Quanto toca o sinal, as crianças logo se organizam em filas à espera do professor que vai levá-las de volta à sala de aula. É o fim das brincadeiras no intervalo, tão animadas nessas séries iniciais, mas o início de outro mundo de diversão e aprendizado - um dos momentos mais aguardados por elas todos os dias.
E, seja qual for a lição que as espera, três coisas são certas: ao deixar a escola, terão dedicado pelo menos 20 minutos à leitura de um livro, visto novos conteúdos e revisto parte do que já aprenderam em português e matemática. Também sabem que encontrarão, na hora da saída, um ônibus que irá levá-las para casa - provavelmente o mesmo que as trouxe. E que terão, a cada ano, um professor motivado que irá orientá-las em qualquer dificuldade.
VÍDEO: por que Centenário se destaca em alfabetização no RS
O cenário poderia ser o de um colégio particular em algum lugar do Brasil, mas é rotina na Escola Estadual Rondônia, na pequena cidade de Centenário, norte do Estado. O município de 3 mil habitantes foi o grande destaque gaúcho na Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) 2014, que testa o nível de conhecimento das crianças por volta dos oito anos em três áreas: leitura, escrita e matemática.
Com quatro escolas instaladas em seus perímetros rural e urbano, todas públicas, Centenário conquistou uma trinca de resultados satisfatórios na avaliação do Ministério da Educação (MEC). É o município do Estado com os mais altos índices nos níveis considerados excelentes pelo governo, somando-se todas as áreas - nunca o primeiro, mas sempre entre os cinco melhores.
- O resultado mostra nosso comprometimento com a educação, que é uma preocupação de toda a comunidade. É uma mistura de investimento e paixão pelo que se faz em sala de aula, o que nos orgulha muito - diz a secretária de Educação e Cultura do município, Luciana Zvierzykoski. <SCRIPT src="<A href=" http: www.clicrbs.com.br sites swf zh_iframes EnterScriptMan-0.0.1.js?EW='640&EH=700&EU=http%3A//www.clicrbs.com.br/sites/swf/zh-guia-escolas-porto-alegre-2016/?xxx=xx"'>http://www.clicrbs.com.br/sites/swf/zh_iframes/EnterScriptMan-0.0.1.js?EW=640&EH=700&EU=http%3A//www.clicrbs.com.br/sites/swf/zh-guia-escolas-porto-alegre-2016/?xxx=xx" >
Isso significa que o ensino em Centenário é o melhor do Estado? Bem, não necessariamente. Deve-se levar em conta que os resultados foram obtidos por uma só turma de uma das escolas do município - uma amostra tão pequena que um dos alunos, sozinho, poderia aumentar consideravelmente a taxa de níveis insatisfatórios em qualquer das três áreas avaliadas.
Ainda assim, a alfabetização tem mostrado resultados, e o orgulho está estampado no rosto de cada professor. Não apenas pelo novo reconhecimento: conversar com os alunos e seus pais é perceber que a dedicação à qualidade do ensino começa desde a educação infantil, e mesmo antes, em casa.
Para os professores, é como se o mérito não fosse nenhuma grande novidade, apenas o reconhecimento de um trabalho árduo - que, todos concordam, não depende só deles.
- A sociedade de Centenário é toda unida em torno da educação, e é só assim que funciona: quando escola, família e governo trabalham juntos pelo bem dos alunos - conclui o prefeito Wilson Carlos Lukaszewski.
Na pacata cidade de Centenário, onde todo mundo se conhece e cada professor consegue acompanhar de perto o desenvolvimento individual dos alunos, a proximidade também facilita a qualidade do ensino: ao perceber quaisquer dificuldades, o educador consegue acionar os pais da criança e direcionar sua atenção a ela, até que todos consigam aprender juntos, no mesmo ritmo.
Com incentivo, estudantes aprendem a gostar de ler
Entre armários repletos de páginas coloridas e textos encadernados, disponíveis para círculos diários de leitura feitos desde o 1º ano, as crianças descobrem a importância dos livros. A atividade é uma obrigação na escola Rondônia, mas virou momento de prazer para muitos. Aluno do 4º ano, o jovem Roger Biesek, nove anos, é um dos leitores mais ávidos:
- Adoro ler. E não é para me gabar, mas prefiro livros grandes, porque demoram mais para acabar.
A mãe dele ainda parece surpresa com a predileção do filho pelos "tomos" que intimidam adultos.
- Sempre acham estranho quando a gente compra livros de adulto para ele, mas vemos que é algo que o Roger realmente gosta e pede. Então, é nosso papel incentivar - conta Adriane Biesek, que trabalha no posto de saúde da cidade.
Ali pertinho, como tudo o mais que está na área urbana da cidade, Carlos Augusto da Silva mostra com orgulho a quantidade de livros em casa. A filha Hattaly garante que a coleção a inspira a ir cada vez melhor na escola.
- Tudo na vida tem uma leitura. Se a gente não aprender a ler, não aprende as outras coisas - diz a menina, de nove anos.
As letras do alfabeto estão em cada sala de aula de todas as escolas - desde o colorido "M de macaco" nas séries iniciais até os traços mais sisudos direcionados aos estudantes do Ensino Fundamental. Mas elas estão lá, sempre logo acima do quadro negro: lembrete de que, para progredir, ninguém pode deixar de lado o que já aprendeu.
- No começo das aulas, conto uma história, explico direitinho para eles, depois faço a chamada e peço para desenharem o que entenderam. E todo dia faço uma leitura do alfabeto para eles - diz a professora do 1º ano Maria Salete Serafini, que há 33 anos leciona na rede estadual da cidade.
Ensino Médio é o principal alvo do currículo único nacional
Na Educação Infantil, o espaço de brincar é cercado de frases em murais e livros espalhados, e as crianças do pré costumam perguntar às professoras o significado das palavras escritas. Na última turma da Escola de Educação Infantil Criança Feliz, os pequenos, com cinco anos, já vão aprendendo a relacionar as primeiras letras às palavras, uma por dia.
Mesmo na erma escola rural do município, onde oito crianças do 1º ao 6º ano estudam juntas, na mesma turma, com uma só professora, são feitos incentivos. Em meio a centenas de páginas de livros, os alunos contam com seis computadores com material educacional - um oásis de persistência em meio a um deserto de dificuldades.
Destaque, mas não sem percalços
Os bons índices de alfabetização em Centenário não mascaram problemas comuns a qualquer município. Há uma biblioteca inacessível aos alunos, com livros defasados, além de problemas de estrutura e investimentos interrompidos devido ao contingenciamento de verbas estaduais e federais - dificuldades com que os educadores precisam lidar diariamente em sala de aula.
Parte dos recursos que o colégio estadual esperava até o início do segundo semestre ainda não chegaram. Com isso, a reforma nos banheiros ficou para depois. Projetos de ampliações como a recém-inaugurada cobertura do campo de futebol também serão feitos na ponta do lápis. A maior ajuda de custo tem vindo da própria comunidade, com verbas obtidas junto ao Círculo de Pais e Mestres (CPM), que organiza rifas e festas para arrecadar dinheiro para a escola. Sem isso, mesmo a distribuição da merenda ficaria comprometida.
- A educação tem melhorado no município, mas sabemos que é preciso investir sempre. Precisamos trabalhar para melhorar ela a cada dia, mas os empecilhos financeiros dificultam essa tarefa - afirma o prefeito.
Na única escola infantil do município, falta espaço para acomodar mais crianças. As salas ficam todas ocupadas pela manhã, quando cerca de 20 alunos têm aulas, e enchem durante a tarde, quando esse número passa dos 50. O objetivo de expandir o terreno da escolinha tropeça em barreiras financeiras e burocráticas, fazendo com que a opção de não receber mais alunos seja considerada.
Detalhe ZH
Centenário é um município tão pequeno que não houve número suficiente de alunos para tornar possível uma avaliação da rede municipal no ano passado. Para participar da prova em 2014, as escolas municipais precisariam ter pelo menos 10 estudantes matriculados no 3º ano do Ensino Fundamental. A turma da escola estadual que respondeu a Avaliação Nacional da Alfabetização no ano passado tinha 22 alunos.