Um dia após o anúncio das mudanças no Ensino Médio, o secretário estadual de Educação, Luís Antônio Alcoba de Freitas admitiu que a crise financeira deve ser o principal empecilho à implantação do novo Ensino Médio nas escolas estaduais. Em entrevista por telefone a ZH, Freitas diz que questionamentos sobre como as mudanças serão financiadas e sobre pontos não contemplados na MP, como o Ensino Médio noturno, devem ser levados a Brasília antes que o Congresso aprecie o texto que, segundo ele, "pode ser aperfeiçoado". O secretário disse que o Estado deve aguardar pelas definições da base curricular comum para começar a discutir o que será feito a nível estadual. Para isso, promete ouvir setores da sociedade que criticaram a falta de diálogo na edição da MP, como estudantes, professores, universidades e sindicatos.
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Como o Estado avalia o conteúdo da Medida Provisória?
A simples edição MP não é uma formula mágica que vai superar os desafios da educação no país. É um primeiro passo, e traz uma discussão importante: o Ensino Médio efetivamente tem que ter alterações. Agora, a forma como isso vai se dar, vamos ter que nos debruçar para saber. Temos de aperfeiçoar algumas coisas, acho que no Congresso isso vai ser possível.
O que precisa ser aperfeiçoado?
Em relação à carga horária, existe uma peculiaridade (que não consta na MP): no Ensino Médio temos alunos que estudam à noite e trabalham durante o dia. Essa carga horária de 1,4 mil horas impediria esses alunos de trabalhar. Também temos a questão do financiamento. A MP não fala sobre financiamento, sobre como se dará isso. E também tem os temas transversais: além da base curricular nacional, tem uma série de questões relacionadas a ambiente, código de defesa do consumidor, constituição, ética, que não entraram na MP. Não temos conhecimento do que vai constar na base nacional comum curricular. Não queremos ter robôs. Os índices (como o Ideb) só medem conhecimentos em português e matemática. Mas a educação é mais do que isso. Temos que ter preocupação com outras matérias que são importantes na formação do cidadão. Que o aluno sinta que a escola é útil, mas também tem esse viés de formar o cidadão. Que tenha matérias como sociologia e filosofia, que contribuem para que ele desenvolva um pensamento crítico e possa mudar a sociedade. Queremos discutir essa questão.
Como ocorrerá a discussão a nível estadual? A MP foi criticada por não ouvir diversos setores envolvidos com a educação.
Queremos ouvir o fórum dos estudantes (das escolas ocupadas), professores, universidades, fazer seminários. Nossa equipe técnica já está vendo isso. Queremos ouvir a sociedade. Nosso desafio enquanto Estado é que a escola seja útil e também forme o cidadão.
O Estado está preparado para a mudança estrutural necessária à aplicação do que prevê a MP?
Nós efetivamente não estamos preparados para o conteúdo da medida provisória. Terá de ser feita uma série de adaptações. Tem questões como a carga horária, que aumentará de forma gradativa. Isso exigirá mais professores, mais funcionários na escola. Com certeza terá uma implicação financeira. Nós estamos tentando melhorar isso no Estado, mas não temos a velocidade necessária. Temos feito uma série de obras para qualificar a estrutura das escolas. Temos uma rede envelhecida, mas fizemos uma liberação recente de verba para obras emergenciais e para melhorias. É claro que não é suficiente. Essa questão é gradativa, e isso será nossa responsabilidade enquanto secretaria de estado.
De que forma escolas que mal conseguem receber estudantes em um turno, com problemas estruturais, terão condições de receber alunos durante o dia inteiro?
Temos um trabalho muito grande pela frente para ver em que tempo e de que forma vamos vencer cada etapa. A questão financeira é um problema. Isso vai exigir mais recursos, mais estrutura. O MEC está para abrir um edital que prevê recursos para a implantação do turno integral, mas limitados e 15 mil alunos ou 30 escolas. Temos quase 500 mil alunos, então não é um número significativo. Teremos que estudar buscar outras fontes de recursos. Com a verba do governo federal, vamos dar preferência para escolas de periferia, que são as que têm mais necessidades. Mas terão de ser escolas que já tenham alguma estrutura, como quadras esportivas e refeitório. Algumas ainda não têm isso.
Os professores da rede estadual estão preparados?
Vamos ter que ter muita formação continuada. É nosso grande desafio, passar a ter condições de fazer formação para garantir as mudanças. As universidades têm uma responsabilidade grande, porque formam os professores. Temos que chamar esses atores para nos ajudar. Mas já temos investido em formação. No ano passado, para o Ensino Médio, tivemos cursos de formação continuada para mais de 24 mil professores. Temos previstos recursos no orçamento para isso.
Quantos professores a mais terão de ser contratados?
Não temos ideia. Teríamos de fazer um levantamento de horas. Hoje os currículos do Ensino Médio são de 800 ou mil horas, vão aumentar para 1,4 mil, então, em tese, precisaríamos de 40% a mais de professores.
Os professores estaduais são dos poucos que ainda não recebem oficialmente o piso nacional. Vários tiveram os salários parcelados. Uma mudança como essa não pode piorar a situação da categoria?
Acho que os professores têm consciência da situação por que passa o Estado. Ninguém ganha menos que o piso na prática, porque o estado paga um completivo. A média do contracheque no Estado é superior ao piso: R$ 4,2 mil para 40 horas. O que é muito ruim é o nosso básico. E o Cpers acha que o básico é o piso, que é o que a Justiça vai decidir. Mas hoje não existe, pelo pagamento do completivo, ninguém que ganhe menos que o piso. Reconhecemos que o professor teria que ganhar mais, mas isso não impede de que a gente discuta as mudanças no Ensino Médio. Os professores hoje já têm um currículo que tem que colocar em prática. É o trabalho deles. Acreditamos que vão se empenhar para fazer as coisas acontecerem.
A MP prevê que pessoas que não possuem licenciatura ou diploma de curso superior poderão dar aula no Ensino Médio. Isso não vai prejudicar os professores?
Essa questão do notório saber ficou muito aberta. Não está bem explicitada. Vai caber na discussão. Teremos a oportunidade de conversar com os professores de como isso vai se dar. Não queremos tirar nenhum direito da classe dos professores. Queremos poder contar com eles para que a reforma possa acontecer.
O senhor acha que é impossível implantar o novo Ensino Médio até 2018?
Implantar o novo Ensino Médio em termos de currículo, e a base nacional comum, acho que temos condições. Agora o turno integral, em termos de equipamentos, estrutura, não vislumbro que, em curto espaço de tempo, teríamos condições. A gente conseguiria resolver se tivesse uma ajuda financeira. Para os dois anos seguintes, com essa ajuda que está prevista, não teríamos condições de atingir a totalidade dos alunos.