Em meio à crise nas finanças públicas, cinco alunos e ex-alunos da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) criaram a primeira "poupança" de longo prazo para doações da comunidade em uma universidade federal do país. O Fundo Centenário, nome dado em homenagem ao prédio criado em 1896 para o curso de Exatas, será voltado a financiar pesquisas e modelos de negócio que levem descobertas científicas ao mercado.
O modelo, ainda pouco conhecido no Brasil, segue a toada de práticas já consolidadas em instituições de elite dos Estados Unidos e da Inglaterra, como Harvard, Yale e Oxford.
O nome oficial dessa poupança é "endowment" ou "fundo patrimonial". Em suma, doações são investidas em um fundo do mercado financeiro, cujo valor fica intocável para sempre. Mas os rendimentos da verba seguem dois caminhos: parte é reinvestida na poupança (e assim o bolo inicial cresce com o passar do tempo) e parte é aplicada em projetos. O investimento, portanto, ganha relevância apenas no longo prazo.
Os rendimentos do fundo patrimonial da Engenharia, criado no ano passado e que será lançado oficialmente na próxima segunda-feira (25), serão investidos em compra de máquinas e materiais, laboratórios, pesquisa de inovação em Engenharia, competições estudantis e para ajudar os produtos criados por alunos a se tornarem modelos de negócio.
A Escola de Engenharia da UFRGS, em seus 21 cursos de graduação e pós-graduação, ensina todo ano 9 mil alunos e diploma 500 profissionais. Projetos existentes hoje e que poderiam ser beneficiados no futuro, por exemplo, são competições internacionais de carros de corrida montados por estudantes, estudos em engenharia de tecidos (tecnologia capaz de ser aplicada em vítimas de incêndio), incubadora de startups, entre outros.
Segundo o presidente e um dos criadores do Fundo Centenário, o estudante de Engenharia de Produção Renan Dedavid, 25 anos, a ideia surgiu após o grupo de cinco amigos descobrir, durante intercâmbios no Exterior, a existência de fundos semelhantes. Eles também notaram a vontade de ex-alunos da UFRGS em apoiar a universidade.
— O benefício não virá agora nem daqui a três anos, mas alguém tem que começar para, daqui a 30 anos, isso mudar a história da escola. A cultura da doação espontânea ainda não é tão forte no Brasil. Mas o endowment está aí para fazer uma mudança cultural — afirma Renan.
R$ 1 milhão até o fim de 2019
O Fundo projeta arrecadar R$ 1 milhão em 2019. O valor levantado até agora não foi divulgado — entre os doadores, estão alunos, ex-alunos, Juliano Melnick (da construtora Melnick Even) e a empresa multinacional automotiva Dana.
A verba do Fundo será administrada por um comitê com três pessoas ligadas ao mercado financeiro, responsáveis por definir a forma como o dinheiro será aplicado (pode ser em bancos, no Tesouro Nacional ou em ações do mercado financeiro). Estes nomes serão aprovados pelo Conselho, um grupo de professores e representantes dos doadores que definirá como o dinheiro será aplicado. A UFRGS não terá poder de decisão porque a verba não é oficialmente ligada à universidade. Haverá ainda membros para fiscalizar e uma auditoria externa. Não há incentivos fiscais para as doações — portanto, a adesão é por vontade de ajudar a educação e a ciência.
— A gente quer mudar a cultura de endowment no Rio Grande do Sul, que não é muito usual, mas tem tradição em outros países. É sabido que as universidades federais passam por crises financeiras. O fundo vem auxiliar esse contexto. Vamos privilegiar projetos na área de inovação para estarmos alinhados ao Pacto Alegre (união de esforços entre representantes de universidades, de entidades, do poder público e da sociedade civil organizada para colocar em prática projetos que transformem, em médio prazo, a capital gaúcha em ambiente favorável a investimentos e à geração de emprego e renda) — diz a vice-diretora da Escola de Engenharia, Carla ten Caten.
Oficialmente, as verbas da UFRGS não estão caindo — de fato, o orçamento da instituição passou de R$ 1,5 bilhão em 2015 para R$ 1,92 bilhão em 2019, segundo informações do Portal da Transparência do governo federal. No entanto, este valor é dividido com salários, infraestrutura e pesquisa e não chega de uma vez só: é congelado e repassado aos poucos, ao longo do ano, o que acaba por estrangular o planejamento financeiro da universidade.
Retribuição ao aprendizado adquirido na UFRGS
Marcelo Damasceno, 50 anos, se formou em Engenharia Mecânica na UFRGS em 1991 e estudou em universidades com tradição de fundo patrimonial, como Berkeley e Harvard, ambas nos Estados Unidos. Hoje, ele mora em Boca Raton, nos Estados Unidos, trabalha no mercado financeiro e faz um trabalho voluntário de mentoria a distância com alunos da Engenharia da UFRGS. Ele decidiu fazer uma doação ao Fundo Centenário para retribuir o que aprendeu.
— Contribuir para o fundo patrimonial da Engenharia da UFRGS é retribuir à sociedade gaúcha a educação que me foi proporcionada, além de fomentar o desenvolvimento e a atração de talentos na área para o Rio Grande do Sul — avalia.
Quem quer ser financiado deverá inscrever seu projeto em um edital para avaliação de uma comissão, formada por professores e grandes doadores. Como, por lei, fundos patrimoniais não são passíveis de dedução de impostos fora da Lei Rouanet (específica para cultura), há uma estratégia para atrair doações empresariais: se a instituição patrocinar bolsas oferecidas a estudantes carentes para assegurar que eles se foquem nos estudos, a ideia é que a bolsa receba o nome da empresa.
O Fundo Centenário da UFRGS é inspirado no Amigos da Poli, endowment pioneiro no ensino superior no Brasil e lançado em 2012 pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), que também abriga cursos da Engenharia. O "irmão mais velho" paulista, após sete anos, levantou R$ 24 milhões graças a 3 mil doadores. O engenheiro mecatrônico e vice-presidente do Fundo, Felipe Labate, 31 anos, diz que até agora R$ 2,2 milhões em rendimentos foram investidos em 85 projetos.
— Financiamos projetos da graduação e da pós, sejam de professores ou de alunos. Priorizamos aqueles ligados a valores que acreditamos, como empreendedorismo, inovação, liderança, cidadania e sustentabilidade. São equipamentos inovadores em sala de aula, pesquisas ligadas a protótipos, startups, criação de novas disciplinas, robôs e drones para competições estudantis, entre outros — afirma.
Como ajudar?
Entre no site do Fundo Centenário ou faça o contato por meio do e-mail fundocentenario@fundocentenario.com.br ou do telefone (51) 99707-0088.