Depois que a Medida Provisória (MP) 808 — que modifica diversos pontos da lei que institui a Reforma Trabalhista — perdeu a validade em abril, o governo decidiu fazer uma espécie de "regulamentação " do texto usando outros caminhos. Na quinta-feira (24), o Ministério do Trabalho publicou no Diário Oficial da União a portaria MTB 349 que trata sobre o contratação de autônomos e o trabalho intermitente. Basicamente, o documento aponta regras para esses dois temas, como a distinção de autônomo e empregado. Advogados e especialistas em Direito Trabalhista entendem que há fragilidade jurídica na medida, a começar pela própria natureza do documento.
— Parece que o governo está tentando regulamentar a lei por portaria, e esse não é o formato legal para isso, nem o ministro do Trabalho tem essa competência. Quem define quem é empregado e a CLT e não uma portaria — diz o advogado Alberto Rozman.
Um dos artigos da portaria criticados é o que estabelece que a contratação do autônomo, "cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado".
— Há muitos pontos que não são claros e frágeis. Por exemplo, quando permite essa exclusividade, já está modificando a sistemática do Direito do Trabalho sobre a relação contínua que caracteriza o emprego. Isso gera um contrassenso — avalia Rozman.
O advogado Odilon Garcia ressalta que a chamada subordinação jurídica, que, se reconhecida, configura vínculo empregatício também não é bem explicada na portaria e pode ser uma armadilha inclusive para empregadores. Um trabalhador deixa de ser autônomo, por exemplo, quando está submetido às ordens daquele que o contrata, como exigência de horário, jornada e até metas de produtividade aplicadas aos empregados ou, por exemplo, quando exerce uma função fundamental para a dinâmica do negócio, como um garçom em um restaurante.
Merece atenção, conforme o advogado Rodrigo de Freitas, que a Portaria 349 garante ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade pedida pelo contratante, garantida a aplicação de penalidade se isso estiver previsto em contrato, o que pode trazer muitas dúvidas e aproximar a relação à caracterização de vínculo empregatício.
Sobre essa questão, a advogada Lenara Giron, professora de Direito do Trabalho, alerta:
— Independentemente da formalidade da contratação do autônomo, havendo subordinação haverá a caracterização da relação empregatícia, assim, princípios norteadores do Direito do Trabalho continuarão a prevalecer fazendo com que os contratos realizados possam ser declarados nulos.
O trabalho intermitente é outro ponto confuso no texto, porque, segundo os especialistas, não traz sequer definições de tempo mínimo e máximo e alternância de períodos trabalhados. Por exemplo, se o trabalhador se dedicar a uma atividade para determinado empregador todas as quintas-feiras, isso já poderia ser caracterizado como trabalho habitual e não intermitente.
— Me parece que é um instrumento para criar empregos sem que as pessoas estejam empregadas. Pode até gerar falsas estatísticas — avalia Garcia.
— Essa fragilidade no texto pode causar prejuízos não só para os trabalhadores, mas para os empregadores, em razão de um passivo judicial que poderá ser gerado — completa Rozman.
Lenara observa também que o ponto da MP 808/2017 que estabelecia o período de 18 meses para modificar a modalidade de um empregado registrado por contrato de trabalho por prazo indeterminado em contrato de trabalho intermitente não foi considerado na portaria.
— Esta omissão pode trazer maiores prejuízos com entendimentos divergentes para ambas as partes da relação empregatícia.
Principais pontos da portaria
Sobre contratação de autônomo
A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
Não caracteriza a qualidade de empregado prevista na Consolidação das Leis do Trabalho o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços.
O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo.
Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de cláusula de penalidade, caso prevista em contrato.
Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo não possuirão a qualidade de empregado.
Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício.
Sobre trabalho intermitente
O contrato de trabalho intermitente será celebrado por escrito e registrado na Carteira de Trabalho e Previdência Social, ainda que previsto em acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva.
Valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, nem inferior àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função, assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno.
O empregado, mediante prévio acordo com o empregador, poderá usufruir suas férias em até três períodos.
Durante o período de inatividade, o empregado intermitente poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a mesma atividade econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de contrato de trabalho.
No contrato de trabalho intermitente, o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador e não será remunerado, hipótese em que restará descaracterizado o contrato de trabalho intermitente caso haja remuneração por tempo à disposição no período de inatividade.
As verbas rescisórias e o aviso prévio serão calculados com base na média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato de trabalho intermitente.
No contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do empregado e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.