Neurocientistas da Universidade Duke, na Carolina do Norte, EUA, demonstraram um novo paradigma, derivado do conceito de interfaces cérebro-máquina. Eles mostraram como os cérebros de dois ou mais animais (ou macacos ou ratos) podem trabalhar conjuntamente, como parte de um único sistema computacional, para realizar tarefas motoras ou outras operações computacionais.
Esse novo paradigma, formado por redes de cérebros de animais, foi chamado de "Brainet". Os primeiros exemplos de operação das Brainets são descritos em dois trabalhos publicados na edição de 9 de Julho de 2015 da revista Scientific Reports.
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Nestes estudos, grupos de dois a quatro animais foram capazes de literalmente combinar parte da atividade de seus cérebros para controlar os movimentos de um braço virtual num espaço tridimensional ou para realizar operações computacionais, como reconhecimento de padrões, estocagem e recuperação de memórias táteis e uma forma simplificada de previsão do tempo.
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Estas demonstrações sugerem que Brainets formadas por cérebros de animais podem servir como o conceito primordial para o desenvolvimento de computadores orgânicos que empregam uma arquitetura computacional híbrida analógico-digital.
As interfaces cérebro-máquina (ICM) são sistemas computacionais híbridos que permitem indivíduos (animais ou seres humanos) usarem a atividade elétrica dos seus cérebros para controlar diretamente os movimentos de atuadores artificiais, como braços robóticos, exoesqueletos ou mesmo corpos virtuais.
Os pesquisadores da Universidade Duke, trabalhando no Centro de Neuroengenharia, haviam construído até hoje ICMs capazes de registrar e transmitir os sinais elétricos gerados pelos cérebros de ratos, macacos e seres humanos para atuadores artificiais. Mas, no estudo publicado essa semana, os neurocientistas do laboratório de Miguel Nicolelis conseguiram interfacear os cérebros de dois ou três macacos em rede Brainet.
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Em um dos experimentos descritos no primeiro estudo, dois macacos foram colocados em diferentes salas do laboratório onde eles observaram imagens idênticas de um braço virtual de macaco, apresentado numa tela de computador. Durante esse experimento, um animal usou a sua atividade cerebral para controlar o movimento horizontal deste braço virtual no eixo X, enquanto o outro animal usava a sua atividade cerebral para controlar os movimentos verticais, ao longo do eixo Y.
- Ao participar da Brainet, os três macacos foram capazes de sincronizar a atividade dos seus cérebros para produzir um sinal de saída unificado que foi capaz de mover o braço virtual num espaço tridimensional - comentou Miguel Nicolelis, M.D.,Ph.D, co-diretor do Centro de Neuroengenharia da Faculdade de Medicina da Duke e o investigador principal desse estudo.
Usando uma Brainet, os dois macacos trabalham conjuntamente para mover este braço virtual nas duas dimensões (X e Y) simultaneamente, de tal sorte que o braço virtual pudesse ser posicionado dentro de um círculo, que definia o alvo final do movimento. Pares de macacos realizaram essa tarefa ao sincronizar a atividade motora gerada por seus cérebros sem a necessidade de realizar movimentos dos seus braços biológicos.
Num outro experimento, os investigadores registraram a atividade elétrica de mais de 700 neurônios corticais dos cérebros de três macacos enquanto eles tentavam mover conjuntamente o mesmo braço virtual, num espaço 3D, para dentro de uma esfera que funcionava como alvo.
Neste experimento, cada macaco controlou mentalmente duas das três dimensões do movimento do braço virtual no espaço tridimensional. Essa Brainet só conseguiu realizar a tarefa corretamente quando pelo menos dois dos macacos foram capazes de sincronizar seus cérebros para produzir um movimento tridimensional correto e sincronizado que conduziu o braço virtual para dentro do alvo. A cada nova tentativa, a localização espacial do alvo mudava aleatoriamente.
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Com a prática dessa tarefa, o grupo de três macacos ganhou experiência e melhorou significativamente a sua performance. Durante esse período de aprendizado, os investigadores notaram que os cérebros dos três animais sofreram adaptações funcionais plásticas que permitiram o aumento da sincronia da atividade cerebral entre os animais.
- Essa é a primeira demonstração de uma interface cérebro-máquina compartilhada. Durante a última década, as pesquisas com ICMs começaram a ser transportadas de estudos em animais para novas aplicações clínicas. Nós acreditamos que o mesmo ocorrerá com esse novo conceito, da ICM compartilhada ou Brainet, e que logo começaremos a ver novas aplicações em reabilitação neurológica baseadas nesse novo paradigma - completou Nicolelis.
Nicolelis e seus colegas do Projeto Andar de Novo, baseados em um laboratório de neuro-reabilitação robótica localizado em São Paulo, estão trabalhando nesse momento para implementar uma versão "não invasiva" da Brainet em seres humanos para testar a sua potencial aplicação em protocolos de neuro-reabilitação em pacientes que sofrem com altos graus de paralisia corpórea.
Miguel Angelo Laporta Nicolelis nasceu em São Paulo em 7 de março de 1961. Em 1989, mudou-se para os EUA para cursar o pós-doutorado, e em 1994 ingressou na Universidade de Duke, onde permanece até hoje. Em 2004, foi eleito pela Scientific American como um dos 20 cientistas mais influentes do mundo. Palmeirense fanático, ameaça roubar a cena na Arena Corinthians, na estreia da Copa, com um boné do alviverde paulista. No Twitter, é contumaz narrador e comentarista dos jogos do time do coração. Publicou, em 2011, pela Companhia das Letras, o livro Muito Além do Nosso Eu.