Pesquisas sobre doenças parasitárias que afetam populações pobres e fazem milhões de vítimas todos os anos foram as vencedoras do Prêmio Nobel de Medicina de 2015, anunciado ontem em Estocolmo. Metade da premiação de 8 milhões de coroas suecas (R$ 3,8 milhões) foi para o irlandês William Campbell e o japonês Satoshi Omura, descobridores de uma droga que combate uma série de verminoses, inclusive a responsável pela elefantíase. A outra metade ficou com a chinesa Youyou Tu, que desenvolveu um tratamento eficaz contra a malária a partir de uma planta conhecida da medicina tradicional chinesa, a Artemisia annua.
A malária afeta 200 milhões de pessoas por ano, causando cerca de 500 mil mortes, principalmente crianças. De acordo com o júri do Nobel, os vencedores "desenvolveram terapias que revolucionaram o tratamento de algumas das doenças parasitárias mais devastadoras", que "afetam especialmente as populações mais pobres do mundo e representam um enorme obstáculo para melhorar a saúde e o bem-estar humano".
A decisão de destacar avanços que beneficiam as populações mais pobres foi celebrada por especialistas da área. Carlos Graeff Teixeira, do laboratório de parasitologia molecular do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUCRS, considerou o prêmio uma sinalização importante:
- A maior parte da ciência se preocupa com vírus e bactérias. Vermes não têm charme. Mas eles não deixam de ser importantes. As verminoses são um problema seríssimo, mas afetam os pobres. O mercado não é muito lucrativo, porque essas pessoas não têm recursos para comprar. E a malária é a doença parasitária que mais mata no mundo. São quatro mortes por minuto, mais do que a aids e as guerras. Do ponto de vista político, foi uma premiação interessantíssima. Chama a atenção para um grupo de agentes a que ninguém presta atenção.
Doenças negligenciadas e pouco estudadas
Youyou Tu realizou a pesquisa vencedora do Nobel na década de 1970. A partir de um levantamento em textos médicos chineses e remédios populares, ela coletou 2 mil drogas em potencial. Uma das substâncias pesquisadas foi a artemisinina, hoje considerada o tratamento mais seguro e eficaz contra a malária.
Omura e Campbell foram premiados pela contribuição ao combate de doenças como a oncocercose (inflamação da córnea que leva à cegueira) e a filariose linfática (a elefantíase, que atinge mais de 100 milhões de pessoas e causa inchaços crônicos no corpo). O estudo começou com o japonês, que investigou bactérias retiradas do solo, uma delas eficaz contra parasitas. A partir dela, Campell isolou a substância avermectina, que deu origem à ivermectina, poderosa contra uma série de vermes, inclusive os que causam a oncocercose e a elefantíase.
- As filarioses são doenças negligenciadas e pouco estudadas. Foi realmente muito válida e importante a premiação. Ela valoriza os pesquisadores da parasitologia - avalia o parasitologista Gilberto Fontes, professor e pesquisador Universidade Federal de São João del-Rei (MG) e consultor do programa de controle de filariose linfática do Ministério da Saúde.
Todos querem esse reconhecimento, mas por quê?
Encarado friamente, o Nobel nada mais é do que um prêmio concedido todos os anos por um tanto de comitês formados por suecos e noruegueses. No imaginário, a distinção tornou-se o pináculo da glória em áreas como as ciências, a literatura e a economia. Por algum motivo, a humanidade resolveu reconhecer nos eleitos das academias escandinavas a condição de ícones e gurus.
Por isso, a premiação em dinheiro, ainda que polpuda, é um detalhe quase secundário. Há muito mais em jogo. Um ganhador pode esperar empregos melhores, financiamentos generosos para o que queira fazer ou pesquisar, tiragens respeitáveis para seus livros, convites para palestras e tratamento vip para o resto da vida. Ele passará a ser visto não apenas como sumidade em sua área, mas também como autoridade cuja opinião deve ser ouvida.
- O prêmio não tem preço. A prova é que existem premiações que pagam mais, mas ninguém as trocaria pelo Nobel - afirmou três anos atrás, a um portal norte-
americano, o economista Robert Merton, laureado em 1997.
Premiado em Física em 2004, Frank Wilczek contou à revista New Scientist que, além do reconhecimento de seus pares e das oportunidades multiplicadas, o prêmio granjeou-lhe também convites para festas incríveis. Outro ganhador de Física, Brian Schmidt, de 2011, ficou impressionado com a influência que passou a ter:
- Mais do que tudo, o prêmio me deu uma voz que eu posso usar em favor da ciência. Como laureado do Nobel, meus pontos de vista estão presentes em debates de rádio, artigos e encontros com empresários, legisladores e políticos. Tento usar essa voz com responsabilidade. Uma das armadilhas de ser um Nobel é que também temos muita repercussão ao dar opinião. Com relação a isso, tenho de ser mais cuidadoso.
CURIOSIDADE: Nóbel ou Nobél?
Todo ano é a mesma coisa. Quando saem os prêmios, os brasileiros se dividem entre os que acham que algum pesquisador estrangeiro ganhou o "Nobél" e os que afirmam que ele ganhou o "Nóbel". Há também os que, na dúvida, utilizam as duas formas alternadamente, de acordo com o sabor do momento.
Qual é a forma certa? O professor de português Cláudio Moreno afirma que o procedimento na língua portuguesa, quando se trata de nomes estrangeiros, é reproduzir a pronúncia do idioma original. É por isso que dizemos Prêmio "Óscar", e não Prêmio "Oscar".
Como se sabe, o Prêmio Nobel tem esse nome porque foi estabelecido pelo inventor sueco Alfred Nobel (1833-1896). ZH consultou a Embaixada da Suécia para saber como os suecos dizem o nome de seu compatriota. Eles falam "Nobél". Ou melhor: o que eles dizem mesmo é algo parecido com "Nobéle".