Anunciada e publicada no final da semana passada por meio de medida provisória (MP), a reforma no Ensino Médio trouxe mais dúvidas do que certezas. As duas páginas da edição extra do Diário Oficial da União que contêm a definição, com força de lei, pouco explicam sobre como será feita a transição, quem fica responsável pelo cumprimento da nova pauta – que não prevê prazos – e como as escolas poderão arcar com os custos.
No Rio Grande do Sul, que em julho viu encerrar somente depois de 54 dias a última greve do magistério estadual, com professores cobrando melhores salários e condições de trabalho, a notícia causou apreensão. Como escolas públicas que mal conseguem receber e formar com qualidade alunos em um só turno poderão passar a oferecer educação em tempo integral? Como contratar mais professores quando já há profissionais em falta na rede?
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– O Estado não tem condições de assumir todas essas mudanças definidas agora. É preciso investir em formação, em qualidade, mas sem diálogo, na "canetada", nenhuma mudança é possível – avalia a presidente do Cpers/Sindicato, Helenir Aguiar Schürer.
Apesar de não definir prazos, o Ministério da Educação (MEC) espera que a reforma passe a ser adotada em algumas redes de ensino já no ano que vem, e turmas sejam plenamente afetadas pela mudança a partir de 2018. Educadores, contudo, reclamam que não há tempo hábil para colocar o novo Ensino Médio em prática: é preciso primeiro ao menos entender as mudanças, mas uma série de dúvidas ainda paira sobre o currículo básico a ser implementado.
MP não prevê mudança na formação dos professores
Formados atualmente para atuar como docentes de disciplinas específicas, os professores podem ser profundamente afetados pelas mudanças no Ensino Médio. Mas, assim como em outros aspectos, a falta de informações mais claras torna incerta a dimensão nas alterações que teriam de ser feitas nos cursos de licenciatura para que os novos profissionais possam se enquadrar.
– Se a Base Nacional (documento que organiza o currículo comum) permanecer como está sendo discutida, teremos disciplinas dentro de cada área, e não haverá grandes modificações. Mas se a ideia for formar professores que trabalhem com áreas do conhecimento, professores de "ciências da natureza", as licenciaturas não estão preparadas. Precisamos nos apropriar melhor do que a legislação vai prever para ver como vamos nos articular – analisa a coordenadora de licenciaturas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Roselane Costella.
Para a professora, uma mudança mais brusca no novo currículo pode gerar um retrabalho às universidades, que já vinham discutindo novas diretrizes para as licenciaturas, definidas pelo MEC em 2015. As alterações seriam implantadas no ano que vem.
A doutora em educação e professora da Unisinos Nara Nörnberg acredita que o principal impacto deve ocorrer na relação entre professores e escolas, depois que cada Estado tiver definido o currículo para a segunda metade do Ensino Médio. Ela reconhece porém que quaisquer que sejam as alterações previstas pela MP, elas serão pauta de discussão nas universidades.
– A questão do notório saber é um ponto a ser discutido. Toda área de conhecimento tem aproximações e afastamentos, mas essa mobilidade não é o ideal. Temos de esperar os desdobramentos para começar a pensar até que ponto isso vai e qual será a postura da universidade.