demais, porque elas são distribuídas em uma escala de dificuldade. Para o professor, a queixa sobre a questão de 2018 não teve um motivo técnico e, sim, recaiu sobre o texto-base.
— O item não exigia conhecimento da “linguagem de travesti”, como se vociferou no Twitter. Perguntava apenas o que garantia ao socioleto o status de constituinte do patrimônio linguístico. Se o texto-base falasse da variedade linguística social de surfistas, por exemplo, a questão seria exatamente a mesma — avalia Sales.
Questões neutras e e sem polêmicas
Para Paulo Mottola, diretor do Mottola Pré-Vestibular, assuntos como desigualdade social e desmatamento são temas da atualidade, por isso, e não por razão ideológica do elaborador, podem cair no teste. Roberta Spessatto, professora de Linguagens do Unificado, pondera que a presença de textos sobre grupos minoritários da sociedade pode ser reduzida neste ano e Fábio Vasques, diretor de Ensino do Unificado, avalia que a tendência é de a redação evitar temas polêmicos.
Mesmo que alguma abordagem seja evitada, os professores não preveem mudanças no grau de dificuldade, nos critérios de correção e na matriz de referência. Para um jovem primo, um dos tantos estudantes que lhe fez as perguntas do início deste texto, Alavarse deu resposta e solução:
— Você não tem que pensar nisso. Você só tem que estudar, que é do que depende o seu resultado.
Alterações no futuro
Em julho, Camilo Mussi, então presidente substituto do Inep, admitiu a intenção do órgão de fazer mudanças na matriz de referência do Enem para torná-lo melhor adaptado ao Novo Ensino Médio, mas isso deve se concretizar somente para 2021.
Também foi anunciada pelo MEC a intenção de passar a aplicar os testes por computador, medida a ser adotada gradativamente, começando por uma versão piloto em 2020 com 50 mil estudantes. Quanto ao conteúdo, o ministro Abraham Weintraub disse somente que a edição deste ano não teria “questões ideológicas ou muito polêmicas”.