Parece banal, mas não é. A tarde da última quarta-feira, dia 1º, foi a primeira no ano letivo em que a professora do 2º ano do Ensino Fundamental Isabel Cristina Nogueira Pellizzoni conseguiu usar livros didáticos em sala de aula. Até então, explicava conteúdos e tarefas no quadro e contava com uma programação de aula que sofria um revés toda vez que o clima virava. Por falta de energia elétrica na escola, as opções pedagógicas para os professores da Escola Estadual de Ensino Fundamental Erico Verissimo, de Viamão, eram quase rudimentares.
A profe Isabel precisou postergar o uso do livro porque adiou o ensinamento da escrita das letras minúsculas para a turminha do 2° ano, com alunos entre sete e oito anos. Como o livro é praticamente todo escrito em minúsculas, os pequenos não o compreenderiam.
Sem xerox
Sem energia elétrica, Isabel não conseguia usar a máquina de xerox para fazer cópias das atividades que dariam a base do traço para as letras minúsculas.
– Para eles, é difícil, no começo têm dificuldade. Eu preferi postergar para quando a luz voltasse – explica a professora.
De forma provisória, a energia retornou em 6 de julho, após quatro meses às escuras. Nas duas semanas seguintes, Isabel conseguiu, enfim, ensinar as minúsculas.
Gritos de alegria
Na tarde de quarta, quando, pela primeira vez, a gurizada teve contato com o livro de Letramento e Alfabetização, a turma estava animada enquanto aprendia que todo nome próprio deve começar com letra maiúscula.
– Eu queria muito aprender logo, mas, sem luz, não dava. Escrever assim é muito melhor – avalia Willian Rafael Côrrea Barbosa, oito anos.
Para a gurizada que ficou tanto tempo sem energia elétrica e copiando todas as tarefas do quadro, fazer as lições no próprio livro foi uma satisfação. Agora, reconhecem até a vantagem de poder fechar a cortina da sala enquanto o sol reflete na classe dos alunos. Antes, sem energia, não dava porque o ambiente ficava escuro.
– Agora, as possibilidades de aula são muito maiores. Os alunos gritaram de alegria quando a luz voltou – admite a professora, com sorriso no rosto.
“Nosso ânimo mudou”
Os ganhos para os 123 alunos da escola localizada na Lomba do Sabão podem parecer simples, mas têm devolvido pouco a pouco a autoestima de todos.
Ao começar a aula de Ciências na quarta-feira, a professora Cíntia Costa, do 5º ano, propôs a construção de um móbile com os ossos do corpo humano. A atividade, feita com papel, retomou uma cena incomum na sala de aula: a professora entregando cópias feitas no xerox.
– Foram quatro meses usando apenas o quadro branco – diz Cíntia.
A sala era uma das mais escuras do prédio até o corte das árvores do pátio que faziam sombra ao ambiente.
– Às vezes, era difícil, realmente ficava escuro. Foi tanto tempo que entro na sala e esqueço de ligar a luz – comenta a professora.
Na cozinha, não é mais necessário levar a carne da merenda para a casa de um dos funcionários, onde ficava armazenada na geladeira.
Na secretaria da escola, a secretária Hilda Maria da Silva, enfim, consegue trabalhar. Parte do período, precisou trabalhar de casa para acessar e-mails, cuidar de matrículas e rematrículas e alimentar os dados do censo escolar.
– Nosso ânimo para vir trabalhar mudou – avalia a auxiliar de serviços gerais Janete Anacleto de Quadros.
Hora do conto com música
A disposição em estudar é algo que também mudou para Maurício Ferreira da Silva, nove anos. À reportagem, contou que “tem mais vontade de ir para a escola agora.” Também, pudera: a turma 32, do 3º ano, que ficava com as classes amontoadas para o lado da janela, agora é dividida em três fileiras, e, duas vezes por semana, tem a hora da leitura.
– Antes, eu não fazia leitura em sala de aula porque era escuro. Agora, com a nova organização das classes, eles se concentram mais, não ficam tão juntos e dá menos conversa. Com energia elétrica, é possível criar um planejamento de aula – avalia a professora Jéssica Oliveira.
A professora Luciane Souza, que dá aulas para o 1° ano, diz que, agora, pode usar música na hora do conto. Nos primeiros dias de aula em março, quando falou à reportagem pela primeira vez, a reclamação que mais ouvia era que os alunos não conseguiam enxergar a lição no quadro.
Criatividade
De lá para cá, o espírito da turma mudou. No final de junho, quando o Diário conversou com os estudantes, alguns admitiam que só tinham vontade de ir para aula em dias de sol. Agora, a mudança do tempo não interrompe mais aulas como antes – nos meses sem energia, em dias de chuva e tempo fechado os alunos eram liberados mais cedo, já que as salas de aulas escureciam muito.
– Para os pequenos, tem que ter criatividade para uma aula interessante. Com energia elétrica, isso fica mais fácil – afirma Luciane.
Falhas na rede em 90% das escolas
Os problemas de rede elétrica não são exclusivos da Escola Érico Veríssimo, em Viamão. Pelo contrário, segundo a Secretaria de Estado da Educação (Seduc), 90% dos mais de 2,5 mil estabelecimentos de ensino da rede estadual do Rio Grande do Sul possuem algum tipo de falha na rede elétrica. De acordo com depoimentos de diretores de escolas, algumas têm mais de 50 anos e jamais passaram por uma revitalização na rede.
Em junho, 349 escolas com situação mais crítica receberam R$ 53 milhões de verba para diversos tipos de reparos, incluindo elétricos.
Projeto
De acordo com o Departamento Administrativo da Seduc, as reformas estão em fase de projeto. Parte das obras tem previsão de início para agosto, porém, algumas, mais complexas, devem demorar mais.
Obras estão perto do fim
A diretora Rejane Maffioleti explica que o clima da escola mudou com a volta às aulas:
– Está todo mundo muito faceiro, alguns ainda nem acreditam que temos luz.
Segundo ela, a biblioteca ainda não voltou a ser usada pois precisa ser organizada. Já a sala de informática tem servido como dormitório para os trabalhadores da obra.
A obra deve ser concluída na próxima semana, encerrando a reforma na rede elétrica da escola. A empresa S. Teixeira Construtora é a responsável pelo serviço, que custou R$ 33 mil.
A Escola Erico Verissimo começou o ano às escuras quando um choque elétrico atingiu uma funcionária. Ela não se feriu, mas o acidente trouxe à tona um problema grave na fiação elétrica da escola, que precisa ser trocada. Ao menos 15 ligações irregulares junto ao poste de luz da escola, agravaram o problema.
Na primeira semana de aulas – entre 26 de fevereiro e 2 de março – o prédio chegou a ficar interditado, mas para não perder aulas, a direção decidiu seguir o calendário escolar.