O doutorando em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Dorival Gonçalves Santos Filho, 33 anos, começou há um ano os preparativos para estudar na Université de Lyon, na França. Elaborou o projeto, garantiu a gratuidade das atividades em laboratório, enviou documentos e fez entrevistas para atestar a proficiência no idioma. No início deste semestre, já com o aceite da instituição francesa em mãos, surpreendeu-se quando foi informado por e-mail que as bolsas para o chamado doutorado sanduíche – quando o aluno faz parte do curso em universidade estrangeira – estão suspensas neste ano. Uma das consequências do problema é o atraso do processo de internacionalização das universidades – que facilita a criação de redes de pesquisadores pelo mundo e ajuda a alavancar a instituição nos rankings internacionais de avaliação – além de abrir mão da oportunidade de compartilhar conhecimentos.
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– Eu tinha até 22 de abril para enviar os documentos no sistema do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). E daí, para minha surpresa, cancelaram todas as bolsas. A frustração é geral, minha e de vários colegas meus. Por um lado a gente entende, mas por outro lado a minha pesquisa não entende. Eu ia aprender muita coisa lá para depois replicar aqui. Agora, já vou ter que começar a delinear outro rumo para minha pesquisa.
foi personagem de
Dorival foi personagem de reportagem do DC, no final de fevereiro, que contava a trajetória do ex-catador de lixo que está se preparando para ser doutor em Linguística e cujo objetivo era iniciar o doutorado sanduíche no exterior.
Em 2015, 230 doutorandos da UFSC foram contemplados com 1.306 bolsas – que incluem mensalidades, seguro saúde e auxílios deslocamento, instalação em cidades de alto custo – referentes ao Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) e ao Doutorado Sandwich (SWE). O número de pesquisadores que complementaram a pós-graduação com estágio em países estrangeiros a partir de programas da Coordenadoria de Aperfeiçoamento Pessoal e Profissional (Capes) e do CNPq foi histórico. Mas em 2016 a única universidade federal no Estado a ter programa de doutorado – a Universidade Federal Fronteira Sul em Chapecó, no Oeste do Estado, ainda não dispõe do programa – não deve enviar pesquisadores ao exterior devido aos cortes no orçamento do governo federal, que impactaram os ministérios da Educação e de Ciência e Tecnologia.
Justificativas incluem alta do dólar e ajuste fiscal
De acordo com a pró-reitora de pós-graduação da UFSC, Joana Maria Pedro, em 2016 era esperado número igual ou maior de doutorandos beneficiados com a bolsa individual em relação ao ano passado.
– O sistema está fechado desde maio de 2015. Não recebemos nenhum comunicado do governo federal. Sentimos muito, porque a UFSC perde em internacionalização. Vários estudantes que participaram do programa em anos anteriores tiveram propostas de cotutela em universidades estrangeiras. Estamos orientando buscarem outras modalidades de bolsa, como aquelas oferecidas diretamente pelas universidades de destino – explica a pesquisadora.
Ela acrescenta ainda que vários programas de pós-graduação já haviam feito internamente a seleção de estudantes.Contingenciamento de verbas, ajuste fiscal e a alta do dólar são as principais justificativas do governo para o cenário. No site da Capes, há o aviso de que “a reabertura do sistema para novas solicitações será, oportunamente, divulgada pela Diretoria de Relações Internacionais.” Já no endereço do CNPq, não há nenhum comunicado a respeito da suspensão dos editais de convocação.
O CNPq, a Capes e o Ministério da Educação foram procurados pela reportagem para explicar os cortes, mas até o fechamento desta edição não responderam as perguntas enviadas.
Cursos de humanas são mais afetados
As áreas do conhecimento mais prejudicadas com a suspensão das bolsas de doutorado sanduíche são as das ciências humanas e sociais, visto que “o estágio no exterior deve contemplar, prioritariamente, a realização de pesquisas em áreas do conhecimento menos consolidadas no Brasil”, segundo as agências de fomento. O doutorando em História na UFSC Marcos Luã Freitas, 28 anos, preparava-se para adiantar a qualificação da tese de doutorado antes de ir à França ou à Espanha com auxílio da Capes.
– Minha pesquisa não será inviabilizada, mas a possibilidade de interagir academicamente com centros de pesquisa e pesquisadores que lidam com os mesmos objetos, temas e bibliografia será totalmente perdida. No fundo, o meu problema maior foi a perda da possibilidade de produzir um conhecimento mais internacionalizado – lamenta o pós-graduando, que agora tenta ir ao México a partir de outra modalidade de bolsa.
Para o membro da Associação dos Pós-Graduandos da UFSC, Rodrigo Prates de Andrade, que organizou debate na tarde de ontem sobre a suspensão das bolsas, nos últimos 13 anos houve uma transformação positiva na universidade brasileira, mas o pacote de ajuste fiscal voltou a prejudicar ensino, pesquisa e extensão.
Bolsas do CNPq no país
2011: 494
2012: 2.346
2013: 7.966
2014: 10.626
2015: 9.468
2016: 6.607 - referente ao primeiro trimestre.