- Ô Will, vocês podem ir passando ali a tua proposta de arranjo agora, para dar uma quebra na música - diz a professora Luciana Prass.
A caminho de uma das salas de gravação do Estúdio Soma, em Porto Alegre, Willian Lovato entende o recado: é hora de colocar em prática o tema de casa. Ele pega o baixo elétrico, abre a porta acústica e entra. Com ele, seguem colegas munidos de bandolim, guitarra, violão e até um trombone. Pode parecer a reunião de uma banda, mas todos estão ali estudando para a graduação.
Em vídeo, entenda como é o curso:
No curso de Música Popular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) é assim: as aulas práticas são como uma gravação semanal em um estúdio profissional - algo que os músicos profissionais já estão acostumados a fazer, mas para os alunos é uma novidade a cada semana. A disciplina de Prática Musical Coletiva, que permeia todo o curso, transforma a turma em banda, e, aí, não tem setlist: a cada aula, surge um repertório diferente, um arranjo novo.
Essa prática do improviso e do trabalho coletivo é um dos diferenciais da habilitação, mas a faculdade não esquece da teoria. No Instituto de Artes, os estudantes também têm aulas de composição, história, teoria da música. Em vez de se concentrarem nos clássicos de compositores como Bach e Haydn, o foco está na variedade musical.
- Aqui tem o pessoal ligado ao reggae, ao metal, ao jazz, ao samba. Todo mundo se junta e traz essas referências para a sala de aula e para o estúdio. Essa mistura é o melhor da faculdade - garante Guilherme Rech, violão nas mãos e no papel de vocalista do grupo.
Caindo no gosto dos estudantes
A habilitação em Música Popular na UFRGS se une aos bacharelados em canto, teclado (piano ou órgão), regência coral, composição e cordas e sopros (violino, viola, violão, flauta, clarinete, oboé, saxofone), além da licenciatura em Educação Musical. É um curso relativamente novo: as aulas começaram em 2012, com 22 alunos - turma que tem previsão de formatura para este semestre. Nesses quatro anos, 106 alunos já ingressaram na graduação.
- A procura tem crescido a cada ano, o que mostra que nossa sociedade estava esperando por um curso assim. Sou suspeita para falar, mas vejo como algo que deu muito certo - diz Luciana, uma das responsáveis pela criação da habilitação na UFRGS.
Instrumentistas de todos os tipos buscam essa formação, desde o pianista interessado na profusão de acordes improvisados do jazz até o guitarrista inspirado em solos progressivos de metal - músicos que, até então, precisariam seguir o caminho da performance erudita para ter uma formação musical de nível superior. Agora, eles se unem a diversos outros estudantes, alguns inclusive do mesmo instrumento, em busca de harmonia.
- Temos turmas com três bateristas, quatro guitarristas, e são alunos vindos de todos os estilos musicais. Então, a aula tem de se tornar um espaço de negociação e ser bem democrática: não "tem que" nada, tudo é feito sem imposições - analisa Jean Presser, produtor de trilhas sonoras que hoje dá aulas no curso.
Iniciação científica pode impulsionar carreira ainda na graduação
Entre músicos renomados
Além dos jovens em busca da formação, o curso tem atraído veteranos. Profissionais como o violonista Angelo Primon, três vezes indicado ao Troféu Açorianos como melhor instrumentista de MPB, e o baixista Clóvis Boca Freire, que tocou com nomes como Cauby Peixoto, Elza Soares e Nei Lisboa, são alunos.
- A presença de artistas renomados incentiva nossos estudantes e mostra que todos têm a aprender. Ter esses músicos como calouros é a prova de que realmente faltava um curso assim por aqui - reflete Luciano Zanatta, envolvido desde o início no desenvolvimento da habilitação.
Aos 54 anos, Francisco Gomes acompanhou a formação do curso. Funcionário do Instituto de Artes da UFRGS, passou anos vendo músicos em formação irem para as salas de aula, mas não tinha pensado em retomar a vida de estudante. Mudou de ideia:
- Foi a chance de estudar música na universidade. Não poderia deixar a oportunidade passar.
DETALHE ZH
Quem gosta de MPB pode sair na frente na prova de Literatura da UFRGS. A universidade incluiu um álbum entre as leituras obrigatórias do vestibular: Tropicália ou Panis et Circensis, de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes e outros artistas.
Cursos curiosos no Ensino Superior
- Gestão de Negócios em Surf (Universidades Estácio de Sá e Univali, em Santa Catarina)
- Tecnologia em Futebol (Faculdade Drummond, em São Paulo)
- Estudo de Gêneros e Diversidade (Universidade Federal da Bahia)
Prelúdio de uma carreira
QUEM PROCURA O CURSO
Há desde aqueles que acabaram de sair do Ensino Médio até quem havia décadas não entrava em uma sala de aula. Músicos profissionais estão entre os calouros. Em ambos os casos, muitos estão ali em busca da teoria - que encontram em disciplinas de harmonia, escrita, produção de arranjos, entre outras - e da prática em conjunto.
É PRECISO SABER TOCAR UM INSTRUMENTO?
Sim. Como nas outras graduações em Música, só entra quem passar por uma prova específica. Na faculdade, não se aprende a tocar um instrumento, ainda que, durante as aulas, muito se experimente. O foco é aperfeiçoar a técnica, trabalhar em conjunto e entender teoria e história da música.
O QUE SE ESTUDA
Além das aulas de teoria e história da música, feitas em conjunto com as demais habilitações do curso, os alunos de Música Popular têm disciplinas que envolvem produção de trilhas sonoras, familiarização com técnicas de estúdio e aulas práticas que primam pela criação e execução de arranjos em grupo.
POPULAR E ERUDITO
Apesar de não ser o foco do curso, quem estuda Música Popular não deixa de lado o contato com compositores eruditos: Beethoven, Chopin, Mozart estão lá, dividindo espaço com artistas da música popular como Wilson Simonal e Pixinguinha. Isso porque todas as disciplinas de teoria da música são comuns: quem faz bacharelado em violino é colega de quem tem aulas de música popular.
- Quando eles dialogam, há uma troca de experiências muito rica. Temos um aluno que estuda música popular e escreveu um arranjo para naipe de cordas, por exemplo, onde todos os que tocam são da música erudita. Essa integração é muito boa para eles e para o curso como um todo - avalia a professora Luciana Prass.
PARA SE FORMAR
O trabalho de conclusão de curso pode envolver uma produção fonográfica, incluindo composições próprias ou de outros artistas, em que se pode envolver na mixagem ou masterização do material.
Outra possibilidade é produzir um show, envolvendo divulgação e performance. Também é possível organizar arranjos e apresentar um livro de partituras, ou ainda fazer uma monografia na área de musicologia.
O trabalho musical pode ser feito em grupo, mas o formando precisa ser o protagonista da obra.
DEPOIS DE FORMADOS
A possibilidade de atuação é vasta e depende muito do interesse de cada aluno. A produção fonográfica - envolvendo práticas de estúdio, como mixagem e masterização - é uma das vertentes, assim como a composição de trilhas sonoras, para peças publicitárias, vídeo, teatro, entre outros. O caminho da performance, ainda que mais caro, também é uma opção. Outros formandos pensam em trabalhar como críticos musicais, e a carreira acadêmica, apesar de ainda não haver mestrado na área de música popular na UFRGS, é uma opção.
Graduações pelo Brasil*
Licenciatura em Música Popular Brasileira
Conservatório Brasileiro de Música (CBM/CEU), no Rio de Janeiro
Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP), em São Paulo
Centro Universitário Cesumar (UNICESUMAR), no Paraná
Bacharelados em Música Popular
Universidade Estadual do Paraná (Unespar), no Paraná
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em Pelotas
Universidade Federal da Bahia (UFBA), na Bahia
Universidade Estadual do Ceará (UECE)**, no Ceará
*Fonte: Sistema e-MEC, do Ministério da Educação.
**Somente habilitação em saxofone.