A professora de Língua Portuguesa Marcia de Lourdes Friggi, 51 anos, atua há 12 anos no magistério. Docente da rede estadual de ensino de Santa Catarina e contratada em caráter temporário (ACT) no município de Indaial, no Vale do Itajaí, para trabalhar numa unidade de Ensino de Jovens e Adultos (EJA), ela foi agredida com tapas e socos por um aluno, quando levou o adolescente de 15 anos à direção.
Foi a primeira vez que dava aula para aquela turma do EJA e garante que não conhecia o rapaz que a agrediu. Os pontos no supercílio e o olho roxo não desanimam a professora, que se define como uma guerreira e está disposta a ser a voz do "magistério abandonado". Confira a entrevista exclusiva concedida ao Diário Catarinense:
Como foi o episódio?
Eu relatei ali no Facebook (veja o post em detalhes, abaixo), não sei como eu consegui fazer aquilo, mas foi exatamente o que aconteceu. O aluno estava com o livro sobre as pernas e, como eles costumam usar muito celular e fone de ouvido, a nossa grande luta é para que nos escutem, porque eles ficam em sala de aula usando WhatsApp e escutando música. Tenho toda a turma como testemunha, inclusive usei as palavras "por favor" e "por gentileza". Falei: "por gentileza, coloque o livro sobre a mesa". Ele falou: "não, eu coloco o livro onde eu quiser". Aí eu disse: "não é bem assim". Ele respondeu: "vai se f...". Então, disse para ele ir à secretaria, à direção. Então ele jogou o livro na minha cabeça, mas não machucou, não fez nada. Eu estava estranhamente calma, uma força divina que deixa a gente calma antes de acontecer uma barbaridade dessa. Na direção, na frente da diretora e da secretária, elas não tiveram como reagir assim como eu não tive, eu relatei com calma o que tinha acontecido na sala e que ele jogou o livro na minha cabeça. Ele disse que eu tava mentindo. Falei: "como mentindo?". Mas não deu tempo de dizer mais nada, ele começou a me agredir com tapas e no final ele me desferiu um soco que me jogou contra a parede. O meu olho tu não tens noção de como está agora, totalmente fechado, completamente roxo. E segundo o médico que fez a sutura, amanhã vai estar pior ainda.
O que foi feito depois desse episódio?
A secretária e a diretora ajudaram a me encaminhar. Um colega me acompanhou, me deram atenção, até a delegacia. Fiz o boletim de ocorrência e depois fui até o hospital fazer a sutura. Na delegacia, pediram para fazer exame de corpo de delito em Blumenau e demorei horas.
Esse rapaz já tinha apresentado algum comportamento agressivo?
Como é EJA (unidade de Educação de Jovens e Adultos), a gente recebe as turmas de 17 em 17 dias. Hoje era meu primeiro dia com essa turma e eu não conhecia esse rapaz.
Trabalhava há tempo com essas turmas?
Eu tenho experiência. Em 2015, 2016 e 2017 trabalhei com EJA e em 2013 também. São alunos mais difíceis especialmente no turno da manhã. No da noite, não, porque são pessoas que já estão no mercado de trabalho e perceberam a necessidade de completar os estudos. Mas na parte da manhã nós temos alunos bastante problemáticos.
Já havia passado por alguma situação como essa ou com algum colega?
A situação está bem difícil para os professores. Escutar palavrão é uma coisa comum, não fui a única, acontece todos os dias. Agressão física é mais rara, graças a Deus. Mas, infelizmente, aconteceu.
No seu post, comenta sobre lutar para que isso não aconteça mais. O que pretende fazer?
Não sei dizer, é muito recente. Eu sou uma mulher muito forte, muito guerreira, se eu tiver que ser voz do magistério brasileiro, que está muito abandonado, eu vou ser, até o meu último dia. Inclusive a mídia está nos abandonando, a sociedade, o governo, as famílias, todos têm culpa. Todos ajudaram a deixar meu olho roxo.
E por onde começar essa mudança em sala de aula?
Precisa haver um resgate na valorização do professor, em todos os níveis. Não apenas que governos nos reconheçam e nos valorizem, a sociedade precisa voltar a nos valorizar. Nós estamos reféns. Existe uma geração que não soube educar seus filhos e querem que a gente ensine e também eduque.
Quanto tempo deve ficar afastada?
Não sei. O médico disse para eu ficar sete dias afastada porque não existe a menor possibilidade de eu dar aula com um olho fechado.
Que tipo de providência gostaria que fosse tomada em relação ao rapaz?
Eu fiz o boletim de ocorrência, o que eu tinha que fazer, eu fiz. O resto, a vida vai se encarregar. A vida vai ser bem mais rude com ele do que eu fui. Eu não tenho nada a dizer para esse rapaz, o que eu queria dizer para ele era dentro da sala de aula, mas ele não quis escutar como aluno. Eu só tenho a dizer para os meus bons alunos, que são respeitosos, que respeitam seus pais, que são solidários a mim. A eles, sim, eu tenho muitas coisas bonitas a dizer.